Art. 8 — Se os homens serão transferidos às ordens dos anjos.

(II Sent., dist. IX, a. 8)

O oitavo discute-se assim. — Parece que os homens não serão transferidos às ordens dos anjos.

1. — Pois, a hierarquia humana está com­preendida na ínfima hierarquia celeste, como esta, na média, e a média, na primeira. Ora, os anjos da ínfima hierarquia nunca serão trans­feridos para a média ou para a primeira. Logo, nem os homens serão transferidos para as ordens dos anjos.

2. Demais. — Certas funções cabem às or­dens dos anjos, como guardar, fazer milagres, afastar os demônios e outras, que não se consi­deram cabíveis às almas dos santos. Logo, não, serão estes transferidos às ordens dos anjos.

3. Demais. — Assim como os bons anjos levam ao bem, assim, os demônios, ao mal. Ora, como o reprova Crisóstomo, é errôneo dizer que as almas dos homens maus convertem-se em demônios. Logo, não se deve concluir que as al­mas dos santos se transfiram para as ordens dos anjos.

Mas, em contrário, diz o Senhor, falando dos santos: serão tomo os anjos de Deus no céu.

SOLUÇÃO. — Como já se disse, as ordens dos anjos distinguem-se pela condição da natureza e pelos dons da graça. Se, pois, forem elas consideradas só quanto ao grau da natureza então de nenhum modo os homens poderão ser trans­feridos para elas porque permanecerá sempre a distinção das naturezas. Donde, certos, consi­derando isso, afirmaram que de nenhum modo os homens podem ser transferidos à igualdade angélica; o que é errôneo e repugna à promessa de Cristo: são iguais aos anjos por serem filhos da Ressurreição. Pois, o que procede da natu­reza é material, em relação à ordem; ao passo que o que é completivo é dom da graça, dependente da liberalidade de Deus e não, da ordem da natureza. Por onde, por dom da graça, os homens podem merecer glória tão grande, que se igualem aos anjos, conforme os graus de cada ordem; e isso é serem os homens transferidos para as ordens dos anjos.

Outros, porém, dizem que, para as ordens dos anjos serão transferidos, não todos os que se salvam, mas só os virgens ou perfeitos; enquanto que os demais constituirão uma ordem própria, como que conjunta a toda a sociedade dos an­jos. — Mas, esta opinião vai contra Agostinho, que diz não haverá duas sociedades, de homens e de anjos, mas uma só; pois, a beatitude de to­dos consiste em aderir a Deus uno.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A graça é dada aos anjos em proporção dos dons naturais; o que não se dá com os homens, como já se disse. Onde, assim como os anjos inferiores não podem ser transferidos ao grau natural dos superiores, assim nem ao grau gra­tuito. Os homens, porém, podem subir ao grau gratuito, mas não, ao natural.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os anjos, pela or­dem da natureza, são médios entre nós e Deus. Por onde, pela lei comum, por eles são adminis­trados, não só as coisas humanas, mas também todos os seres corpóreos. Porém, os homens santos, mesmo depois desta vida, conservam a mesma natureza nossa. Por onde, pela lei comum, não administram as coisas humanas, nem intervêm nos negócios dos vivos, como diz Agostinho. Às vezes porém, por dispensa especial, a certos santos é concedido, vivos ou mortos, desempenhar esse ofício, quer fazendo milagres, quer afastando os demônios, ou fazendo coisas semelhantes, como diz Agostinho, no mesmo livro.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não é errôneo dizer que os homens são transferidos às penas dos demônios; mas, alguns ensinaram erradamente, que os demônios não são mais do que as almas dos defuntos, e isso é o que Crisóstomo reprova.