Artigo 2 – Se é licito julgar.

O segundo discute-se assim. – Parece que não é lícito julgar.

1. – Pois, a pena só é infligida a um ato ilícito. Ora, os que julgam incorrem em pena, em que não incorrem os que não julgam, segundo o Evangelho. Não queirais julgar para que não sejais julgados. Logo, é ilícito julgar.

2. Demais. – A Escritura diz: Quem és tu, que julga o servo alheio? Para seu senhor está em pé ou cai. Ora, o Senhor de todas as coisas é Deus. Logo, a nenhum homem é lícito julgar.

3. Demais. – Nenhum homem é sem pecado, conforme aquilo da Escritura· Se dissermos, que estamos sem pecado, nós mesmos nos enganamos. Ora, a quem peca não é lícito julgar, conforme aquilo da Escritura: És inexcusável tu, o homem qualquer, que julgas; porque no mesmo em que julgas a outro, a ti mesmo te condenas, porque fazes essas mesmas coisas que julgas. Logo, a ninguém é lícito julgar.

Mas, em contrário, a Escritura: Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portas, para que julguem o povo com retidão de justiça.

SOLUÇÃO. – O juízo é justo na medida em que é um ato de justiça. Ora, como do sobredito resulta, três condições se exigem para que um juízo seja um ato de justiça: primeiro, que proceda de uma inclinação justa; segundo, que proceda da autoridade do chefe; terceiro, que seja proferido pela razão reta da prudência. A falta de qualquer delas torna o juízo vicioso e ilícito. – De um modo quando vai contra a retidão da justiça. E, então, o juízo se chama pervertido ou injusto. – De outro modo, quando julgamos daquilo para o que não temos autoridade. E, então, o juízo se chama usurpado. – De terceiro modo, quando falta a certeza da razão; assim, quando julgamos do que é duvidoso ou oculto, levados por leves conjecturas. E, então, chama-se o juízo suspeitoso ou temerário.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Senhor, no lugar citado, proíbe o juízo temerário que incide sobre a intenção do coração ou sobre outras coisas incertas, como diz Agostinho ­ Ou proíbe, com as palavras citadas, julgar das coisas divinas, as quais, sendo-nos superiores, não devemos julgá-las, mas simplesmente crê-las, como diz Hilário – Ou proíbe o juízo não procedente da benevolência, mas, do espírito amargo, como diz Crisóstomo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O juiz é constituído ministro de Deus; donde o dizer a Escritura. Julgai o que for justo; e depois acrescente: é o juízo de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os réus de pecados graves não devem julgar os que também o são dos mesmos ou de pecados menores, como diz Crisóstomo aquilo do Evangelho: Não queirais julgar o que sobretudo se deve entender dos pecados públicos; porque então o nosso juízo gera o escândalo nos corações dos outros. Se, porém, não forem públicos, mas ocultos, e, por dever, tivermos que dar o nosso juízo, podemos acusar ou julgar com humildade e temor. Por isso, diz Agostinho: Se nos encontrarmos no mesmo vício que outrem, gemamos com ele e o incitemos a tornar-se melhor, esforçando-nos também nós para consegui-lo. Nem contudo por isso, ao julgar os outros, nós nos condenamos, por atrairmos sobre nós um novo motivo de condenação; mas, ao condenar a outrem, mostramo-nos merecedores da mesma condenação, por um pecado igualou semelhante.