Anencefalia, mensalão e penduricalhos

Postado em 18-04-2012

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

O julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 –Anencefalia revelou o clima de secularização radical em que vive sociedade brasileira, conforme se pôde verificar não só pelas circunstâncias em que se realizou a sessão do Supremo Tribunal Federal e pelo resultado, mas sobretudo pelo teor dos votos emitidos pelos magistrados.

Quanto às circunstâncias, o  deplorável  foi a ausência da Igreja na participação dos debates durante o julgamento. Algo chocante que causou estranheza entre os próprios ministros e nos leva a pensar como a  hierarquia eclesiástica se omite na defesa dos princípios mais sagrados da doutrina cristã. É vergonhoso que os espíritas tenham tido presença mais marcante durante a sessão que os católicos. Justiça seja feita ao Pe. Lodi, do Pró-Vida de Anápolis, e ao bispo emérito D. Luis Bergonzini. A conclusão não pode ser outra senão que a religião predominante hoje é a religião do homem, que não se preocupa tanto com a defesa da Lei de Deus quanto com os anseios da sociedade. Muitos religiosos temem afrontar a “corrente” majoritária. Além disso, preferem defender a mulher  (que dizem viver uma situação angustiosa diante da decisão de abortar) a defender a vida  da criancinha no ventre materno.

Há três votos que merecem ser analisados. Refiro-me aos votos dos ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e César Peluso.

Como se sabe, o ministro Marco Aurélio exacerbou-se na defesa da laicidade do Estado brasileiro. A religião, segundo ele, não pode imiscuir-se nas decisões estatais, mas deve ficar circunscrita à esfera privada. Data venia,  senhor ministro, nada mais falacioso que o seu argumento. A religião é um fenômeno social, não é um fenômeno individual. E o Estado deve ser a expressão jurídica da sociedade civil. O Estado laico é uma anomalia, é uma patologia jurídica decorrente da ideologia revolucionária que ocupa o lugar da religião na missão de inspirar e nutrir os valores e princípios morais da sociedade. Não existe estado neutro. Um estado é sempre reflexo de uma doutrina, de uma religião ou ideologia. O Estado brasileiro, hoje, é expressão da reles ideologia petista, como o foi da não menos reles ideologia positivista logo no nascedouro da república.

O ministro Lewandowski distinguiu-se pelo bom senso ao dizer que votava contra a Ação porque “não é dado aos integrantes do Judiciário promover inovações no ordenamento normativo como se parlamentares eleitos fossem.” Foi, por assim dizer, técnico ao pronunciar o seu voto, respeitando o dogma das nefandas democracias modernas que consagram os princípios da tripartição do poder e o sufrágio universal. Não quis, portanto, discutir o mérito da questão. Só é lamentável que não tenha obedecido ao mesmo critério  por ocasião do julgamento da união civil de pessoas do mesmo sexo. Inexplicável.

Finalmente, o voto do ministro César Peluso. Este merece todo respeito e admiração pela acuidade e sabedoria. Disse que o feto é sujeito de direito, e não coisa nem objeto de direito alheio; distinguiu sofrimento justo e sofrimento injusto e recordou a assombrosa semelhança entre o aborto de anencéfalo e a prática  eugênica. E à Chesterton arrematou: “o anencéfalo morre, e ele só pode morrer porque está vivo”.

No conteúdo do voto do ministro Peluso reside a cabal refutação da especiosa argumentação do ministro Marco Aurélio.

O direito positivo, ainda que necessário, não basta. As questões mais intrincadas não se deslindam completamente só pela letra da lei, como se pode inferir pelo voto do ministro Peluso. É preciso recorrer a princípios metafísicos e estes remontam, em última análise, ao Ser Absoluto. Aliás, a própria legislação, prevendo o caso de lacuna da lei, diz que o juiz em tal hipótese deve valer-se da analogia bem como do suplemento dos princípios gerais do direito. Que são estes princípios  senão o direito natural? Que é o direito natural senão a lei eterna existente na mente divina, como explica Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica?

De que a lei positiva não é suficiente temos todos os brasileiros a mais dolorosa experiência em nossos dias, quando assistimos aturdidos a tantos desmandos do Poder Judiciário denunciados pela grande imprensa. Não me refiro às prevaricações gravíssimas como a venda de sentenças. Refiro-me a procedimentos aparentemente conformes à lei. Os integrantes do Poder Judiciário percebem vencimentos vultosos acrescidos de tantos benefícios e diferentes auxílios conhecidos pela sociedade como os “penduricalhos”, gozam de tão longas férias que chegam a vendê-las. Não obstante tão privilegiadas condições de trabalho do Judiciário, o Brasil está ameaçado de ver prescrever o processo do “mensalão”.

Tudo dentro da lei. Mas cabe perguntar: tudo dentro da moralidade? A quem reclamar? Faltam leis para coibir tais abusos? Faltam órgãos fiscalizadores?

É inútil multiplicar leis. É inútil estabelecer novas instituições reguladoras da ordem jurídica. A resposta só pode ser uma: sem a lei natural, sem Deus, sem a verdadeira religião como fundamento da ordem moral e social não há verdadeira justiça.

Anápolis, 18 de abril de 2012.