A corrente conservadora

Postado em 11-07-2018

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Com o agravamento da crise na Igreja e as perspectivas sombrias quanto ao futuro do Brasil, as lideranças mais sensatas e responsáveis da Igreja e da sociedade civil começam a organizar-se e a arregimentar-se com vista a uma reação que impeça o triunfo completo do espírito revolucionário sobre toda a civilização ocidental. Fala-se da formação de uma corrente conservadora. A proposta parece-me boa, mas carece de algumas balizas e merece reparos.

Com efeito, no plano estritamente religioso (que se distingue mas não se separa do civil, mas antes tem sobre este sérias implicações) observa-se uma crescente resistência da parte de cardeais e bispos ditos ratzingerianos ao pontificado de Francisco I, que inegavelmente tem favorecido o avanço da teologia da libertação e pretende levar às últimas consequências tudo aquilo que ficou implícito ou camuflado nos diversos documentos ambíguos do Vaticano II e os predecessores de Bergoglio preferiram deixar congelado a condenar como um erro sutil que mais tarde poderia incendiar toda a Igreja como acontece agora.

Infelizmente, os cardeais e bispos ratzingerianos opositores de Francisco não querem admitir publicamente que às ações de Francisco não falta embasamento doutrinal em quase todo o discurso teológico pós-conciliar, não querem reconhecer que a Igreja do Vaticano II governada por João Paulo II e Bento XVI é uma Igreja que ficou na metade do caminho e agora simplesmente avança pelo mesmo caminho a toque de caixa graças à determinação de Francisco.

Basta pensar na proposta da ordenação de diaconisas e dos viri probati. As “acólitas” e as ministras da Eucaristia de João Paulo II desejam vivamente servir a Igreja de Francisco como diaconisas. E os padres a que elas auxiliam em suas paróquias ficarão felizes de tê-las como diaconisas em suas celebrações. Igualmente, os ministros da Eucaristia e os diáconos permanentes, inspirando-se no exemplo dos padres anglicanos casados, acolhidos na Igreja Latina por Bento XVI, vão aceitar a ordenação presbiteral como se espera seja proposto no próximo sínodo da Amazônia. E quanto ao favorecimento da teologia da libertação, é preciso dizer que, embora tenha sido esta censurada por João Paulo II em sua versão mais radical, Francisco tem respaldo na Pacem in terris de João XXIII, porque este documento preconiza uma colaboração da Igreja com todos os movimentos sociais que, não obstante surgidos de correntes ideológicas alheias à tradição cristã, visam à promoção da “justiça social”.

De maneira que a reação desses prelados ditos conservadores ou ratzingerianos é canhestra e corre o risco de ser ineficaz porque  se recusa a combater o mal pela raiz. E se considerarmos as implicações de todo o seu discurso acanhado no campo político, as consequências podem ser ainda piores. Com efeito, a tendência é que, levados pelo erro da declaração Dignitatis Humanae, esses dignitários insistam em defender a democracia laica em colaboração com as outras religiões, especialmente o judaísmo, em nome de um grande equívoco do nosso tempo, a chamada “civilização judaico-cristã”. Esta não é a verdadeira civilização cristã. É a cultura liberal que se originou e desenvolveu nos Estados Unidos, paraíso das seitas protestantes e do judaísmo. Ou melhor, é um embuste da judeu-maçonaria. A verdadeira civilização  é antiga  civilização europeia, tal como a edificou a Igreja Romana, sucessora de Israel, depositária de toda a revelação divina, e guardiã da sabedoria dos antigos gregos e romanos.

Tendo em vista os problemas apontados, parece-me que a colaboração dos católicos da tradição com os purpurados conservadores hostis a Francisco deve ser muito discreta e condicional, a fim de evitar uma confusão entre os fiéis mais simples que poderiam ser levados a crer que os inimigos de Francisco I são defensores intrépidos da sagrada tradição. Por outro lado, cumpre reconhecer que Francisco, indiretamente, e sem querer, presta um grande serviço à Igreja na medida em que obriga os católicos hoje perplexos a tomar uma posição, a reconhecer que há um problema na Igreja e a examinar as causas desse problema. Aqueles que diziam que Lefèbvre era um anacronismo na Igreja hoje são obrigados a ver que o caminho trilhado por João Paulo II, Bento XVI e agora seguido por Francisco conduz a uma igreja nova, em completa ruptura com toda a tradição.

Quanto ao preocupante momento político do Brasil, é inútil dizer que não temos nenhum candidato à presidência da República que realmente represente os valores tradicionais da nação. Mais uma vez seremos obrigados a escolher o menos ruim. E o mais doloroso é que o debate político se limita ao problema econômico, isto é, a escolher o candidato que tenha consciência mais clara do gravíssimo problema fiscal e possa, em consequência, tomar as medidas necessárias para impedir que o Brasil acabe como a Venezuela. São os chamados políticos defensores do liberalismo econômico. Porque no medíocre debate político nacional  qualquer indivíduo que defenda a propriedade privada, a livre iniciativa, a economia de mercado, logo é classificado como liberal, ainda que no plano dos valores morais e religiosos seja a favor dos princípios  imutáveis.

Essa confusão entre conservadores e liberais própria da ignorância nacional tem consequências negativas. Como observou há uns dez anos um pensador brasileiro, nos EUA são conservadores aqueles que defendem a Constituição federal e querem que haja uma relação harmoniosa entre o Estado e as diversas religiões na América do Norte, que ficam assim asseguradas em seu direito a ter um espaço público na defesa dos seus valores, e liberais são aqueles que defendem uma nova interpretação da Constituição com a pretensão de reduzir a influência religiosa à vida privada. Ao passo que aqui no Brasil qualquer degenerado adepto da revolução cultural mas defensor da economia de mercado é tido na conta de liberal-conservador e qualquer defensor dos valores morais perenes é tido como um liberal por ser defensor da economia de mercado.

Uma das consequências negativas dessa confusão consiste no perigo de se, porventura, amanhã a arregimentação das forças conservadoras for bem sucedida (o que desejamos para evitar a venezuelização do Brasil), os católicos defensores do Reinado Social de Cristo virem a pensar que o sistema político norte-americano baseado na liberdade dos cultos e na soberania popular é o sistema político próprio da cristandade. Na verdade, os EUA são filhos da Revolução moderna. De modo que o termo conservador é tão impreciso e confuso quanto o jogo político direita-esquerda. Que valores conserva um conservador anglo-saxão? A primeira-ministra conservadora da rainha Elisabeth é ultraliberal em matéria de costumes. Que defende um direitista liberal no Brasil? Não se cogita uma aliança entre Ciro Gomes e os democratas?

Em conclusão, para testemunhar nossa fé, sou favorável a um apoio discreto aos cardeais ditos conservadores, e por uma questão de prudência, para evitar um mal maior que seria a completa ruína econômica do Brasil, defendo a arregimentação das forças “conservadoras” e liberais no Brasil para derrotar nas próximas eleições os comunistas, contato que tal aliança não represente um compromisso que venha a significar uma renúncia ao nosso combate pelo Reinado Social de Cristo.

Anápolis, 11 de julho de 2018.

São Pio I, Papa e Mártir.