Art. 1 ― Se o prazer é uma paixão.

(Infra, q. 35, a . 1; IV Sent., dist. XLIX, q. 3, a . 1, qª 1)

O primeiro discute-se assim. ― Parece que prazer não é uma paixão.

1. ― Pois, Damasceno distingue a operação, da paixão, dizendo que a operação é um movimento segundo a natureza; a paixão porém é um movimento contra a natureza1. Ora, o prazer é uma operação, como diz o Filósofo2. Logo, o prazer não é uma paixão.

2. Demais. ― Sofrer é ser movido, como diz Aristóteles3. Ora, o prazer consiste, não em ser movido, mas em tê-lo sido pois é causado pelo bem já adquirido. Logo, não é uma paixão.

3. Demais. ― O prazer consiste numa certa perfeição de quem o goza, pois aperfeiçoa a operação, como diz Aristóteles4. Ora, aperfeiçoar-se não é sofrer nem ser alterado, segundo o mesmo filósofo5. Logo, o prazer não é uma paixão.

Mas, em contrário, Agostinho coloca o prazer ou gáudio ou alegria entre as paixões da alma6.

SOLUÇÃO. ― O movimento do apetite sensitivo chama-se propriamente paixão, como já se disse7. Ora, qualquer afeto procedente da apreensão sensitiva é movimento do apetite sensitivo, que há-de convir necessariamente ao prazer. Pois, como diz o Filósofo o prazer é um certo movimento da alma e uma disposição simultaneamente completa para um objeto natural presente8.

E para entendimento desta doutrina devemos considerar que, como certos seres naturais, assim também certos animais conseguem alcançar as suas perfeições naturais. E embora o ser movido para a perfeição não seja um ato simultaneamente completo, contudo o ato de conseguir a perfeição natural o é. Pois entre os animais e os outros seres naturais há a diferença que estes não sentem, quando constituídos no que lhes convém à natureza, ao passo que aqueles o sentem, e este sentimento causa um movimento da alma no apetite sensitivo, movimento que é o prazer. É pois, genericamente que se diz que o prazer é um movimento da alma. E quando se diz disposição para um objeto natural presente, i. é, existente realmente em a natureza, assinala-se a causa do prazer, que é a presença do bem conatural. Quando dizemos simultaneamente completo mostramos que a disposição não deve ser considerada enquanto se opera, mas depois de operada, quase no termo do movimento; pois o prazer não é um vir-a-ser, como queria Platão, mas antes, como diz Aristóteles, um estado9. Quando por fim se diz sensível, excluem-se as perfeições das coisas insensíveis, não susceptíveis de prazer. ― Por onde, conclui-se claramente que, sendo um movimento do apetite animal, conseqüente à apreensão do sentido, o prazer é uma paixão da alma.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― A operação conatural não impedida é uma perfeição segunda, como diz Aristóteles10. Por onde, o prazer lhes advém às coisas constituídas na operação própria conatural e não impedida, e constitui um estado perfeito, como dissemos. Assim, pois, quando se diz que o prazer é uma operação, essa predicação não é essencial, mas causal.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Podemos considerar no animal, duplo movimento: o relativo à intenção que visa o fim, e este concerne o apetite; e o relativo à execução, e este respeita a operação exterior. Embora pois no ser que já conseguiu o bem com o qual se deleita, cesse o movimento de execução, pelo qual tendeu ao fim, não cessa contudo o movimento da parte apetitiva, a qual como antes desejava o que não possuía, agora se deleita como o bem que possui. Por onde, não obstante seja o prazer um certo repouso do apetite em presença do bem deleitoso, que lhe satisfaz, contudo ainda continua a imutação do apetite pelo seu objeto, em razão do qual o prazer é um movimento.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Embora o nome de paixão convenha sobretudo e propriamente às paixões corruptivas e tendentes ao mal, como se dá com os sofrimentos corpóreos, e com a tristeza e o temor, na alma, contudo certas paixões se ordenam ao bem, como já se disse11. E neste sentido o prazer se chama paixão.
1. II lib. Orth. Fid., cap. XXII.
2. VIII Ethic., lect. XII; X Ethic lect. VIII.
3. III Phys., lect. V.
4. X Ethic., lect. VI, VII.
5. VII Phys., lect. V; II De Anima, lect. XI.
6. X De civ. Dei, cap. II; XIV De civ. Dei, cap. V ss.
7. Q. 22, a. 3.
8. I Rhet., cap. XI.
9. VII Ethic., lect. XII.
10. II De anima, lect. I.
11. Q. 23, a. 1, 4.