Breve síntese dos principais erros da eclesiologia modernista

Postado em 09-02-2016

  1. Conceito “latitudinarista” e ecumênico da Igreja.

   O conceito de Igreja como “povo de Deus” encontra-se atualmente em numerosos documentos oficiais: as atas do concílio Unitatis RedintegratioLumen Gentium, – o novo Código de Direito Canônico (c. 204, § 1), a carta do papa João Paulo II Cathequesi tradendae e a alocução na Igreja Anglicana de Cantuária, – o Diretório Ecumênico: Ad totam Ecclesiam do Secretáriado para a Unidade dos Cristãos.

    Este conceito transpira um sentido latitudinarista e um falso ecumenismo.

     Fatos manifestam, de modo evidente, este conceito heterodoxo: as autorizações para a construção de salas destinadas ao pluralismo religioso, – a edição de bíblias ecumênicas que não são mais conformes à exegese católica, – as cerimônias ecumênicas como as de Cantuária.

    Na Unitatis Redintegratio ensina-se que a divisão dos cristãos “é para o mundo um objeto de escândalo e dificulta a pregação do Evangelho a toda a criatura…que o Espírito  Santo não se recusa a servir-se de outras religiões como meios de salvação”. Este erro é repetido no documento Catechesi Tradendae de João Paulo II. É no mesmo espírito e com afirmações contrárias à fé tradicional que João Paulo II declarou na catedral de Cantuária, em 25 de maio de 1982, “que a promessa de Cristo nos inspira a confiança de que o Espírito Santo sanará as divisões introduzidas na Igreja, desde os primeiros tempos, após Pentecostes, como se a unidade do Credo jamais tivesse existido na Igreja.

     O conceito de “povo de Deus” insinua que o protestantismo não é outra coisa senão uma forma particular da mesma religião cristã.

     O Vaticano II ensina “uma verdadeira união no Espírito  Santo com as seitas heréticas (Lumen Gentium 13), “uma certa comunhão, embora imperfeita, com elas” (Unitatis Redintegratio, 3).

      Esta unidade ecumênica contradiz a encíclica Satis Cognitum de Leão XIII, que ensina que “Jesus não fundou uma Igreja que abarca várias comunidades que se assemelham genericamente, mas que são distintas e não estão vinculadas por um liame que forma uma Igreja individual e única”. Igualmente, esta unidade ecumênica contraria a encíclica Humani generis de Pio XII, que condena a ideia de reduzir a uma fórmula qualquer a necessidade de pertencer à Igreja Católica; contraria, outrossim, a encíclica Mystici Corporis do mesmo papa que condena a concepção de uma Igreja “pneumática” que seria um laço invisível das comunidades separadas na fé.

     Este ecumenismo é igualmente contrário aos ensinamentos de Pio XI na encíclica Mortalium animos: “Sobre este ponto é oportuno expor e recusar uma opinião falsa que está na raiz deste problema e deste movimento por meio do qual os não católicos se esforçam por realizar uma união das Igrejas cristãs. Os que  aderem a esta opinião citam constantemente estas palavras de Cristo: “Que eles sejam um… e que não exista senão um só rebanho e um só pastor (Jo. 17, 21 e 10, 16) e pretendem que, por estas palavras, Jesus exprime um desejo ou uma oração que jamais foi realizada. Eles pretendem, com efeito, que a unidade de fé e governo, que é uma das notas da verdadeira Igreja de Cristo, praticamente, até  hoje jamais existiu e hoje ainda não existe.”

       Este ecumenismo  condenado pela moral e o direito católicos chega a permitir a recepção dos sacramentos da penitência, da eucaristia e da extrema-unção de “ministros não católicos” (C. 844 do novo código) e favorece a “hospitalidade ecumênica”, autorizando os ministros católicos a dar o sacramento da Eucaristia a não católicos.

          Todas estas coisas são abertamente contrárias à revelação divina que prescreve a “separação” e recusa a união “entre a luz e as trevas”, entre o fiel e o infiel, entre o templo de Deus e o dos ídolos” (II Cor. 6, 14-18).

            2.  Governo colegial-democrático da Igreja.

             Depois de terem abalado a unidade da fé, os modernistas de hoje empenham-se por sacudir a unidade de governo e a estrutura hierárquica da Igreja.

                A doutrina, já sugerida pelo documento Lumen Gentium do Concílio Vaticano II, será retomada explicitamente pelo novo direito canônico (C. 336); doutrina segundo a qual o colégio dos bispos juntamente com o papa goza igualmente do poder supremo na Igreja, e isto de uma maneira habitual e constante.

