Art. 2 – Se a hipocrisia é o mesmo que a simulação.

O segundo discute–se assim. – Parece que a hipocrisia não é o mesmo que a simulação.

1 – Pois, a simulação consiste em mentir por atos. Ora, também pode haver hipocrisia quando manifestamos exteriormente o que fazemos às ocultas, segundo aquilo da Escritura: Quando dás a esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como praticam os hipócritas. Logo, a hipocrisia não é o mesmo que a simulação.

2. Demais. – Gregório diz: Certos tem o hábito da santidade e não logram alcançar o mérito da perfeição. Mas não devemos pensar que estão no número dos hipócritas, porque uma causa é pecar por fraqueza e outra, por malícia. Ora, os que têm o hábito da santidade e não logram o mérito da perfeição, esses são simuladores; porque o hábito exterior da santidade significa as obras da perfeição. Logo, a simulação não é o mesmo que a hipocrisia.

3. Demais. – A hipocrisia está só na intenção: pois, diz o Senhor, dos hipócritas, que fazem todas as suas obras para serem vistos dos homens. E Gregório: Não consideram nunca o que fazem mas como, com cada ação que praticam, poderão agradar aos homens. Ora, a simulação não consiste só na intenção, mas, nos atos externos. Por isso, aquilo de Jó – Os simulados e dobres de coração provocam contra si a ira de Deus – diz a Glosa, que o simulador súmula uma coisa e faz outra; apregoa a castidade e pratica a. lascívia, ostenta a pobreza e enche a bolsa. Logo, a hipocrisia não é o mesmo que a simulação.

Mas, em contrário, Isidoro diz: A palavra grega hypokrite, que significa em latim simulator (simulador), é a aquele que, sendo mau interiormente, ostenta–se às claras como bom, pois hypo significa falso e krisis, juízo.

SOLUÇÃO. – Como diz Isidoro no mesmo lugar, o nome de hipócrita derivou da figura daqueles que aparecem no teatro com o rosto disfarçado e pintado de várias cores, de modo a imitar uma determinada pessoa, homem ou mulher, para enganar os espectadores. Por isso, Agostinho diz: Os hipócritas que simulam outras pessoas, fazem um papel que não é o deles; pois, não é Agamemnon quem o simula e lhe faz o papel. Assim, na igreja e em toda a vida humana, quem quer passar pelo que não é, é hipócrita ; pois, simula–se justo sem o ser. Por onde devemos concluir que a hipocrisia é uma simulação; mas nem toda simulação é tal, mas só aquela pela qual simulamos a pessoa de outrem; assim, a do pecador que simula a pessoa do justo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A obra exterior naturalmente revela a intenção. Portanto, quem pela prática de boas obras, genericamente atinentes ao serviço de Deus, visa agraciar não a ele, mas aos homens, simula uma intenção reta que não tem. Por isso, Gregório diz: Os hipócritas, a pretexto de servirem a Deus, servem ao século; pois, querendo passar por praticantes de obras santas, o que buscam não é converter os outros, mas obter–lhes a estima. E assim, simular mentirosamente uma intenção reta que não têem: embora não simulem boas obras, que não os fazem.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O hábito da santidade, por exrmplo, o de religião ou o do clericato, significa o estado que obriga às obras de perfeição. Portanto, quem assume o hábito da santidade, com a intenção de entrar no estado de perfeição, se decair dele por fraqueza, não será simulador nem hipócrita, porque não está obrigado a revelar o seu pecado, depondo o hábito da santidade. Mas, seria hipócrita e simulador se assumisse esse hábito para passar por justo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como na mentira, na simulação há dois elementos: o sinal e o assinalado. Ora, a má intenção, na hipocrisia, é considerada como o assinalado que não corresponde ao sinal. E as palavras exteriores, ou obras, ou quaisquer causas sensíveis, consideram–se, em toda simulação e mentira, como sinais.