Art. 2 — Se o temor nos torna conciliativos.

(IIª-IIªº, q. 129, a . 7; In Psalm. XII).

O segundo discute-se assim. — Parece que o temor não nos torna conciliativos.

1. — Pois, o que nos torna conciliativos não pode ao mesmo tempo impedir o conselho. Ora, o temor o impede, porque toda paixão perturba a paz, necessária para o bom uso da razão. Logo, o temor não nos torna conciliativos.

2. Demais — O conselho é um ato da razão pelo qual pensamos e deliberamos sobre o futuro. Mas, há certo temor que impede o pensamento e nos faz perder a cabeça, como diz Túlio1. Logo, o temor não nos torna conciliativos, mas antes impede o conselho.

3. Demais — Assim como usamos do conselho para evitar o mal, dele usamos também para conseguir o bem. Logo, o temor não nos torna, mais que a esperança, conciliativos.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que o temor nos torna conciliativos2.

SOLUÇÃO. — Podemos ser conciliativos de dois modos. — Pela vontade ou solicitude em aconselhar. E assim o temor nos torna conciliativos, porque, como diz o Filósofo, nós deliberamos sobre as grandes coisas, em que quase descremos de nós mesmos3. Ora, o que incute o temor não é mau, absolutamente mas se reveste de uma certa grandeza, por ser apreendido, quer como algo que só dificilmente pode ser repelido, quer como vindo a realizar-se proximamente, conforme já dissemos4. Por onde, sobretudo nos temores é que recorremos ao conselho. — De outro modo, dizemos que é conciliativo quem tem a faculdade de aconselhar bem. E neste sentido nem o temor nem qualquer outra paixão nos torna conciliativos. Porque, quando possuídos de uma paixão, vemos as coisas mais ou menos diferentes do que elas na verdade são; assim, o amante acha melhores que na realidade as coisas que ama; e quem teme acha mais terríveis que na realidade as coisas que lhe causam temor. Por onde, por falta da retidão de juízo, qualquer paixão, em si mesma, impede a faculdade de aconselhar bem.

Donde se deduz clara A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Quanto mais forte é uma paixão tanto maior travamento sofre quem é tomado dela. Por onde, sendo o temor forte, embora queiramos deliberar, ficamos com o pensamento perturbado de tal maneira, que não podemos tomar conselho. Sendo ele porém pequeno, que deixe lugar ao conselho e nem conturbe demasiado a razão, pode até mesmo auxiliar a faculdade de bem aconselhar, em razão da solicitude que provoca.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Também a esperança nos torna conciliativos; pois, como diz o Filósofo, ninguém delibera sobre o que desespera5, como nem sobre o impossível6, segundo o mesmo. Ora, o temor nos torna mais conciliativos que a esperança; porque esta é relativa a um bem que podemos alcançar, e aquele, a um mal que apenas podemos repelir. Por onde, maior dificuldade implica este que aquela; e por isso deliberamos, como já dissemos, quando a situação é difícil, e mal confiamos em nós.
1. IV De tusculanis quaestionibus (cap. VIII).
2. II Rhetoric. (cap. V).
3. III Ethic. (lect. VII).
4. Q. 42, a. 2.
5. II Rhetoric, cap. V.
6. III Ethic., lect. VII.