Art. 3 — Se há uma lei humana.

(Infra, q. 95, a. 1).

O terceiro discute-se assim. — Parece que não há nenhuma lei humana.

1. — Pois, a lei natural é uma participação da lei eterna, como já se disse (a. 2). Ora, pela lei eterna, todas as coisas são ordenadíssimas, como diz Agostinho. Logo, a lei natural basta para ordenar todas as coisas humanas, e portanto, não há necessidade de nenhuma lei humana.

2. Demais. — A lei é essencialmente me­dida, como se disse (q. 90, a. 1). Ora, a razão humana não é a medida das coisas, mas antes inversamente, como diz Aristóteles. Logo, nenhuma lei pode proceder da razão humana.

3. Demais. — A medida deve ser certíssi­ma, como está em Aristóteles. Ora, o ditame da razão humana, no concernente à direção das coisas, é incerto, conforme àquilo da Escritura (Sb 9, 14): Os pensamentos dos mortais são tímidos, e incertas as nossas providências. Logo, nenhuma lei pode proceder da razão humana.

Mas, em contrário, Agostinho ensina que há duas leis: uma eterna, e outra temporal, a que chama humana.

SOLUÇÃO. — Como já dissemos (q. 90, a. 1 ad 2), a lei é um ditame da razão prática. Ora, dá-se que o modo de proceder da razão prática é semelhante ao da especulativa, pois ambas procedem de certos princípios para certas conclusões, como antes ficou estabelecido. Por onde devemos concluir que, assim como a razão especulativa, de princípios indemonstráveis e evidentes tira as conclusões das diversas ciências, cujo conhecimento não existe em nós naturalmente, mas são des­cobertos por indústria da razão; assim também, dos preceitos da lei natural, como de princípios gerais e indemonstráveis, necessariamente a razão humana há de proceder a certas disposições mais particulares. E estas disposições particulares, descobertas pela razão humana, observadas as outras condições pertencentes à essência da lei, chamam-se leis humanas como já dissemos (q. 90, a. 2, a. 3, a. 4). E por isso, Túlio, na sua Retórica, diz que a origem do direito está na natureza; daí, em razão da utilidade, nasceram certas disposições costumeiras; depois, o medo e a religião sancionaram essas disposições oriundas da natureza e aprovadas pelo costume.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A razão humana não pode participar plenamente do ditame da razão divina; mas o pode ao seu modo e imperfeitamente. Por onde, pela razão especulativa, por uma participação natural da sabedoria divina, temos o conhecimento de certos princípios comuns, mas não o conheci­mento próprio de qualquer verdade, como a contém a sabedoria divina. Assim também, pela razão prática, o homem naturalmente participa da lei eterna relativamente a certos princípios comuns, mas não quanto a direções particulares de determinados atos, que contudo estão con­tidos na lei eterna. Por onde, é necessário, ulte­riormente, que a razão humana proceda a certas disposições particulares das leis.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A razão humana, em si mesma, não é a regra das coisas; mas os princípios, que lhe são naturalmente inerentes, são certas regras gerais, e medidas de tudo o que o homem deve fazer; do que a razão natural é a regra e a medida, embora não seja a medida do que é natural.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A razão prática versa sobre os atos, que são particulares e contingentes; não porém, sobre o que é necessário, como a razão especulativa. Por onde, as leis humanas não podem ter aquela infalibilidade que têm as conclusões demonstrativas das ciências. Nem é necessário seja toda medida absolutamente infalível e certa, mas deve sê-lo enquanto isso lhe é genericamente possível.