Art. 2 – Se a estudiosidade faz parte da temperança.

O segundo discute–se assim. – Parece que a estudiosidade não faz parte da temperança.

1. – Pois, estudioso se chama quem tem a estudiosidade. Ora, universalmente, todo virtuoso é chamado estudioso, como está claro no Filósofo que frequentemente usa da palavra estudioso nesse sentido. Logo, a estudiosidade é uma virtude geral e não faz parte da temperança.

2. Demais. – A estudiosidade, como se disse, supõe o conhecimento. Ora, o conhecimento não é objeto das virtudes morais, que pertencem à parte apetitiva da alma; mas antes, das virtudes intelectuais, cuja sede é a parte cognoscitiva, sendo por isso a solicitude um ato de prudência, como se estabeleceu. Logo, a estudiosidade não faz parte da temperança.

3. Demais. – A virtude, considerada como parte de uma virtude principal, tem o mesmo modo que ela. Ora, a estudiosidade não tem o mesmo modo que a temperança; pois o nome de temperança supõe um refreio, opondo–se por isso, antes, ao vício, que peca por excesso. Ao passo que a denominação de estudiosidade deriva, ao contrário, da aplicação da alma a um objeto, parecendo, por isso, opor–se, antes, ao vicio da negligência de estudar, que peca por defeito, do que ao vício da curiosidade, que peca por excesso. Por onde e por causa dessas semelhanças. Isidoro diz, que estudioso significa quase curioso dos estudos. Logo, a estudiosidade não faz parte da temperança.

Mas, em contrário, Agostinho diz: A grande junção da temperança é nos proibir a curiosidade. Ora, a curiosidade é proibida pela estudiosidade moderada. Logo, a estudiosidade faz parte da temperança.

SOLUÇÃO. – Como dissemos o objeto da temperança é moderar o movimento do apetite, afim de não buscar com excesso o que é naturalmente desejado. Ora, assim como o homem naturalmente deseja os prazeres da mesa e do sexo, pela natureza do seu corpo; assim, a sua alma naturalmente deseja conhecer; por isso, diz o Filósofo, que todos os homens naturalmente desejam saber. Ora, a moderação desse apetite é o objeto da virtude da estudiosidade. Donde a consequência, que a estucuosidade é parte potencial da temperança como virtude secundária anexa à principal. E está compreendida na modéstia, pela razão já exposta.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A prudência é o complemento de todas as virtudes morais, como dissemos. Na medida, pois, em que todas as virtudes devem conhecer a prudência, nessa mesma a denominação de estudiosidade, cujo objeto próprio é o conhecimento, se aplica a todas as virtudes.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O ato da virtude cognoscitiva e imperado pela potência apetitiva, motivo de todas as virtudes, como dissemos. Por onde o conhecimento node visar um duplo bem. – Um relativo ao ato mesmo do conhecimento. E esse bem é o objeto das virtudes inteletivas, que nos fazem atinar com a verdade em cada caso particular. – Outro bem é o que respeita ao ato da virtude apetitiva, que nos faz ter o apetite reto de aplicar a potência cognoscitiva de um modo ou de outro, a um objeto ou a tal outro. E isto pertence à virtude da estudiosidade, que por isso, se conta entre as virtudes morais.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz o Filósofo, para o homem tornar–se virtuoso, há de contrariar aquelas inclinações a que sobretudo o impele a natureza. E daí resulta, que, como a natureza sobretudo inclina a temer os perigos mortais e a buscar os prazeres da carne, o mérito da virtude da fortaleza consiste precípua, mente numa certa firmeza pela qual persistentemente afrontamos esses perigos; e o mérito da virtude da temperança, em refrearmos de certo modo os prazeres da carne. Mas, relativamente ao conhecimento há em nós uma inclinação contrária. Porque, pela nossa alma somos levado a desejar o conhecimento das coisas; e, assim, é louvável refrearmos esse apetite, para não buscarmos com excesso o conhecimento delas. Mas, pela sua natureza corpórea, o homem se inclina a fugir do trabalho de buscar a ciência. Quanto ao primeiro ponto, pois, a estudiosidade consiste em refrear; e faz parte da temperança. Mas, quanto ao segundo, o mérito dessa virtude consiste na força da aplicação empregada para obtermos a ciência; e disso tira ela a sua denominação. Ora, a primeira inclinação é mais essencial a esta virtude, que a segunda. Pois, o desejo de conhecer tem como objeto essencial o conhecimento, ao qual se ordena a estudiosidade. Mas, o trabalho de aprender é de certo modo um impedimento para o conhecimento; por isso, diz respeito a essa virtude, acidentalmente, como removente de um obstáculo.