Racionalidade, exorcismo, ecumenismo e pentecostalismo

Postado em 10-09-2009

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Uma das coisas mais contraditórias da cultura moderna é o valor que ela atribui à razão. Por um lado, idolatra razão, considerada  como uma espécie de nume gerador de toda a ciência que libertará a humanidade de todos os seus males. Curiosamente, como se sabe, a Revolução Francesa que rendeu culto à razão representou-a na pessoa de uma meretriz. Uma razão meretriz que se presta a qualquer capricho menos ao serviço da consciência! Por outro lado, a modernidade rebaixa a razão, negando-lhe suas aptidões mais nobres, tais como a capacidade de investigar as causas primeiras da realidade, conhecer a verdade objetiva, bem como sua função reitora da vida moral do homem. Em outras palavras, a modernidade estabelece uma incompatibilidade entre a vida e a razão. Seria,nesta perspectiva, ilegítima e absurda a idéia de ter uma vida ordenada e harmoniosa à luz da razão. O homem deve viver um puro vitalismo, deve deixar explodir do seu interior os seus impulsos.

Tal é a herança que nos legou o pensamento de Nietzsche, um dos mais importantes mentores da pseudo-cultura do século XX. De fato, como chamar cultura àquilo que se constrói sem nenhum critério racional, sem harmonia, mas apenas ao sabor dos apetites e dos caprichos? O dionisíaco não constrói nada, só leva à destruição e à morte. A luta contra o apolíneo pregada  por Nietzsche só pode compreender-se como manifestação do fracasso e da angústia de um homem fraco que não teve força para ser fiel a si mesmo, para fazer reinar em sua vida a luz da razão sempre ameaçada pelos instintos mais baixos. O triste fim do pobre diabo autor do Anticristo e Assim falou Zaratustra se explica como conseqüência lógica das suas próprias premissas.

Falei em ameaças à razão. Talvez devesse falar em tentações que se lhe oferecem para obrigá-la a capitular. Explico-me. Lendo o livro Jesus de Nazaré, do papa Bento XVI (São Paulo, 2007), encontrei algumas reflexões interessantes sobre os exorcismos operados por Nosso Senhor. Diz Bento XVI que a fé cristã libertou o mundo do medo demoníaco que o escravizava e obrigava o homem a viver de forma irracional. O cristianismo restaura o mundo na sua racionalidade: ‘Ela vem da eterna razão, e somente esta criativa razão é o verdadeiro poder sobre o mundo e no mundo. Somente a fé no único Deus liberta e “racionaliza” realmente o mundo. Onde ela desaparece, o mundo se torna racional apenas aparentemente. Na realidade devem então as potências do acaso, que são indefiníveis, ser reconhecidas; a “teoria do caos” empurra para o lado a visão de uma estrutura racional do mundo e coloca o homem diante das obscuridades que ele não pode dissolver, além de estabelecer um limite ao lado racional do mundo. “Exorcizar” o mundo, colocar o mundo na luz da ratio, que tem a sua origem na eterna razão criadora e nos seus bens salutares e a ela se referir: aqui está uma permanente e central tarefa dos mensageiros de Jesus Cristo.” (o. c. p. 157)

Pois bem, exorcizar significa libertar o homem para as luzes da razão, ajudar o homem a viver conforme o logos. Ora, para que isto seja possível, para que o homem não seja seduzido pela tentação de um mundo de pura liberdade sem os limites da verdade e da lei, é absolutamente necessário que a religião se apresente com todas as credenciais de autenticidade. Aqui bate o ponto.

Hoje, fala-se em progresso, em desenvolvimento. E a esse projeto indefinido e ecumênico de expansão do homem infelizmente subordina-se a religião. Chega-se a dizer que o mundo precisa da união das religiões para o seu desenvolvimento.  É claro que tudo isso degenera em humanismo de péssima qualidade. Qual o homem que pense um pouco e não veja a inconsistência de tal discurso? Se a religião se confunde com vago humanismo e filantropia, se a religião se mostra incapaz de exorcizar o mundo convencendo o homem dos seus sólidos fundamentos sobrenaturais e metafísicos, é evidente que a tentação nietzscheniana será muito forte. Se a religião verdadeira não se apresenta com todo o seu caráter exclusivista, fazendo brilhar diante do homem o nexo entre fé e razão, esta ainda ficará prisioneira de um ceticismo ou subjetivismo, levando o homem no máximo a fazer  pequenas opções que não empenham sua vida totalmente.

Para uma “vocação ao pleno desenvolvimento humano” de que tanto se fala, basta realmente uma simples razão iluminista corrigida apenas em seus excessos, de maneira que favoreça um ideal filantrópico baseado no concerto das religiões da humanidade. Ao contrário, para que o homem responda ao chamamento da santidade, com todo o sacrifício e heroísmo que implica, além da graça eficaz cumpre que a razão esteja persuadida da verdade e mova a vontade. Não basta um juízo pragmático de valor a respeito dos “benefícios” da religião.

Tudo isso que tento desenvolver aqui foi em poucas palavras expresso em tom de tristeza e indignação pelo cardeal Sílvio Oddi poucos anos antes de seu falecimento. Dizia o cardeal que é ocioso esperar que a juventude viva a castidade, abrace a austera moral católica quando vê a Igreja simplesmente engajada em um vago ideal de um mundo melhor.

A verdade é que a desgraça que vivemos hoje, este mundo podre que desmorona diante dos nossos olhos é o preço que pagamos pela grande traição que os modernistas, capitaneados por Maritain, conseguiram impor a toda Igreja: a renúncia ao Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Realmente, quem vê a Igreja hoje aplaudindo  a democracia nascida de Revolução Francesa, os falsos direitos humanos, só pode ser tentado pelo ceticismo. Como entusiasmar-se, sacrificar-se por algo tão volúvel? Ontem a Igreja condenava aquilo que hoje aprova! Quem vê uma religião fazendo falsos exorcismos que não recolocam o homem sob o império da razão, mas o entregam a uma ilusória religiosidade emotiva do “eu sentimental” tão explorada por picólogos fajutos travestidos em mestres de uma nova espiritualidade, sem dúvida ainda há de preferir comer as bolotas dadas aos porcos a voltar à casa do pai como um filho pródigo. Mesmo porque vê a Igreja exaltando as liberdades conquistadas pela modernidade.

Deus ajude o papa Bento XVI a exorcizar a Igreja pos-conciliar.

 Anápolis, 10 de setembro de 2009