A Paixão de Cristo: gesto de solidariedade ou sacrifício redentor?

Postado em 25-03-2011

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Todos os anos, pela altura da semana santa, os inimigos de Cristo e da Igreja desfecham os seus ataques mais baixos contra o Salvador e zombam dos ofícios do tríduo pascal. Não bastasse isto, os modernistas aproveitam a ocasião para divulgar suas heresias na tentativa de dar um novo significado à obra redentora de Nosso Senhor.

Lembro-me de que no ano passado um alto prelado alemão negou o caráter expiatório do sacrifício de Cristo, dizendo que era preciso compreendê-lo de outra forma. A paixão de Cristo teria de ser vista como algo equivalente a um gesto de solidariedade pelo qual Deus manifestaria à humanidade sua compaixão pelos males que padece na terra.

Para um pentecostal, talvez isso pareça comovente. Mas na verdade não passa de uma heresia ridícula. Um Deus  incapaz de libertar o homem do mal apenas lhe manifestaria solidariedade! Realmente, estamos diante de uma opinião abaixo da crítica, reveladora da degradação dos estudos teológicos e da corrupção doutrinária nos mais altos graus da hierarquia.

A objeção que normalmente se levanta contra a doutrina tradicional da Igreja, contida na Sagrada Escritura e amplamente explanada pelos padres e por Santo Tomás na Suma Teológica, consiste em dizer que ela não se harmoniza com a mentalidade do homem moderno, o qual não aceita a idéia de um Deus que exige do seu Filho um suplicio para satisfazer a justiça divina.

Ora, lendo as questões 46 a 49 da terceira parte da Suma Teológica de Santo Tomás, verificamos que todas as objeções do “homem moderno” contra o mistério do sacrifício redentor de Cristo são, de fato, as objeções bem velhas do homem incrédulo e racionalista  que sempre existiu. São objeções próprias de uma mentalidade naturalista do homem orgulhoso,  e ímpio que nega a necessidade de um salvador e não reconhece que, em virtude do pecado, contraiu uma dívida (aliás impagável pelo homem) para com Deus.

Certamente, esse problema recrudesceu em nossos dias por causa do modernismo. Há toda uma exegese herética que não só destrói o significado dos sacrifícios do Antigo Testamento como figuras do verdadeiro sacrifício redentor de Cristo, mas nega outrossim a existência do demônio. Em tal perspectiva, por que falar em redenção? A teologia da libertação seria a verdadeira interpretação da obra redentora de Cristo: ajudar o homem a libertar-se não só das estruturas sociais de opressão, mas também do temor de Deus, de maneira que ele se convença de que é Deus.

Santo Tomás explica na questão 1, a. 2 da 3ª da ST que era necessário para a reparação do gênero humano que o Verbo de Deus encarnasse porque a gravidade da ofensa se mede pela dignidade do ofendido. Ora Deus tem uma dignidade infinita que exige uma satisfação infinita, da qual o homem não seria capaz. Somente Cristo, sendo uma pessoa divina, poderia, como homem, oferecer uma satisfação condigna.

Se hoje se recusa a necessidade de reparação do pecado é porque se perdeu o conhecimento de Deus como criador e legislador, que criou o homem e o submeteu a uma lei. Com feito, contradiz a reta razão admitir uma lei sem pena. Não seria digno da sabedoria divina eximir a malícia humana do dever de uma reparação da justiça divina.

À objeção de que seria uma crueldade de Deus Padre exigir de seu Filho inocente que se entregasse ao suplício da morte de cruz, Santo Tomás responde no a. 3 da questão 47 dizendo que entregar um homem inocente à paixão e morte contra sua vontade é ímpio e cruel. Mas Deus Padre não entregou assim seu Filho. Mas foi inspirando-lhe a vontade para padecer por nós. E nisto se mostra a severidade de Deus (Rom. 11, 22) que não quis perdoar o pecado sem pena, pois diz o Apóstolo “não poupou o próprio Filho. E a bondade de Deus igualmente se patenteia porque, não podendo o homem satisfazer plenamente à justiça divina por nenhuma pena que sofresse, deu-lhe satisfação, como diz o Apóstolo “entregou-o por todos nós.

E à objeção de que, sendo Deus senhor absoluto de todas as coisas, não cabe falar em redenção porque o homem sempre lhe pertenceu e só se redime ou resgata aquilo que se subtraiu ao nosso domínio – objeção que alguns modernistas gostam de empregar em tom sarcástico dizendo que a redenção seria  “briga”  entre Deus e o Diabo, semelhante a uma briga entre crianças por causa de um brinquedo – Santo Tomás responde no a. 5 q. 48 distinguindo duas formas de o homem pertencer a Deus: enquanto sujeito ao domínio de Deus, de fato, o homem jamais deixou de o ser, mas enquanto pertencente a Deus pelo vínculo da caridade, homem  deixou de pertencer a Deus em razão do pecado, de modo que , quando libertado do pecado pelo sacrifício expiatório  de Cristo, foi redimido.

Finalmente, quanto à objeção de que quando se resgata ou se compra alguma coisa, paga-se um preço a quem a possuía e Cristo não pagou ao diabo que nos tinha cativos o seu sangue como preço do nosso resgate, Santo Tomás resolve esta dificuldade, dizendo que a redenção do homem era exigida com relação a Deus e não com relação ao diabo, de modo que o sangue de Cristo  não foi oferto  ao diabo mas a Deus como preço da nossa redenção.

Há muitos outros aspectos interessantíssimos e de grande riqueza espiritual para nutrir nossa fé e piedade neste tempo da quaresma que a Suma Teológica de Santo Tomás  nos propicia como balsamo  nestes tempos de dessacralização e secularização da quaresma transmutada pelos modernistas panteístas em ocasião de culto à mãe terra e idolatria dos animais.

Para remate, desejaria apenas assinalar que, se o dogma do sacrifício expiatório de Cristo for negado ou corrompido, todos os fundamentos da nossa santa religião são solapados e a própria Sagrada Escritura torna-se incompreensível, sobretudo em suas veneráveis páginas referentes ao sacrifícios do Antigo Testamento figuras do realidade do sacrifício de Cristo. Conheci uma criança que ficou assustadíssima com uma aula de catequese porque sua professora lhe contou a história do sacrifício de Abraão e Isaac sem explicar-lhe que era figura do sacrifício de Cristo. Eis os frutos do biblismo pós-conciliar! A religião do homem que se faz Deus chega ao paroxismo da ingratidão de desprezar o preciosíssimo sangue de Cristo e revoltar-se contra Deus por causa do sacrifício de Abraão que teve poupado seu filho Isaac, enquanto Deus Padre não poupou o seu próprio Filho para nossa salvação.

Anápolis, 25 de março de 2011

Festa da Anunciação a Virgem Maria

20º aniversário da morte de Mons. Marcel Lefebvre, defensor intrépido do sacerdócio católico e apóstolo do Reinado Social de Cristo no século XX.