Renasce o milenarismo

Postado em 22-03-2017

No centenário das aparições de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, em consequência de interpretações equivocadas das revelações feitas pela Virgem Santíssima em Fátima e em La Salette, em razão também da confusão gerada pelas explicações dadas aos segredos confiados aos videntes, em razão, outrossim, de outras aparições não reconhecidas pela Igreja (verdadeiras ou falsas), igualmente em virtude de interpretações temerárias dos escritos de São Luís Maria Grignion de Montfort, ressurge em nossos dias o erro do milenarismo, também conhecido como quiliasmo. Com efeito, os tempos aflitivos em que vivemos, carregados de tribulações as mais diversas, geram um caldo de cultura propício para o milenarismo. O fato é que hoje há muitos católicos vivendo o devaneio da próxima chegada de um grande rei católico que restabeleça a ordem social cristã assegurando um longo período de paz e prosperidade.

Sonhar ou desejar a vinda de Dom Sebastião não é pecado, desde que não se perca o senso da realidade e não se fuja ao cumprimento dos deveres concretos que incumbem a todos os católicos na terrível hora presente. Eu também desejo a vinda de Dom Sebastião. Nas minhas orações rogo a Virgem Imaculada, Rainha das Vitórias, que nos providencie, senão um Dom Sebastião, ao menos um Antonio de Oliveira Salazar, um Generalíssimo Francisco Franco, um Duque de Caxias que limpe o Brasil das ratazanas saídas do esgoto e guindadas ao poder pela mentira universal das urnas.

Para combater o milenarismo traduzo abaixo o verbete correspondente do conceituadíssimo Dizionario di Teologia Dommatica, do cardeal Parente e dos monsenhores Piolanti  e Garofalo, figuras eminentes da escola romana. Como se sabe, infelizmente, após o Vaticano II o cardeal Parente aderiu ao modernismo mitigado. Já o monsenhor Piolanti manteve-se fiel à boa doutrina e foi duramente perseguido. Apesar de autor de uma monumental obra teológica (seu tratado sobre os sacramentos é considerado uma das melhores produções teológicas), não recebeu o capelo cardinalício, foi nomeado apenas cônego da Basílica de São Pedro, tendo sido inclusive proibido de ali pregar.

Traduzo o verbete milenarismo conforme se encontra na IV edição do Dizionario (Editrice Studium – Roma, 1957).

Milenarismo (ou quiliasmo): erro escatológico, segundo o qual Jesus Cristo deve reinar visivelmente mil anos sobre esta terra, no fim do mundo. Segundo as diversas formas que o erro assume, os acontecimentos do fim do mundo teriam uma sucessão um tanto diversa.

Para os mais antigos propugnadores do milenarismo, o reino terreno de Cristo realizar-se-ia entre a primeira ressurreição, própria dos justos (os únicos participantes das alegrias do reino de milenário) e a segunda, reservada aos réprobos, à qual seguiria o juízo universal e a sentença eterna das penas (inferno) e dos gozos (paraíso). Entre os milenaristas posteriores há uma incerteza sobre a cronologia do reino: alguns o consideram antecedente ao juízo universal, outros sucessivo. Mas o ponto capital, no qual os milenaristas se dividem é constituído pelos gozos, que segundo alguns seriam de índole sensual (milenarismo carnal), segundo outros de ordem espiritual (milenarismo espiritual).

O milenarismo carnal é de origem judaica. Segundo uma antiga tradição rabínica, a história do mundo deve concluir-se no âmbito de sete mil anos, dos quais os primeiros seis representariam a primeira parte da semana mosaica ( a idade pré-messiânica), o último o sábado, o milênio de repouso e de festa, no qual seria instaurado o reino messiânico, no pacífico gozo de todos os bens temporais (riquezas, submissão de todos os povos, triunfo de Israel). No século II da era cristã Cerinto aplicou esta  teoria ao capítulo 20 do Apocalipse de São João. O erro retomado, com ligeiros matizes, no século III, por Nepote bispo de Arsione e por Corácio, no século IV por Apolinário de Laodicéia, foi refutado pelos Padres e pelos escolásticos; no século XVI reapareceu em ambientes protestantes e difundiu-se largamente entre os pietistas e outras seitas (menonitas, mormons, irvigianos, adventistas).

O milenarismo espiritual teve origem em Papias, que, em oposição a Cerinto, entendeu no capítulo 20 do Apocalipse um reino pleno de alegrias espirituais ainda que rico de bens temporais. Esta forma de milenarismo, mais ou menos mitigada, manifestou-se em Santo Irineu, São Justino, Tertuliano, Comodiano, Vitorino de Petabio, Hilarião, Metódio de Olimpo, Zenão de Verona, e também em São Jerônimo e em Santo Agostinho, os quais na maturidade rejeitaram tal concepção. Na Idade Média verificou-se um fanático retorno a esta ideologia em Joaquim de Fiore, Gerardo Segarelli, frei  Dolcino (cf. Dante, Inferno, XXVIII, 55-60) e Humberto de Casale. Desde o fim do século XVIII não faltaram teólogos e exegetas, que viram com bons olhos o milenarismo mitigado: por ex., M. Lacunza, R. Eizaguirre, C. Morrondo, I. Ramos, B. Ughi (La via, 2ª edição, Firenze 1949: posta no Index aos 20 de julho de 1950).

