Art. 6 — Se a morte de Cristo produziu algum efeito para a nossa salvação.

O sexto discute-se assim. — Parece que a morte de Cristo não produziu nenhum efeito para a nossa salvação.

1. — Pois, a morte é uma certa privação a da vida. Ora, a privação, não sendo nenhuma realidade, não tem nenhuma virtude ativa. Logo,
nada podia produzir para a nossa salvação.

2. Demais. — A Paixão de Cristo obrou a nossa salvação a modo de mérito. Ora, assim não podia produza-Ia a sua morte; pois pela morte separa-se do corpo e alma, a qual é o princípio do mérito. Logo, a morte de Cristo nada produziu para a nossa salvação.

3. Demais. — O corporal não pode ser a causa do espiritual. Ora, a morte de Cristo foi corporal. Logo, não podia ser a causa espiritual da nossa salvação.

Mas, em contrário, diz Agostinho: A morte única do nosso Salvador, isto é, a corpórea, foi a salvação para as duas mortes nossas, a saber, a da alma e a do corpo.

SOLUÇÃO. — De dois modos podemos considerar a morte de Cristo: no seu devir e na sua realização. – Assim, dizemos que a morte de alguém está no seu devir, quando tende para ela, por algum sofrimento natural ou violento. E neste sentido, o mesmo é falar da morte e da Paixão de Cristo. Em tal acepção, pois, a morte de Cristo é a causa da nossa salvação, conforme ao que dissemos ao tratar da Paixão. – Mas a morte de Cristo é considerada como realizada, pelo fato da separação entre o seu corpo e a sua alma. E tal é o sentido em que agora tratamos dessa morte. Ora, nesta acepção, a morte de Cristo não pode ser causa da nossa salvação a modo de mérito, mas só a modo de eficiência; isto é, enquanto que nem pela morte a divindade se separou do corpo de Cristo. Donde, tudo o que se passou com o corpo de Cristo, mesmo depois de separado da alma, foi-nos salutífero, era virtude da divindade que lhe estava unida. – Mas, o efeito de uma causa é propriamente considerado tendo-se em vista a semelhança com ela. Por onde, sendo a morte uma privação da vida própria, o efeito da morte de Cristo deve ser considerado relativamente àremoção dos obstáculos contrários ànossa salvação; a esses são a morte da alma e a do corpo. Por isso, dizemos, que a morte de Cristo destruiu em nós tanto a morte da alma – segundo aquilo do Apóstolo: O qual foi entregue por nossos pecados – como a do corpo, consistente na separação da alma – segundo aquele outro lugar: Flagrada foi à morte na vitória.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A morte de Cristo obrou a nossa salvação em virtude da divindade que lhe estava unida, e não só em razão da morte.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A morte de Cristo, considerada como realizada, embora não tenha obrado a nossa salvação a modo de mérito, operou-a, contudo a modo de eficiência como dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A morte de Cristo foi, por certo, corporal; mas o seu corpo foi o instrumento da divindade que lhe estava unida, obrando em virtude dela, mesmo enquanto morto.