Art. 2 — Se Deus é o sumo bem.

(II Sent., dist. I, q.2, a.2, ad. 4; I Cont. Gent. Cap. XLI)

O segundo discute-se assim. — Parece que Deus não é o sumo bem.

1. — Pois o sumo bem diz algo mais que bem; do contrário, conviria a qualquer bem. Ora, tudo o que é constituído por adição é composto. Logo, o sumo bem o é. Mas, sendo Deus sumamente simples, como já se demonstrou1, não é o sumo bem.

2. Demais. — O bem é o que todos os seres desejam, como diz o Filósofo2. Ora, além de Deus, fim de todos os seres, nada mais há que todos desejem. Logo, não há outro bem além de Deus; o que também se vê na Escritura (Lc 18, 19): Ninguém é bom senão só Deus. Ora, sumo implica comparação com outros: assim, o sumo cálido supõe comparação com tudo o que é cálido. Logo, Deus não pode ser considerado sumo bem.

3. Demais. — sumo importa comparação. Ora, não se comparam coisas que não são do mesmo gênero; assim, inconvenientemente seria dizer que a doçura é maior ou menos que a linha. Ora, Deus, não sendo do mesmo gênero que os outro bens, como resulta claro do sobredito3, conclui-se que não pode ser considerado, em relação a eles, o sumo bem.

Mas, em contrario, diz Agostinho que a Trindade das divinas Pessoas é o sumo bem, que sabem discernir as almas inteiramente puras4.

SOLUÇÃO. — Deus é o sumo bem, absolutamente, e não só num determinado gênero ou ordem de coisas. Assim, o bem é atribuído a Deus, conforme já se disse5, enquanto todas as perfeições desejadas dele efluem, como de causa. Não efluem dele, porém, como de agente unívoco, segundo do sobredito claramente resulta6. Mas, como de agente, que não tem de comum com os seus efeitos nem a espécie nem o gênero. Ora, a semelhança do efeito que se encontra, na causa unívoca, de maneira uniforme, encontra-se na causa equivoca, de maneira mais excelente; assim, o calor existe de modo mais excelente no sol, que no fogo. Por onde, existindo o bem em Deus, como na causa primeira, não unívoca de todos os seres, nele necessariamente existe de modo excelentíssimo. E, por isso, é chamado sumo bem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O sumo bem não acrescenta ao bem nenhuma realidade absoluta mas, somente, uma relação. A relação, porém, em virtude da qual alguma coisa se diz de Deus, relativamente às criaturas, só nestas existe realmente e não, nele, em quem existe só racionalmente; assim, um objeto é considerado cognoscível relativamente à ciência, não porque se refira a esta, mas porque esta se lhe refere a ele. E assim, de nenhum modo, há qualquer composição no sumo bem, mas os outros seres é que lhe são inferiores em bondade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O dito — o bem é o que todos os seres desejam — não significa que cada bem seja desejado por todos, mas, que tudo o que é desejado tem o caráter de bem. E o dito — ninguém é bom senão só Deus — se entende do bem por essência, como a seguir se dirá7.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Coisas que não pertencem a um mesmo gênero não podem ser comparadas, desde que estão contidas em gêneros diversos. Ora, negamos que Deus seja do mesmo gênero que os outros bens, não por pertencer a algum outro gênero, mas por estar fora de todos os gêneros e ser o princípio de todos. De modo que é comparável a tudo o mais, por excelência; relação essa expressa pela qualidade de sumo bem.
1. Q. 3, a. 7.
2. I Ethic., c. 1.
3. Q. 3, a. 5; Q. 4, a. 3, ad 3.
4. I de Trin., c. 2.
5. Art. Praec.
6. Q. 4, a. 3.
7. Q. 6, a. 3.