Pode um papa impor à Igreja uma revolução litúrgica?

Postado em 26-05-2022

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Um benemérito sacerdote, muito conhecido no Brasil por sua competência na área de bioética e por sua luta em defesa do direito à vida, houve por bem, infelizmente, sair em apoio de Traditionis custodes, aderindo assim à mobilização do clero progressista que tenta deter a obra de restauração do rito romano tradicional muito favorecida pelo motu proprio Summorum pontificum de Bento XVI.

O argumento fundamental desenvolvido pelo referido sacerdote consiste na afirmação de que quase todos os papas, ao longo dos séculos, reformaram a liturgia, de modo que é uma tolice querer apegar-se ao  missal de São Pio V, à chamada missa de sempre. Cumpre dizer que nós, católicos da tradição, quando empregamos a denominação “missa de São Pio V”, não queremos dizer que o santo papa que obteve a vitória de Lepanto graças à arma do rosário criou um novo missal, como o fez Paulo VI em 1969, nem tampouco quis impedir que seus sucessores enriquecessem ou modificassem a liturgia segundo as necessidades e conveniências dos tempos. Ao dizer “missa de São Pio V ou missa tridentina, o que se quer dizer é que São Pio V codificou um missal conforme as instituições litúrgicas mais veneráveis.

Com efeito, sempre houve mudanças acidentais na liturgia, sempre houve um enriquecimento harmonioso da litúrgica, um desenvolvimento orgânico. Sabe-se que os papas sempre procuraram defender a verdade da fé, combater as heresias através da liturgia, introduzindo no missal orações neste sentido. Por exemplo, as coletas das missas dos santos do período da Contra-Reforma (cf. as missas de São Pio V, de São Pedro Canísio, de São Roberto Belarmino e outros) são orações que afirmam sem rebuços que a Santa Igreja Católica é a única Igreja verdadeira e rogam a conversão dos hereges. Ora, todas essas orações foram reformadas ou deformadas no missal de Paulo VI para afirmar o único dogma intocável da nova religião, o ecumenismo. Igualmente, a festa de Cristo Rei foi não só transferida para o último domingo do ano litúrgico, mas teve também suas orações e hinos do breviário amputadas  e modificadas para adaptar-se ao espírito liberal contrário ao dogma do Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Inaceitáveis são as reformas da Semana Santa, cujas orações não pedem mais a conversão dos judeus. Cumpre recordar ainda que todas aquelas orações antigas que pediam a graça de desprezar o mundo ( terrena despicere) foram abolidas em nome do humanismo e da utopia de um “mundo melhor”, de uma democracia que nega o Reinado Social de Cristo. Não é, pois, de admirar que a mentalidade mundana tenha invadido as famílias católicas e os conventos.

Em suma, mudanças boas e harmoniosas na liturgia sempre as houve, mudanças que sempre respeitaram a venerável tradição. Isto, até o Papa Pio XII. A partir de Paulo VI passou-se a utilizar a liturgia para propagar os erros, para agradar aos hereges que aliás foram convidados a opinar sobre a reforma litúrgica. Paulo VI declarou a seu amigo Jean Guiton que queria retirar da liturgia todos os elementos que eram do desagrado dos “irmãos separados”. O que não houve até Pio XII é uma revolução na liturgia para promover os erros e as heresias condenadas pelo magistério tradicional dos papas. Monsenhor Gamber, conceituado estudioso da liturgia, membro da Pontifícia Academia de Liturgia, disse que a reforma litúrgica de Paulo VI foi mais radical que a de Lutero.

Quanto ao argumento de que o missal de Paulo VI favoreceu muito entre os católicos a leitura da Sagrada Escritura criando um grande lecionário separado do missal, é preciso afirmar com o erudito Cardeal Alfonso Maria Stickler que a missa nova propõe aos fiéis a leitura de passagens bíblicas tão difíceis que nem sequer os padres celebrantes sabem explicar-lhes em suas homílias, além de serem muitas vezes inapropriadas para a festa litúrgica do dia.

Ademais, cumpre dizer que os frutos da reforma litúrgica são amaríssimos: sacrilégios se multiplicam por toda parte, a perda do senso do sagrado, vulgaridades, trajes imodestos até no presbitério, o péssimo costume de distribuir a sagrada eucaristia na mão etc. Como disse alguém, é preciso reconhecer que há uma relação de causa e efeito entre a dessacralização da nova liturgia e a legalização do aborto. Perdido o sentido do sagrado, perdida está a inviolabilidade da vida inocente no ventre materno.

Por conseguinte, afirmo com a consciência tranquila diante de Deus que não estou obrigado a aderir à nova liturgia. Nenhum católico está obrigado a aceitar o ecumenismo condenado por Pio XI na Mortalium animos ecoando através da litugia aggiornata; nenhum católico está obrigado aceitar a liberdade de cultos condenada milenarmente pela tradição e pelo magistério desfigurando a solenidade de Cristo Rei; nenhum católico está obrigado a aceitar a missa versus populum condenada por Pio XII na encíclica Mediator Dei; nenhum católico está obrigado a dizer que não é um escândalo um papa beijar o Corão, promover o culto de pachamama, colocar no Vaticano uma estátua de Lutero.O célebre teólogo Francisco Suarez SJ dizia que um papa que subvertesse a liturgia seria cismático.

Revolução litúrgica jamais!

Anápolis, 26 de maio de 2022.

Solenidade da Ascensão do Senhor

26º aniversário da minha ordenação sacerdotal no rito romano tradicional pela imposição das mãos de Sua Eminência cardeal Alfonso Maria Stickler, no Palácio do Santo Ofício.