Art. 2 — Se Cristo fez milagres por poder divino.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não fez milagres por poder divino.

1. — Pois, a virtude divina é onipotente. Ora, parece que Cristo não foi onipotente nos seus milagres; assim, como diz o Evangelho, não podia ali, istoé, na sua pátria, fazer milagre algum. Logo, parece que não fez milagres por poder divino.

2. Demais. — Não é próprio de Deus orar. Ora, Cristo às vezes orou na ocasião de fazer milagres, como o demonstra a ressurreição de Lázaro e a multiplicação dos pães. Logo, parece que não fez milagres por poder divino.

3. Demais. — O que o poder divino faz não o pode o de nenhuma criatura. Ora, o que Cristo fazia também qualquer criatura podia fazer; por isso os fariseus diziam, que expelia os demônios em virtude de Belzebu, príncipe dos demônios. Logo, parece que Cristo não fez milagres por poder divino.

Mas, em contrário, diz o Senhor: O Pai, que está em mim, esse é o que faz as obras.

SOLUÇÃO. — Como estabelecemos na Primeira Parte, verdadeiros milagres só o poder divino pode fazê-las; pois, só Deus pode mudar a ordem da natureza, o que constitui o milagre. Por isso Leão Papa diz, que tendo Cristo duas naturezas, uma delas — a divina, refulge pelos seus milagres; a outra — a humana, é a que sucumbe ao sofrimento. E, contudo uma delas age pela comunicação da outra, isto é, enquanto a natureza humana é instrumento da ação divina, e a ação humana recebe a sua virtude da natureza divina, como estabelecemos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O dito do Evangelho — não podia ali jazer milagre algum — não se refere ao poder absoluto, mas ao que Cristo fazia por conveniência. Assim, não era conveniente operasse milagres entre incrédulos; por isso o evangelista acrescenta: E se admirava da incredulidade deles. E neste sentido a Escritura diz: Acaso poderei eu ocultar a Abraão o que estou para fazer? E ainda: Não poderei fazer nada enquanto tu lá não tiveres entrado.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Comentando aquele lugar do Evangelho — Tomando os cinco pães e os dois peixes, com os olhos no céu abençoou e partiu os pães — diz Crisóstomo: Era necessário crer que Cristo vinha do Pai, de quem era o igual. Por isso, a fim de manifestar uma e outra causa, ora faz milagres pelo seu próprio poder, outras vezes depois de ter orado. Assim, quando se trata de milagres menores, como a da multiplicação dos pães, levanta os olhos para o céu; mas, em se tratando dos milagres maiores, como o de perdoar os pecados ou ressuscitar os mortos, que só Deus pode fazer, então age por poder próprio. — Quanto ao dito do Evangelho, que na ressurreição de Lázaro, levantou os olhos ao céu, não para implorar um socorro celeste, mas para dar exemplo, assim procedeu. Por isso diz: Falei assim por atender a este povo, que está à roda de mim, para que eles creiam que tu me enviaste.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo expelia os demônios por uma virtude diferente da com que os demônios o fazem. Pois, pelo poder dos demônios superiores os demônios são expulsos do corpo humano, continuando porém a ter domínio sobre a alma; porque o diabo não age contra o seu próprio reino. Ao passo que Cristo expulsava os demônios não só do corpo, mas sobretudo da alma. Por isso o Senhor reprovou a blasfêmia dos fariseus que diziam expulsar ele os demônios com o poder destes, E reprovou, primeiro, porque Satanás não entra em divisão consigo mesmo; segundo, para exemplo dos outros, que expulsavam os demônios pelo Espírito de Deus; terceiro, porque não poderia expulsar o demônio se não o tivesse vencido pelo seu poder divino; quarto, porque nada de comum tinha com Satanás, nem pelas suas obras nem pelo efeito delas; pois, Satanás procurava dispersar aqueles que Cristo unia.