O espírito de Assis e o espírito de Havana

Postado em 15-11-2011

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

As metamorfoses por que passam as correntes ideológicas modernas têm o condão de enganar as pessoas mais simples. De fato, hoje vê-se uma preocupação geral das lideranças políticas e religiosas de eximir-se das culpas de erros clamorosos cometidos em passado recente, dizendo que para o futuro as coisas serão diferentes. Os erros não se repetirão. Com isso, muitos acabam pensando que o progressismo dito católico e o comunismo já não representam graves ameaças para a Igreja e a civilização.

Diante de tais metamorfoses, alguns observadores disseram, por exemplo, que Assis III representou uma correção de erros pretéritos bem como uma mudança de rota. A Igreja não entabularia mais com as “religiões da humanidade” um diálogo no campo religioso, mas promoveria um grande fórum com todas as correntes ideológicas do mundo empenhadas em uma convivência pacífica. Estaria afastado o perigo de sincretismo. E o objetivo de promover a paz mais bem assegurado.

Cumpre, pois, indagar quais são as implicações e conseqüências de tal mudança de rota. Vê-se algo semelhante alhures?

Na minha modesta tentativa de interpretar a realidade, só consigo explicar Assis III como fruto sazonado da teologia ultra modernista de Rahner, tal como a explana magnificamente o cardeal Siri em sua importantíssima obra Getsemani (Roma, 1982, 2ª Ed.). Captando o espírito do tempo, a Igreja se deixa por ele fecundar e se põe a seu serviço.

Pois bem, o espírito de nosso tempo se traduz numa palavra mágica: “inclusão”. Todos incluídos  no diálogo universal, sem fronteira. Não pode mais haver distinção entre o sagrado e o profano. É preciso que haja uma fraternidade universal com todos os homens.

Na realidade, não existe uma moral especificamente cristã. Os valores são universais. O diálogo produzirá uma articulação mais harmoniosa dos valores comuns, que, considerados dentro de grupos isolados, podem parecer antagônicos. Afinal, todos os homens, sem distinção, formulam questões idênticas diante dos mesmos problemas. A vida, a morte, o sofrimento, a felicidade constituem desafios para todos os homens. Um grande esforço por um diálogo universal promoverá uma solidariedade de uma extensão jamais vista. E obterá  respostas mais plausíveis para os velhos problemas da humanidade. O grande segredo do cristianismo, com efeito, é que ele é anônimo. É preciso dar-se conta disto. Todos os homens, por piores que sejam, no fundo são cristãos. Cristo revela o homem ao homem.

Acaso exagero ou disparato? Ofereço uma prova em legitima defesa, ante a acusação de um eventual leitor. Em recente entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo o Sr. Felix Sautié Mederos, depois da deblaterar contra as mazelas do regime cubano e assumir parte da responsabilidade pelos males, fez uma revelação significativa. Reconhecendo a importância da Igreja na obra de reconciliação nacional, na construção de uma “república inclusiva”, declarou: “Devo dizer, como católico que sou, que a Igreja é a casa de todos sem exceção. Dos que estão a favor e dos que estão contra, e, mesmo utilizando a terminologia de bons e maus, é a casa de ambos.”

Como explicar que um intelectual respeitado como o referido senhor, fundador e ideólogo do Partido Comunista Cubano possa dizer-se católico e afirmar que a Igreja é a casa de todos?

Isto só se compreende à luz da grande revolução cultural que vivemos. As palavras já têm sentido preciso. Igreja já não é a casa de Deus, é a casa de todos? Como? Simplesmente porque Rahner dizia que Deus e o homem têm a mesma essência.

É verdade que a Igreja, sempre santa, inclui em seu seio bons e maus, santos e pecadores. O contrário seria incidir na heresia cátara. Mas daí a dizer que a Igreja é de todos há uma diferença espantosa a significar o novo espírito do tempo, o espírito de Havana que é o mesmo espírito de Assis III.

De fato, quando os homens da Igreja, imbuídos de uma visão antropológica rousseauniana, se deixam empolgar por um projeto humanista de um mundo melhor, se eclipsa o caráter específico da sua missão que é a salvação das almas e a Igreja corre o risco de ser instrumentalizada por um ideólogo de Havana, mui próximo do espírito de Assis III.

Anápolis, 15 de novembro de 2011.
Memória de Santo Alberto Magno, bispo e doutor da Igreja