                    Esta doutrina do duplo poder supremo é contrária ao ensinamento e à prática do magistério da Igreja, especialmente no Concílio Vaticano I (DS 3055) e na encíclica de Leão XIII Satis Cognitum. Somente o papa tem este poder supremo que ele comunica, na medida em que ele o julgar oportuno e em circunstâncias extraordinárias.

                A este grave erro está ligada a orientação democrática da Igreja, com os poderes inerentes no “povo de Deus”, como se define no novo direito. Este erro jansenista foi condenado pela bula Auctorem fidei de Pio VI (DS 2592).

                   Esta tendência de fazer a “base” participar do exercício do poder encontra-se na instituição do sínodo e das conferências episcopais, nos conselhos presbiterais, pastorais e na multiplicação de comissões romanas e de comissões nacionais, como no seio das congregações relgiosas (ver a propósito Concílio Vaticano I, DS 3061 – novo Código de Direito Canônico, c. 447).

                 A degradação da autoridade na Igreja é a fonte da anarquia e da desordem que nela se nota hoje por toda a parte.

               3. Os falsos direitos naturais do homem

           A declaração Dignitatis Humanae do Concílio Vaticano II afirma a existência de um falso direito natural do homem em matéria religiosa, que se opõe aos ensinamentos pontifícios, que negam formalmente semelhante blasfêmia.

           Assim Pio IX na sua encíclica Quanta Cura e o Syllabus, Leão XIII nas suas encíclicas Libertas praestatissimum Immortale Dei, Pio XII na sua alocução Ci riesce aos juristas católicos italianos negam que a razão e a revelação fundamentem semelhante direito.

              O Vaticano II crê e professa, de modo universal, que a “a verdade não pode impor-se senão pela força própria da verdade”, esquecendo-se de que a verdade pode impor-se também, normal e racionalmente, pela autoridade de Deus revelante. O concílio chega ao absurdo de afirmar o direito de não aderir e de não seguir a verdade, de obrigar os governantes civis a não mais fazer discriminações por motivos religiosos, estabelecendo a igualdade jurídica entre as falsas e a verdadeira religião.

              Tais doutrinas se fundamentam numa falsa concepção da dignidade humana, proveniente das pseudo-filosofias da Revolução Francesa, agnósticas e materialistas, que já foram condenadas por São Pio X na carta apostólica Notre charge apostolique.

                  O Vaticano II diz que da liberdade religiosa surgirá uma era de estabilidade para a Igreja. Gregório XVI, ao contrário, afirma que é suma impudência sustentar que da liberdade imoderada de opiniões provenha algum benef´cio para a Igreja (DS 2731).

                    O concílio, na Gaudium et Spes, exprime um princípio falso, quando julga que a dignidade humana e cristã procede do fato da Encarnação, que teria restaurado esta dignidade para todos os homens. Este mesmo erro é afirmado na encíclica Redemptor hominis de João Paulo II.

                  As consequências do reconhecimento por parte do concílio deste falso direito do homem arruínam os fundamentos do Reino Social de Nosso Senhor, abalam a autoridade e o poder da Igreja na sua missão de fazer reinar Nosso Senhor nos espíritos e nos corações, empenhando-se no combate contra as forças satânicas que subjugam as almas. O espírito missionário será acusado de proselitismo exagerado.

                    A neutralidade dos Estados em matéria religiosa é injuriosa a Nosso Senhor e a sua Igreja, quando se trata de Estados com maioria católica.

                   4. Poder absoluto do Papa

                 Sem dúvida, o poder do Papa na Igreja é um poder supremo, mas ele não pode ser absoluto e sem limites, visto que está subordinado ao poder divino, que se exprime na Tradição, na Sagrada Escritura e nas definições já promulgadas pelo magistério eclesiástico (DS 3116).

                  O poder do papa é subordinado e limitado pelo fim que determinou a concessão deste poder. Este fim foi claramente definido pelo papa Pio IX na Constituição Pastor Aeternus do Concílio Vaticano I (DS 3070). Seria um intolerável abuso de poder modificar a constituição da Igreja e pretender apelar para o direito humano contra o direito divino, como na liberdade religiosa, como na hospitalidade eucarística autorizada pelo novo direito, como na afirmação de dois poderes supremos na Igreja.

                  É claro que nestes casos e em outros semelhantes, há um dever para todo o clero e fiel católico de resistir e recusar a obediência. A obediência cega é um contra-senso e ninguém está isento de responsabilidade por ter obedecido aos homens antes que a Deus (DS 3115), e esta resistência deve ser pública se o mal é público e é uma causa de escândalo para as almas. (S. Th. IIª. IIªe. q. 33, a. 4 ad 2).

                 Aí estão princípios elementares de moral, que regulamentam as relações dos súditos com todas as autoridades legítimas.

