Idéias claras sobre o magistério da Igreja

Postado em 15-02-2012

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

O benemérito periódico italiano SI SI NO NO, em seu número de 15 de janeiro último, publicou uma importante matéria com o título Idéias claras sobre o magistério, que vale a pena resenhar para o leitor brasileiro, dada a atualidade do assunto.

Diz o referido artigo de Si SI NO NO que ultimamente apareceram vários artigos que, com o propósito de defender o magistério tradicional da Igreja, ou exageraram-lhe o alcance, fazendo-o um absoluto (erro por excesso) ou quase que o aniquilaram, negando-lhe a função de interpretar a Tradição e a Sagrada Escritura (erro por defeito). Recorda o artigo que o magistério é um múnus da Igreja e um instrumento de que ela se utiliza com autoridade  para propor aos fiéis a Revelação Divina. O magistério não está acima da Igreja como se diante dele não houvesse  o enorme monumento da Tradição a ser recebido, interpretado e transmitido integralmente e fielmente. Recorda também que o fiel atinge as verdades da fé não diretamente, mas mediante o magistério.

Quanto à questão do valor teológico do Vaticano II, o artigo de SI SI NO NO diz que para bem esclarecê-la é preciso ter presente a doutrina católica sobre o magistério, a qual o divide em solene e ordinário, sendo que o solene se subdivide em conciliar e pontifício e o ordinário em universal e pontifício. O artigo cita o teólogo alemão Alberto Lang, que diz que não reveste nenhuma importância  essencial o fato que os bispos exerçam o seu magistério de modo ordinário e universal ou exerçam o seu magistério de modo solene reunidos em concilio ecumênico convocados pelo papa. Em ambos os casos são infalíveis somente se, em acordo entre si e com o papa, anunciam uma doutrina de modo definitivo e obrigatório. Ou seja, para a infalibilidade o modo de ensinamento ordinário ou extraordinário é acidental e secundário; o que é principal é a vontade de definir e obrigar a crer uma verdade de fé e moral.

Quanto à definição dogmática, o artigo explica que é a definição pela Igreja de que uma verdade é revelada e como tal deve obrigatoriamente crer-se. Tal definição pode ser feita seja pelo magistério ordinário seja pelo magistério extraordinário ou solene quanto ao modo. Entretanto, o artigo faz observar que, se o magistério ordinário pode definir infalivelmente um dogma formal, não significa que ele seja sempre infalível e que todos seus pronunciamentos sejam uma definição dogmática; sê-lo-á só se o papa quiser definir uma verdade como de fé revelada e obrigar a crê-la para a salvação eterna. O artigo faz observar ainda que a infalibilidade pressupõe, com  efeito, da parte do magistério, a vontade de definir e obrigar a crer como revelada uma verdade contida no depósito da fé: a Sagrada Escritura e a Tradição.

No que concerne ao magistério conciliar, o artigo de SI SI NO NO explica que o seu ensinamento é infalível somente se quiser definir e obrigar a crer uma verdade de fé. De modo que nem tudo que é magistério conciliar extraordinário é infalível. Recorda o artigo que a constituição Pastor Aeternus do Vaticano I ensina que o papa é infalível quando fala ex cátedra, isto é, quando, cumprindo o oficio de pastor e doutor de todos os cristãos, em virtude da sua suprema autoridade apostólica, define uma doutrina sobre a fé a moral, que deve ser acolhida por toda a Igreja. Portanto, as condições para que haja um pronunciamento infalível do magistério pontifício são quatro: 1) que o papa fale como doutor e pastor universal; 2) que use da plenitude da sua autoridade apostólica; 3) que manifeste claramente a vontade de definir e de obrigar a crer; 4) que trate assunto de fé ou de moral. Diz o artigo que o ponto fundamental é a terceira condição, isto é, a manifestação da intenção de definir e obrigar a crer; deve estar claro que o papa quer definir ( de modo ordinário ou extraordinário) uma verdade a ser crida obrigatoriamente como divinamente revelada.

Explica igualmente o esclarecedor artigo que o concílio Vaticano I não declarou em que condições um concílio ecumênico é infalível. Mas diz que, por analogia com o magistério pontifício se pode afirmar que as condições são as mesmas. Assim como o papa, o concílio tem também a faculdade de ser infalível, mas pode usá-la ou não, à sua vontade. O artigo cita São Roberto Belarmino, o qual diz que só com base nas palavras do concílio se pode saber se os seus decretos são propostos como infalíveis, de maneira que, quando as expressões a respeito não são claras, não é certo que a doutrina enunciada seja de fé, e, se não é certo, não há obrigação de crer.

