Art. 10 – Se podemos merecer os bens temporais.

(IIª.IIªe, q. 122, a. 5, ad 4; III. Q. 89, a. 6, ad 3; De Pot., q.6, a. 9.)

O décimo discute-se assim. – Parece que podemos merecer os bens temporais

1. – Pois, podemos merecer o que nos é prometido como premio da justiça. Ora, a lei antiga promete os bens temporais como recompensa da justiça, conforme está na Escritura. Logo, parece que podemos merecer os bens temporais.

2. Demais. – Parece que podemos merecer o que Deus nos dá em paga de algum serviço feito. Ora, Deus às vezes recompensa com certos bens temporais os que lhe prestaram algum serviço. Assim, diz a Escritura: E porque as parteiras temeram a Deus ele lhes estabeleceu as suas casas. Ao que a Glosa comenta: a recompensa da beneficência delas podia consistir na vida eterna; mas, por causa do pecado da mentira, recebem uma recompensa terrestre. E noutro lugar, a Escritura diz: O rei de Babilônia me rendeu com o seu exército um grande serviço no cerco de Tiro e não se lhe deu nenhuma recompensa; e depois, acrescenta: haverá uma recompensa para o seu exército; eu lhe entregarei a terra do Egito porque ele trabalhou para mim. Logo, podemos merecer os bens temporais.

3. Demais. – O bem está para o mérito como o mal para o demérito. Ora, por causa do demérito do pecado, Deus puniu certos homens com penas temporais, como o demonstra claramente o caso dos sodomitas. Logo, também podemos merecer os bens temporais.

Mas, em contrário, nem todos recebem igualmente os bens que podem merecer. Mas, ao contrário, os bens temporais e os males os bons e os maus os recebem conforme à mesma medida, segundo a Escritura: Acontecem igualmente todas as coisas ao justo e ao ímpio, ao bom e ao mau, ao puro e ao impuro, ao que sacrifica vítimas e ao que despreza os sacrifícios. Logo, não podemos merecer os bens temporais.

SOLUÇÃO. – O que podemos merecer é um premio ou uma recompensa, cujo caráter essencial é ser um bem. Ora, duplo é o bem do homem: o absoluto e o relativo. – O seu bem absoluto é o fim último, conforme à Escritura: Para mim me é bom unir-me a Deus; e por conseqüência, tudo o que se ordena a conduzir para esse fim. E tudo isso podemos, absolutamente, merecer. – O bem relativo e não absoluto do homem é o que lhe é atualmente bem, ou sob um certo aspecto. E esse não podemos merecer absoluta, mas, relativamente.

Assim sendo, devemos pois dizer, que os bens temporais, considerados enquanto úteis à pratica da virtude, que nos conduz à vida eterna, podem ser direta e absolutamente objeto de mérito, ao mesmo título que aumento da graça e tudo o que, depois da primeira graça, nos ajuda a chegar à felicidade. Pois Deus dá aos justos os bens temporais, e também aos maus, o quanto lhes basta para alcançarem a vida eterna. E nessa medida esses bens o são absolutamente. Por isso, diz a Escritura: Os que temem ao Senhor não serão privados de bem algum; e, noutro lugar: Não vi o justo desamparado.

Considerados, porém, esses bens temporais em si mesmos, são bens do homem, não absolutos, mas relativos. E então não constituem absolutamente matéria de mérito, senão só relativamente, isto é, enquanto os homens são movidos por Deus à prática de certos atos temporais, com os quais, gozando do favor divino, conseguem o que se propuserem. De modo que, assim como a vida eterna é, absolutamente, o premio das obras justas, por causa da moção divina, conforme já dissemos, assim também os bens temporais, considerados em si mesmos, implicam por essência o caráter de recompensa, levando-se em conta a moção divina, que move as vontades humanas a buscá-los, embora, por vezes, ao fazê-lo, os homens não sejam movidos por uma intenção reta.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Agostinho, essas promessas temporais foram figuras dos bens espirituais futuros, que se realizaram em nós. Pois esse povo carnal se apegava às promessas da vida presente; mas não só a língua, como também a vida deles foi profética.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Essas retribuições referidas se consideram feitas por Deus por causa da moção divina; não porem em consideração da malícia da vontade, sobretudo no concernente ao rei de Babilônia. Este não combateu contra Tiro por querer servir a Deus, mas antes, para usurpar para si o domínio sobre essa cidade. – Semelhantemente, também as parteiras, embora tivessem boa vontade relativamente à salvação das crianças, contudo essa vontade não foi reta, pois falaram mentirosamente.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os males temporais são afligidos aos ímpios como pena, enquanto que não os ajudam a alcançar a vida eterna. Aos justos, pelo contrário, que são coadjuvados por esses males, não são penas, mas antes, remédios, como já dissemos.

RESPOSTA À QUARTA. – Tudo acontece igualmente, tanto para os bons como para os maus, quanto à substância mesma dos bens ou dos males temporais. Mas não, quanto ao fim; pois, ao passo que os bons são conduzidos por eles à felicidade, os maus não o são.
E o que dissemos até aqui, sobre a moral geral, é o bastante.