Art. 4 – Se toda mentira é pecado mortal.

O quarto discute assim. – Parece que toda mentira é pecado mortal.

1. – Pois, diz a Escritura: Perderás a todos os que proferem a mentira. E noutro lugar: A boca que mente mata a alma. Ora, a perdição e a morte da alma vem só pelo pecado mortal. Logo, toda mentira é pecado mortal.

2. Demais. – Tudo o que contraria um preceito do decálogo é pecado mortal. Ora, a mentira é contra o seguinte preceito do decálogo – não dirás falso testemunho. Logo, toda mentira é pecado mortal.

3. Demais. – Agostinho diz: Quem mente não o faz de boa fé, pois, ao mesmo tempo quer que aquele a quem mente lhe dê fé e não lhe dá a ele, mentindo. Ora, todo o que viola a boa fé pratica uma iniquidade. Mas, ninguém viola a boa fé e comete uma iniquidade, por ter praticado um pecado venial. Logo, nenhuma mentira é pecado venial.

4. Demais. – A recompensa eterna só pelo pecado mortal a perdemos. Ora, mentindo, perdemos a recompensa eterna, que se transforma em temporal. Assim, diz Gregório: Pela recompensa que receberam as parteiras sabemos a culpa que recai sobre a mentira. Pois, a recompensa que mereceriam pela benignidade com que procederam, e que lhes podia dar a vida eterna, foi transformada numa recompensa terrena, pela culpa da mentira que disseram. Logo, mesmo a mentira oficiosa, como a das parteiras, considerada levíssima, é pecado mortal.

5. Demais. – Agostinho diz: É mandamento para os perfeitos não só não mentir, de nenhum modo, mas nem mesmo querê–lo, Ora, agir contra o preceito é pecado mortal. Logo, toda mentira dos perfeitos é pecado mortal. E pela mesma razão a de qualquer outro, pois, do contrário, estariam em pior condição.

Mas, em contrário, Agostinho: Há dois gêneros de mentira que não encerram grande culpa, embora não sejam isentos dela: a que proferimos por brincadeira e a que dizemos com a intenção de sermos útil ao próximo. Ora, todo pecado mortal implica uma culpa grave. Logo, a mentira jocosa e a oficiosa não são pecados mortais.

SOLUÇÃO. – Pecado mortal é propriamente o que repugna à caridade, que nos faz viver a alma, unindo–a com Deus, como dissemos. Ora, a mentira pode contrariar à caridade de três modos: em si mesma, relativamente ao fim intencionado ou acidentalmente.

Em si mesma, contraria à caridade pelo sentido falso que inclui. – O que, se for concernente à coisas divinas, contraria à caridade de Deus, cuja verdade fica oculta ou corrompida por quem assim mente. Por onde, a mentira, neste sentido, não só se opõe à virtude da verdade, mas também à da fé e da religião. Logo, tal mentira é gravíssima e pecado mortal. – Se, porém a significação falsa for em matéria, cujo conhecimento diga respeito ao bem de outrem, por exemplo, à perfeição da ciência e à informação dos bons costumes, tal mentira, na medida em que danifica o próximo, inculcando–lhe uma opinião falsa, contraria à caridade, quanto ao amor do próximo. Por isso é pecado mortal. – Se porém a opinião falsa, gerada pela .mentira, é em matéria que não importa seja conhecida de tal modo ou de tal outro, então essa mentira não danifica o próximo. Por exemplo, se nos enganarmos em relação a fatos contingentes, que não nos interessam pessoalmente. Por onde, essa mentira não é em si mesmo pecado mortal. Quanto ao fim intencionado, há uma certa mentira que contraria à caridade; por exemplo, a que é proferida para injuriar a Deus. E é sempre pecado mortal por ser contrária à religião. Ou ela redunda em dano do próximo, na sua pessoa, riquezas ou bom nome. O que também é pecado mortal, pois, pecado mortal é danificar o próximo; e já pecamos mortalmente só por ter a intenção de cometer um pecado mortal. Mas, não sendo o fim intencionado contrário à caridade, também a mentira, nesse caso, não será pecado mortal. Tal o que se dá com a mentira jocosa, com a qual só temos a intenção de divertir passageiramente; e com a mentira oficiosa, com a qual visamos alguma utilidade do próximo.

Enfim, acidentalmente, a mentira pode contrariar à caridade em razão do escândalo ou de qualquer dano consequente. E então será também pecado mortal, desde que não se teme, por causa de escândalo, mentir publicamente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os lugares citados se entendem relativamente à mentira perniciosa, como a explica a Glosa sobre o lugar: Perderás a todos os que proferem a mentira.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Todos os preceitos do decálogo, ordenando–se ao amor de Deus e do próximo, como se disse, a mentira é contra o preceito do decálogo, na mesma medida em que é contra o amor de Deus e do próximo. Por isso, ele proíbe sinaladamente o falso testemunho contra o próximo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Também o pecado venial, em sentido Jato, é uma iniquidade, por estar fora da igualdade da justiça. Por isso, diz a Escritura: Todo pecado é uma iniquidade. E é nesse sentido que fala Agostinho.

RESPOSTA À QUARTA. – A mentira das parteiras pode ser considerada a dupla luz. Primeiro, quanto ao afeto de benevolência para com os Judeus, e ao temor de Deus, sentimento que revelam nelas disposições virtuosas. E eram por isso merecedoras da recompensa eterna; nesse sentido Jerônimo explica um lugar da Escritura dizendo, que Deus lhes edificou moradas espirituais. – Noutro sentido, o caso das parteiras pode ser considerado quanto ao ato mesmo anterior, da mentira. E por ele não puderam merecer a recompensa eterna; mas talvez alguma remuneração temporal, cujo mérito não repugnava à deformidade da mentira que proferiram como repugnava ao mérito da recompensa eterna. E assim se devem entender as palavras de Gregório; e não corno pretende a objeção, que, por causa da mentira as parteiras mereceram perder a remuneração eterna, que já tinham merecido pelo afeto precedente.

RESPOSTA À QUINTA. – Certos dizem que, para os varões perfeitos, toda mentira é pecado mortal. Mas não têm razão. Pois, nenhuma circunstância agrava o pecado ao infinito, senão a que o transfere de uma espécie para outra. Ora, a circunstância de pessoa não opera essa transferência, salvo talvez em razão de algum elemento anexo, por exemplo, se contrariar o voto feito; o que não se pode dizer da mentira oficiosa ou jocosa. Por onde, a mentira oficiosa ou a jocosa, dos varões perfeitos, não é pecado mortal, salvo talvez e por acidente, em razão do escândalo. E neste sentido podem entender–se as palavras de Agostinho, quando diz que é mandamento para os varões perfeitos, não Só não mentir, de nenhum modo, mas, nem mesmo querê–lo. Embora Agostinho não o afirme de maneira assertória, mas em sentido dubitativo, pois acrescenta: Salvo talvez se aos perfeitos, etc. – Nem obsta que estejam colocados num estado, a que é próprio respeitar a verdade, aqueles que tem a obrigação de a dizer em juízo ou no ensino, e que cometerão pecado mortal, contrariando a esse dever, quando mentem. Mas, isso não implica necessariamente que cometam pecado mortal, mentindo, em matéria diferente.