Em seguida SI SI NO NO aplica ao problema do Concílio Vaticano II os princípios e critérios explanados acima. Diz que o Vaticano II não usou a prerrogativa da infalibilidade. Em nenhuma ocasião os padres conciliares tiveram a vontade de definir e obrigar. Recorda que já na fase preparatória do concílio João XXIII tinha declarado que o concilio não definiria uma verdade a crer, mas teria apenas um caráter pastoral. Afirma o artigo que só nos lugares em que repetiu o que a Igreja já tinha definido ou constantemente ensinado o Vaticano II foi infalível de facto. Pois o magistério ordinário, efetivamente, comporta a infalibilidade também por sua constância no ensinamento de um ponto doutrinal. Caso contrário, a Igreja induziria a erro. Para ilustrar tal doutrina, o artigo cita a letra apostólica Tuas libenter do beato Pio IX, bem como o teólogo padre Aldama que diz: “ Se em uma longa e ininterrupta série de documentos ordinários concernentes a um mesmo ponto os papas e a Igreja universal pudessem enganar-se, as portas do inferno teriam prevalecido contra a Esposa de Cristo.

Depois, o artigo desenvolve o problema da possibilidade excepcional do erro em atos do magistério e a suspensão do assentimento. Diz o artigo que o simples fato de os documentos do magistério se dividirem em infalíveis e em não infalíveis deixa aberta, em tese, a possibilidade de erro em qualquer dos documentos não infalíveis, os quais podem excepcionalmente “falhar”justamente porque não infalíveis. Tal conclusão – afirma o artigo – impõe-se em virtude de um principio metafísico enunciado por Santo Tomás: quod possibile est non esse, quandoque non est, ou seja, aquilo que pode não ser (infalível), às vezes não é (infalível). Daí infere Si Si No No que se, em via de princípio, num documento pontifício pode haver erro pelo fato de que não foram observadas as quatro condições da infalibilidade, deve dizer-se o mesmo a propósito dos documentos conciliares quando não observam as mesmas condições.

De modo que, se houver uma oposição precisa entre o texto de uma encíclica ou de um documento conciliar e outros testemunhos da tradição apostólica, será lícito – diz o artigo – ao fiel douto que tenha estudado acuradamente a questão suspender ou negar o seu assentimento ao documento papal. Tal é a doutrina dos teólogos mais respeitados.

Em seguida, o artigo desenvolve um tema de capital importância: a relação entre Tradição e magistério. Afirma que a função do magistério é mediar o ensinamento divino, respondendo às necessidades do tempo, mas sempre se vinculando à Tradição recebida e portanto já transmitida. Não se trata de fazer viver uma fé nova, mas de transmitir e reiterar de maneira adequada e aprofundada até o fim do mundo a única fé pregada por Cristo e pelos apóstolos contida na Escritura e na Tradição. Diz o artigo: “Desta transmissão do depósito da fé está ausente qualquer sombra de contradição entre verdades antigas e novas e o desenvolvimento ou aprofundamento deve ocorrer no mesmo sentido e no mesmo significado.(…) Não há tradição, não subsiste verdade católica onde se acha contradição, contrariedade ou concorrência entrenova et vetera.”

O artigo afirma também, como aliás o tem sublinhado mons. Gherardini, a continuidade entre duas doutrinas para ser real e não só verbal deve comportar uma continuidade homogênea, que exclui qualquer alteração substancial, qualquer diversidade ou novidade heterogênea, ainda que só parcial.

O artigo de SI SI NO NO menciona como exemplo de ruptura com a doutrina tradicional da Igreja da constituição conciliar Dei Verbum sobre as fontes da Revelação. Com razão recorda o artigo que o esquema da comissão preparatória do Vaticano II a começar do título do documento De fontibus revelationis reiterava a doutrina tradicional da Igreja sobre as duas fontes da revelação (Tradição e Sagrada Escritura), mas foi rejeitado para aguar o peso da tradição em vantagem da só Escritura em vista do diálogo ecumênico. Explica o artigo que com o Vaticano II não se fala mais de “dupla fonte” e mede-se a tradição com base na Escritura: tudo que não é escrito não pode ser tido como revelado. Em poucas palavras, foi rejeitada a doutrina comum e definida da insuficiência  da só Escritura em comparação com a Tradição. E diz ainda o artigo: “Enquanto, com o concílio de Trento e o Vaticano I, a tradição era acolhida porque proveniente de Jesus e dos Apóstolos, com o Vaticano II (DV) é acolhida se os teólogos lhe reconhecem esta proveniência fundando-se sobre a Sagrada Escritura.”

Explanando ainda o tema da relação entre Tradição e Escritura, o artigo com muita felicidade faz observar que a tradição é muito mais rica que a só Escritura na medida em que é mais antiga e aclara melhor verdades contidas na Escritura ou ainda complementa a Escritura transmitindo verdades não contidas na Bíblia, como, por exemplo, a prática de batizar os recém-nascidos.

Para remate desta resenha desejaria acrescentar que me parece uma grande contradição dos defensores da impecabilidade doutrinal do Vaticano II querer afirmar a absoluta justeza desse concílio pastoral quando o próprio concílio, na Dei Verbum, reduz a inerrância da Sagrada Escritura à verdade salvífica, contradizendo também aí a tradição da Igreja. Ora, se se admite a possibilidade de erro na Bíblia, por que não admiti-la também no mais controvertido concílio da história da Igreja?

Anápolis, 15 de fevereiro de 2012.
Festa de Santos Faustino e Jovita, mártires