Art. 3 – Se o homem; no estado de inocência, precisava de alimentos.

O terceiro discute–se assim. – Parece que o homem, no estado de inocência, não precisava de alimentos.

1. – Pois, o alimento é necessário ao homem para recuperar as forças perdidas. Ora, o corpo de Adão, sendo incorruptível, não sofria nenhuma perda. Logo, não lhe era necessário o alimento.

2. Demais. – O alimento é necessário para nutrir; mas, nutrição implica paixão. Ora, como o corpo do homem era impassível, não lhe era necessário o alimento, segundo parece.

3. Demais. – O alimento nos é necessário para a conservação da vida. Ora, Adão podia conservar a vida de outro modo; pois, se não tivesse pecado não morreria. Logo, o alimento não lhe era necesssário,

4. Demais. – Da alimentação resulta a rejeição do supérfluo, o que implica certa torpeza, que não condiz com a dignidade do primeiro estado. Logo, conclui–se que o homem, no primeiro estado, não usava de alimentos.

Mas, em contrário, diz a Escritura: Come de todos os frutos das árvores do paraíso.

SOLUÇÃO. – O homem no estado de inocência tinha a vida animal, que necessita de alimentos: porém, depois da ressurreição, terá a vida espiritual que deles não necessita. Para o entendimento do que devemos considerar que a alma racional é alma e espírito. E alma pelo que tem de comum com os animais, que é dar a vida ao corpo; e por isso diz a Escritura: Foi jeito o homem em alma vivente, isto é, que dá vida ao corpo, Mas é espírito pelo que lhe é próprio a si e não aos animais, isto é, ter virtude intelectiva imaterial. Por onde, no primeiro estado, o que a alma tinha como alma, era comum com o corpo, e, por ter a vida, da alma, é que o sobredito corpo chamava–se animal. Ora, o princípio primeiro da vida, nos seres inferiores, é como diz Aristóteles, a alma vegetal, cujas operações são: usar de alimento, gerar e crescer. Por onde, tais operações cabiam ao homem, no primeiro estado. No último estado, porém, depois da ressurreição, a alma comunicará de certo modo ao corpo o que lhe é próprio como espírito, a saber: a imortalidade, a todos; a impassibilidade, a glória e a virtude, só aos bons, cujos corpos serão chamados espirituais. E por isso depois da ressurreição os homens não precisarão de alimentos; mas no estado de inocência precisavam.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Segundo diz Agostinho, como havia de ler corpo imortal, o que se sustentava de alimento? Pois, o que é imortal não necessita comer nem beber. Porque como já se disse antes, a imortalidade do primeiro estado era quanto a uma virtude sobrenatural residente na alma, e não quanto a qualquer disposição inerente ao corpo. Por onde, pela ação do calor, podia perder–se alguma umidade, do referido corpo; e para que não se consumisse totalmente, era necessário que o homem se restaurasse, alimentando–se.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Há por certo na nutrição, paixão e alteração; mas relativamente ao alimento, que se converte na substância do ser alimentado. Por onde, não se pode daí concluir que o corpo do homem fosse passível, mas sim, que o era o alimento tomado; embora tal paixão fosse para a perfeição da natureza.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Se o homem não buscasse alimento para si, pecaria; assim como pecou tomando do alimento proibido. Pois, simultaneamente lhe foi preceituado se abstivesse da árvore da ciência do bem e do mal e se alimentasse de todas as outras árvores do paraíso.

RESPOSTA À QUARTA. – Uns dizem que o homem, no estado de inocência não se alimentaria senão na medida do necessário. E por isso não haveria emissão de superfluidades. Mas é irracional que não houvesse, no alimento tomado, partes inúteis, e não aptas a se converterem em nutrição do homem. Por onde necessariamente haveriam de ser emitidas superfluidades. Contudo, por provisão divina, daí não resultaria nenhuma indecência.