O burlesco para ilustrar a crise de fé

Postado em 19-06-2009

Padre João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Há duas pústulas que corroem o organismo da Igreja em nossos dias: o biblismo pentecostal e o legalismo farisaico.

Sem nenhuma formação doutrinária, um grande número de católicos se põe hoje a ler a Sagrada Escritura livremente, reduzindo-a a livro de auto-ajuda, a instrumento de falso profetismo e pseudomisticismo. Quantos católicos  hoje tomam decisões imprudentes dizendo-se inspirados por passagens bíblicas? Além disso – o que é pior – julgam e interpretam a Bíblia pela própria Bíblia e por suas preferências pessoais. Não sabem que a Sagrada Escritura tem de ser lida conforme a tradição. Que a Bíblia não se explica sem a tradição. Não sabem que a regra da fé é a tradição e que, mesmo se não houvesse Bíblia, haveria a verdadeira Igreja de Deus ensinando a doutrina sagrada e oferecendo o verdadeiro sacrifício.

Para aumentar todo esse caos eclesiástico, para graduar toda essa ignorância e dar-lhe um ar de ciência, estão ai diversos cursinhos bíblicos. O resultado disso tudo é a ignorância presunçosa com fumos de erudição. Com um certificado nas mãos, com alguns conceitos confusos na mente, um jaleco com as insígnias de algum ministério, muitos se sentem doutores cobertos das honras e galas da oficialidade. E começam a pontificar citando documentos e cânones. São cegos e guias de cegos. Vêem mas não vêem. Vêem aparências mas não vêem a realidade. Vêem a letra da lei mas não vêem o espírito da lei. E caem todos no precipício do legalismo farisaico. Em conseqüência disso, a lei da Igreja, como qualquer lei emanada da reta razão, promulgada pela autoridade legitima com vista ao bem comum – conforme ensinam os melhores tratadistas –, se torna uma coisa odiosa por servir de instrumento para a injustiça.

Conta-se que o picaresco Jânio Quadros, logo que assumiu a Presidência da Republica, deu um passeio pela cidade de Brasília e quando chegou ao Setor de Embaixadas viu algumas tabuletas indicando alguns terrenos vagos reservados às futuras embaixadas dos Paises Bálticos então ocupados pela União Soviética.  Ficou frenético, teve um surto e decretou de imediato: “Arranquem essas placas. Esses paises não existem mais.”

Louco, como dizem, é aquele que perdeu tudo menos o uso da razão. Jânio era coerente em suas maluquices e manias. Condecorou Che Guevara. Os modernistas condecoram Obama com o título de doutor horroris causa e nomeiam o abortista Jacques Chirrac cônego da Basílica de São Pedro, revelando assim o que pensam mas não têm coragem de dizer abertamente.

Jânio era famoso também por seus preciosismos gramaticais. Sabia na ponta da língua os arcanos da morfologia, os cânones da sintaxe, as minuciosas regras da colocação pronominal e concordância. Mas os melhores críticos são unânimes em afirmar que Jânio estava longe de ser um bom escritor. Cultivava a gramática pela gramática. Era incapaz de julgar a qualidade de um texto literário à luz de um critério superior. Não havia assimilado o gosto da boa literatura. Ou melhor, não a conhecia de fato. Não era um homem da tradição.

De maneira que podemos dizer que Jânio merece a honra de ser chamado patrono do biblismo pentecostal e do legalismo farisaico. Aqueles que lêem a Bíblia sem o critério da tradição, sem a luz do magistério perene da Igreja, podem invocá-lo como seu protetor. Jânio dizia: “Fi-lo porque qui-lo”. Os adeptos do biblismo pentecostal podem imitá-lo: “Li a Bíblia como qui-lo”. Jânio era um homem de imaginação fértil. Falava e agia precipitadamente mais movido pela imaginação que pelo entendimento. Renunciou à Presidência da República alegando forças ocultas que só existiam na sua imaginação. Assim também os adeptos do biblismo pentecostal agem e afirmam coisas que atribuem à Bíblia mas só existem na sua imaginação. Vêem o demônio e a maçonaria  por toda parte. São incapazes de combater o erro com objetividade. São incapazes de estudar a sério a doutrina sagrada, viver guiados pela verdade. Sem nenhum critério, sem nenhum reparo, advertência ou consideração de ordem superior,  vão da fantasia à língua, sem passar pela razão, dizendo todo tipo bobagem e injustiça em assunto que exige suma gravidade. São incapazes de formular um juízo de valor sobre os acontecimentos.

Mas os méritos de Jânio Quadros não param aí. Ele pode ser nomeado patrono do legalismo farisaico. Ele que recordou com prazer o fim oficial das Repúblicas Bálticas pode ajudar os legalistas farisaicos a recordar o fim oficial (não legitimo) da Fraternidade Sacerdotal  São Pio X ao tempo do terror pos-conciliar.

Confesso que só consigo escrever com indignação. Quase que me falta a paciência. Mas é que, recordando o tratado da lei na Suma Teológica e a obra do cardeal Billot sobre a imutabilidade da tradição, vejo como estamos longe da racionalidade e da doutrina católica autêntica. A palavra de Deus sem a tradição, além de perder sua credibilidade, produz a anarquia. A lei e o direito desvinculados da justiça e da verdade só servem de armas para a prepotência. Que o Sagrado Coração de Jesus tenha piedade de nós.

Anápolis, 19 de junho de 2009

Festa do Sagrado Coração de Jesus