O milenarismo carnal, sendo diametralmente oposto ao espírito cristão (cf. Mt. 22.30; Rm. 14, 17; I Cor. 15, 50), foi repelido desde o princípio como uma heresia. Cerinto foi refutado por Caio Romano e por Orígenes (De principiis, 2, 11; PG 11, 241). Nepote e Corácio foram persuadidos de erro por São Dionísio de Alexandria (Eusébio, o.c., VII, 24: ibid., 20, 691). Apolinário de Laodicéia  foi combatido, também por este erro, pelos maiores escritores cristãos dos séculos IV e V (Basílio, Gregório Nazianzeno, Jerônimo, Epifânio, Teodoreto). Também o milenarismo espiritual, que  seduziu tantas inteligências, não tem nenhum fundamento, mas ao contrário opõe-se diretamente ao ensinamento dos símbolos da fé (cf. Denz-U, 423), nos quais não se fala senão de duas vindas de Cristo, uma in humilitate e outra in gloria, com o fim de cumprir o juízo universal, a que seguirá imediatamente a retribuição final para cada um: Mt. 16, 27: “Filus hominis venturus est in gloria Patris sui cum Angelis, tunc reddet unicuique secundum opera sua”. Nesta perspectiva o milênio não pode realizar-se.

Tais e outros argumentos bíblicos e patrísticos levaram os mais respeitados teólogos (São Tomás, IV Sent., d. 43, q. 1, a. 3, qc. 1; São Roberto Belarmino, De Romano Pontifice,1. 3, capítulo 17) a considerar o milenarismo mitigado como temerário, senão errôneo. Recentemente o Santo Ofício (21 de junho de 1944) declarou: “Systema millenarismi mitigati tuto doceri non potest” (AAS, 36, 1944, p. 212).

Em relação com o milenarismo está a teoria da idade áurea da Igreja. Segundo um anônimo anglicano (Of the State of the Church to future age, Londres, 1664), deve chegar um tempo em que, abolido o papado e a prepotência dos governos absolutistas, será estabelecida uma democracia civil-religiosa, na qual os cidadãos gozarão de uma paz duradoura, não perturbada por nenhum mal físico e moral, todos dedicados ao gozo dos benefícios decorrentes do progresso das ciências e das artes. Este “sol do futuro” atraiu a atenção de muitas personalidades do anglicanismo (por ex.,  Tomás Newton, bispo de Bristol) e no século XIX foi largamente difundido na Inglaterra por Waughan e na França por Agier. No fim do mesmo século a rósea concepção foi acolhida, com diversas modificações,(especialmente no tocante ao Papado) por vários autores católicos ( v. gr. Calllegari, Courtrai, Bigou, Schneider, Cabellero Infante, Alvarez Navarro). Um pouco diferente é o sistema de renovação escatológica defendido pelo cônego E. A. Chaubaty em três consideráveis  tomos ( Etudes…sur l’avenir de l’Eglise catholique selon le plan divin ou la régénération de l’humanité et la rénovation de l’univers, Poitiers 1890-93). No fim do mundo os homens presentes aos cataclismas previstos pela Sagrada Escritura sobreviverão à conflagração universal e darão origem a uma progênie pura, sem pecado original, destinada a constituir uma nova Jerusalém, na qual reinará visivelmente Jesus Cristo, auxiliado pelo seu vigário, o papa.

Semelhantes concepções são fundamentalmente errôneas porquanto contrárias ao conceito evangélico do reino de Deus na terra, no qual haverá sempre sofrimentos (Mt. 5, 11; Lc. 9, 23; Jo. 15, 20; At. 14, 25; Rm. 8, 29) e as imperfeições (Mt. 13, 24-30, 47; Lc. 10, 3). Deve considerar-se a opinião de Chaubaty gravemente errônea, pois que nega quanto definido pelo Concílio de Trento a respeito do pecado original, que atinge todas as gerações descendentes de Adão (Denz-U, 792). Ademais, a obra do cônego andegavense foi posta no Index aos 18 de dezembro de 1896.

BiBl. – A. Chiappelli, Le idee millenarie dei cristiani, Napolis, 1888; L. Abzberger, Geschichte der christlichen eschatologie innerhalb der vornicänischen Zeit, Friburgo in Br. 1896; V. Ermoni, Les phases sucessives de l’erreur millénariste, revue des questions historiques, 69-70 (1901), p. 353-88; L. Gry, Le millénarisme dans ses origines et son developpement, Paris, 1904; R. Janin, Le millénarisme et l’Eglise Grecque, in Echos d’Orient, 27 (1928), p. 201 ss; C. I. Plessis, Le sens de l’histoire. Les derniers temps, Paris, 1936; G. Bardy, Millénarisme, in DTC, X, coll.  1700-63.

A. P

(Antonio Piolanti)

Adendo: talvez seja de algum interesse para ilustrar o assunto minha comunicação Milenarismo e messianismo no pensamento político do Pe. Antonio Vieira, disponível neste site. Basta digitar no buscador o referido título.

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Anápolis, 22 de março de 2017,