Política e tradição

Postado em 15-11-2010

(Vérité sociale profonde: Il n’y a d’accroissement de la force d’um pays, que si les efforts des générations s’additionnent, si les vivants se considerent comme des usufrutiers entre leurs morts et leurs descendants.(…) Il faut que les familles s’enracinent pour durer. Paul Bourget, L’ Émigré)

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Quando se fala de política hoje, qual a idéia  que acode em primeiro lugar à mente das pessoas? Em geral, além da idéia de corrupção, de luta pelo poder,  de satisfação da vaidade pessoal, a ilusão de que na política se exerce a cidadania e se manifesta a liberdade individual pelo direito ao voto.

Observa-se que, infelizmente, na visão comum das pessoas, cada vez mais a política se despoja da sua grandeza como a ciência de bem governar a cidade com prudência e justiça para promover o bem comum e garantir aos homens uma vida boa, feliz e virtuosa.

Há uma grande demagogia em torno da lei da “ficha limpa” que diz tentar uma qualificação dos candidatos. Mas se se propusesse, como seria justo,  uma lei da ficha limpa dos eleitores, qual seria a reação por parte daqueles que estão cegos e não querem ver o absurdo do sufrágio universal igualitário?

No entanto, o grande desafio para a restauração da dignidade da política não passa por essas panacéias demagógicas de multiplicação de leis estabelecendo regras e mais regras para a realização dos pleitos. Tudo isso é periférico e superficial.

Ao contrário, é preciso considerar os princípios e valores que devem nortear a verdadeira política. Enquanto nos cingirmos aos paliativos e ficarmos na irresolução, sem coragem de combater os falsos princípios da política moderna nascida da Revolução Francesa, não chegaremos a lugar nenhum.

Hoje a política está vazia de qualquer conteúdo doutrinário. Quase todos os políticos são homens sem idéias. Conhecem algo de economia ou estão cercados de economistas que não têm uma formação humanística, mas estão dominados por uma visão pragmática e materialista do homem e do mundo, de maneira que reduzem a política apenas ao campo em que o capital deve transitar com segurança para gerar riquezas destinadas não se sabe a quem.

Com tal concepção da política, que sociedade, que estado se pode governar? Nenhum. Haverá apenas uma administração das coisas, certos mecanismos e instrumentos jurídicos aptos a beneficiar os ricos  espertalhões e a enganar os trouxas que pensam ser cidadãos livres  mas na verdade vivem a pior das tiranias, a tirania do deus dinheiro.

É verdade, como diz a Sagrada Escritura, todas as coisas obedecem ao dinheiro. E os franceses dizem com ironia: pas d’argent, pas d’amour!  Mas explica o padre Emanuel há maneiras e maneiras de obedecer ao dinheiro: por cobiça ou por necessidade.

A política tem de recuperar sua dimensão moral, ser restituída ao seu lugar devido, na teoria e na prática. Na teoria, como ciência moral que estuda o governo dos homens em sociedade respeitando sua dignidade. Na prática, como serviço abnegado do bem comum. Foi tal visão política que edificou a cristandade em todo seu esplendor, com um São Luís de França, um São Fernando de Castela, um Santo Eduardo da Inglaterra.

Hoje os políticos nos oferecem o triste espetáculo de discutir temas relevantes, como o problema da privatização ou estatização, sem saber remontar aos princípios mais altos que iluminam uma questão de tal magnitude.

Falam dos benefícios  ou prejuízos imediatos de uma medida nessa área, mas são incapazes de compreender quais são as atribuições autênticas do estado, suas limitações em virtude da própria  natureza da sociedade, não conhecem o principio de subsidiariedade. Ficam a dizer “vamos fazer uma lei sobre isso ou  aquilo”, quando não chegam ao ridículo do tabelamento dos preços! Como se as leis resolvessem os problemas.

Por que tal calamidade? Por que a política está tão degradada?

Pode haver várias causas. Atrevo-me a apontar uma só como a mais importante: porque perdemos a tradição.

Sem a tradição, sem as grandes lições da história, sem levar em conta as raízes e a índole de um povo, não há verdadeira política.

A tradição está para um povo, como as virtudes estão para o homem. Um homem só cresce moralmente e amadurece à medida que adquire virtudes morais e intelectuais. Assim também um povo. Só é grande e nobre quando cultiva as tradições herdadas dos seus maiores.

As leis são necessárias e úteis somente quando confirmam e protegem valores e instituições consagradas pela tradição ou disciplinam situações novas  à luz da reta razão e da experiência  histórica.

Na  verdade, quando um povo tem plena consciência da sua própria identidade, a necessidade das leis decresce. Toda sua vida transcorre conforme  os boas e antigas instituições.

O constitucionalismo e a inflação das leis são sintomas de decadência de um povo enfermo e decrépito  que perdeu  a sua própria consciência. Perdeu a sua constituição natural, perdeu suas raízes históricas. Assim como um homem mau ou doente precisa do temor da sanção para viver honestamente ou do uso de psicotrópicos para controle dos seus atos, assim também uma nação degenerada precisa de leis e mais leis para remediar seus males sem fim. Pois já não sabe de onde veio, não sabe mais manter a coesão do seu corpo político, não sabe mais para onde rumar.

É por isso que lamento profundamente o sinistro 15 de novembro de 1889, que nos fez macaquear os Estados Unidos.

É por isso também que prefiro o absolutismo do Antigo Regime ao absolutismo bolivariano-lulista a que nos conduziu a democracia do sufrágio universal. Luis XVI, ao menos, dizia: “O poder do trono é absoluto, nada pode restringi-lo, mas deve ser baseado na justiça e na razão, e deve ser sempre aberto à advertência e ao bom conselho.” [1]

O lulismo, ao contrário, quer silenciar a imprensa. E o próprio sr. Lula da Silva já declarou ser um homem sem pecado.

Anápolis, 15 de novembro de 2010.


[1] – Apud Munro Price, A queda da monarquia francesa, Luis XVI, Maria Antonieta e o barão de Breteuil.Record, 2007.