Quem quer o fim quer os meios

Postado em 20-06-2013

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

À medida que o nosso combate espiritual se acirra, os campos de batalha vão ficando mais claros e distintos, de maneira que só os mais ingênuos e inadvertidos se deixam iludir por coisas secundárias e acidentais.

Com efeito, os últimos acontecimentos  na Igreja e na França (a admirável luta dos católicos franceses contra o “casamento homossexual”) e as arruaças nas grandes cidades brasileiras vão obrigando as pessoas a abrir os olhos, a tomar posição e mostrar realmente o que querem. O silêncio de Roma diante da luta dos franceses foi um silêncio clamoroso.

Nas circunstâncias atuais verifica-se que a grande dificuldade do nosso combate ainda continua sendo de ordem intelectual. Perdeu-se a boa doutrina. Corrompeu-se a inteligência católica. A situação está de tal modo degradada que muitas vezes é preciso ter paciência de demonstrar e defender verdades triviais não só da doutrina católica mas também princípios comezinhos da lei natural. Tal é embrutecimento do homem moderno que tanto se orgulha das suas conquistas científicas e tecnológicas. E o mais trite é ver católicos adulando a modernidade por esse progresso ilusório. E tal cacoete vem de longe.

Xavier Martin, em seu precioso livro L’homme des droits de l’homme et sa compagne (DMM, Bouère, 2001), diz que o historiador Jean Vaguerie demonstrou a assustadora debilidade da formação teológica e filosófica do clero na época do iluminismo que lhe impossibilitava qualquer resistência ao espírito da Revolução.

É verdade que a Igreja, sob o regime do absolutismo monárquico, viu-se muitas vezes tolhida em seu direito de dar ao clero uma formação sólida porque os ministros “emperucados” dos déspotas esclarecidos ( como o nefando marquês de Pombal, que se imiscuiu  na vida da Igreja  a tal ponto de querer determinar os currículos dos seminários e faculdades teológicas, além de expulsar os jesuitas) escarneciam da  tradição escolástica da Igreja, acusada de ser reponsável pelo atraso e obscurantismo das nações católicas.

Todavia, afora a deficiência intelectual, há um sério problema no domínio da vontade. Xavier Martin, na referida obra, diz que houve na época da Revolução Francesa padres que fizeram opção pelo minimalismo em sua dialética contra a ideologia revolucionária. Por exemplo, no combate ao contratualismo que negava o caráter social da natureza humana, limitavam-se a querer provar a sociabilidade natural do homem argumentando apenas com a relação entre mãe e filho! ( O livro de Xavier Martin é realmente notável na refutuação do iluminismo que, ao contrário do que se pensa, por causa da decantada declaração dos direitos do homem e do cidadão, tinha uma visão baixa do homem. Mas não é o que nos interessa agora)

Efetivamente, o minimalismo é o veneno que vai destruindo a civilização cristã. Ao observador atento fica patente como em momentos trágicos da história da Igreja houve concessões inaceitáveis, para não dizer traições ignominiosas da parte daqueles que tinham o dever moral de afirmar os princípios da Lei da Deus e defender a ordem social legítima.

É o minimalismo que se pratica hoje diante dessa pretensão diabólica de impor a toda sociedade um novo modelo de casamento e família. Vemos autoridades eclesiásticas dizendo que a Igreja não tem nada a dizer contra a decisão soberana do Estado de legitimar essas uniões contra a natureza, contanto que não se diga ser o que a Igreja entende por matrimônio e família conforme a Bíblia. Houve até eclesiásticos que disseram que esses novos modelos de união  homoafetiva representam um enriquecimento cultural da sociedade que experimentará um novo tipo de comportamento, assim como tantos outros que a sociedade já aceita e protege!

Como disse acima, tal situação imporá a necessidade de um posicionamento. Essas concessões, esses minimalismos, a meu ver, revelam que não temos os mesmos objetivos, os mesmos valores, para não dizer a mesma fé. É certo que pode haver problema de ignorância  inculpável, que se poderia sanar com um trabalho de catequese e doutrinação. Mas além do problema de ordem intelectual parece haver um problema de ordem moral que envolve a vontade livre do homem. E há uma questão da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, na I II°ae, a questão 8, sobre a vontade, artigos 2 e 3, que lança uma grande luz sobre o problema do minimalismo. Com efeito, o Doutor Comum pergunta, respectivamente, se a vontade se refere apenas ao fim ou também aos meios e se a vontade, pelo mesmo ato, se move ao fim e àquilo que se relaciona com o fim. Respondendo à primeira questão, diz Santo Tomás que nas coisas naturais pela mesma potência algo passa pelos meios e atinge o seu término. Ora, as coisas ordenadas ao fim são os meios pelos quais se chega ao fim como ao término. Portanto, se a vontade se refere ao fim, tem de referir-se também aos meios proporcionados ao fim.

Estupendo Santo Tomás! Cai como um raio sobre os modernistas minimalistas! Se esses hereges recusam os meios necessários para que na sociedade reine a virtude, impere a lei de Deus, mas querem que haja liberdade de perdição para todo tipo de vício, torpeza e tara, é porque no fundo não querem a Lei de Deus que dizem defender dentro do minimalismo. Realmente, quem não quer os meios não quer os fins. Desmascarados por Santo Tomás!

 Na hipótese de o problema do minimalismo, no caso de alguns modernistas, situar-se no campo da inteligência, Santo Tomás também auxilia no esclarecimento do problema. Ele diz que não é com um mesmo ato que a vontade se move ao fim e às coisas ordenadas ao fim. Dá o exemplo do doente que quer primeiro a saúde e, depois, deliberando como pode restabelecer a saúde quer ir ao médico.

De modo que, se os minimalistas quiserem realmente o reino de Cristo sobre toda a sociedade e não o reino de Sodoma, hão de agir em consequência como o doente que quer a saúde e, em seguida, usando a inteligência, busca o médico. Terão de abandonar o minimalismo e lutar com coragem, sob a bandeira de Cristo Rei.

Quem quer o fim quer os meios!

Anápolis, 20 de junho de 2013

São Silvério, papa e mártir.