                           Esta resistência, aliás, encontra uma confirmação no fato de que atualmente são punidos os que se mantêm firmemente vinculados à Tradição e à Fé católicas, ao passo que os que professam doutrinas heterodoxas ou realizam verdadeiros sacrilégios absolutamente não são inquietados. É a lógica do abuso do poder.

                        5. Concepção protestante da Missa

                    A nova concepção da Igreja, como a definiu o papa João Paulo II, na constituição que antecede o novo Código de Direito Canônico, pede uma mudança profunda no ato principal da Igreja que é o Sacrifício da Missa. A definição da nova eclesiologia dá exatamente a definição da nova Missa: a saber, um serviço, uma comunhão colegial e ecumênica. Não se pode definir melhor a nova missa, que, como a nova Igreja conciliar, está em ruptura profunda com a Tradição e o Magistério da Igreja.

                     É uma concepção mais protestante do que católica que explica tudo quanto foi indebitamente exaltado e tudo quanto foi diminuído.

                       Em oposição aos ensinamentos do Concílio de Trento na sua sessão XXII, em oposição à encíclica Mediator Dei de Pio XII, exagerou-se o papel dos fiéis na participação da Santa Missa e diminuiu-se o papel do sacerdote transformado em simples presidente. Exagerou-se o papel da liturgia da palavra e diminuiu-se o sacrifício propiciatório. Exaltou-se a a ceia comunitária e foi ela laicizada à custa do respeito e da fé na presença real mediante a transubstanciação.

                            Ao suprimir a língua sagrada, pluralizaram-se ao infinito os ritos, profanando-0s por achegas mundanas. ou pagãs e difundiram-se traduções falsas com prejuízo da verdadeira fé e da verdadeira piedade dos fiéis.

                                     E não obstante, os concílios de Florença e de Trento tinham pronunciado anátemas contra todas estas mudanças e afirmado que nossa missa no seu cânon remontava aos tempos apostólicos.

                                      Os papas São Pio V e Clemente VIII insistiram sobre a necessidade de evitar as  modificações

e as mudanças, conservando perpetuamente este rito romano consagrado pela Tradição.

                                     A dessacralização da Missa, sua laicização levam à laicização do sacerdócio, à maneira protestante.

                                       A reforma litúrgica de estilo protestante é um dos grandes erros da Igreja conciliar e dos mais ruinosos para a fé e a graça.

                               6. A livre difusão de erros e heresias.

                              A situação da Igreja, em postura de investigação, introduz na prática o livre exame protestante, resultado da pluralidade de credos no interior da Igreja.

                                  A supressão do Santo Ofício, do Index, do juramento antimodernista, provocou nos teólogos modernos uma necessidade de novas teorias que desorientam os fiéis e os engajam para o carismatismo, o pentecostalismo, as comunidades de base. É uma verdadeira revolução dirigida, em última análise, contra a autoridade de Deus e da Igreja:

                                 I – Os filósofos modernos antiescolásticos, existencialistas, anti-intelectualistas são ensinados nas universidades católicas e seminários maiores.

                                  II – O humanismo é favorecido por essa necessidade de as autoridades eclesiásticas fazerem eco ao mundo moderno, transformando o homem em fim de todas as coisas

                                  III – O naturalismo – a exaltação do homem e dos valores humanos – faz esquecer os valores sobrenaturais da redenção e da graça.

                                  IV – O modernismo evolucionista causa o repúdio da Tradição, da Revelação, do Magistério de 20 séculos. Não há mais Verdade fixa, nem dogma.

                                V  – O socialismo e o comunismo – A recusa do Concílio de condenar estes erros foi escandalosa e levou a pensar que o Vaticano hoje seria favorável a um socialismo ou um comunismo mais ou menos cristão.

                                  A atitude da Santa Sé durante estes 15 últimos anos confirma este julgamento, tanto deste como d outro lado da cortina de ferro.

                                  VI – Enfim, os acordos com a Maçonaria, o Conselho ecumênico das Igrejas e Moscou cofinam a Igreja num estado de prisioneira e a tornam totalmente incapaz de cumprir livremente sua missão. São verdadeiras traições que clamam vingança aos céus, como igualmente os elogios dados nestes dias ao heresiarca mais escandaloso e mais nocivo  à Igreja.

                                     É tempo de a Igreja recuperar sua liberdade de realizar o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo e o Reino de Maria, sem se preocupar com seus inimigos.

                       –

                             Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1983.

Festa da Apresentação de Nossa Senhora.

+ Marcel Lefebvre

Antigo Arcebispo – Bispo de Tulle

+Antonio de Castro Mayer

Ex-Bispo de Campos