Art. 1 — Se devia Cristo descer ao inferno.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não devia Cristo ter descido aos infernos.

1. — Pois, diz Agostinho: Nunca pude encontrar na Escritura a palavra inferno significativa de qualquer bem. Ora, a alma de Cristo não desceu para nenhum mal, porque nem as almas dos justos para nenhum mal desceram. Logo parece que não devia Cristo ter descido aos infernos.

2. Demais. — Descer aos infernos não podia convir a Cristo em razão da natureza divina, absolutamente imutável; mas só lhe podia convir em razão da natureza assumida. Ora, tudo o que Cristo fez ou sofreu, em virtude da natureza assumida, se ordena à salvação humana. E para isso não era necessário que descesse aos infernos; pois, pela sua paixão, que padeceu neste mundo, livrou-nos da culpa da pena, como se disse. Logo, não devia Cristo ter descido aos infernos.

3. Pela morte de Cristo a alma se lhe separou do corpo, o qual foi depositado no sepulcro, como se disse. Ora, parece que não foi a sua alma isolada, a que desceu aos infernos. Pois, a alma, sendo incorpórea, não pode mover-se localmente, o que é um movimento material, como o prova Aristóteles; e a descida implica um movimento material. Logo, não devia Cristo ter descido aos infernos.

Mas, em contrário, o Símbolo (dos apóstolos): desceu aos infernos. E o Apóstolo: Quanto a dizer subiu, porque é isto senão porque também antes havia descido aos lugares mais baixos da terra? Comentário de Glosa: isto é, aos infernos.

SOLUÇÃO. — Cristo devia ter descido ao inferno. — Primeiro, porque veio carregar com a nossa pena, para dela nos livrar, segundo aquilo da Escritura: Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo carregou com as nossas dores. Pois, pelo pecado o homem não somente incorreu na morte do corpo, mas também teve que descer aos infernos. Por onde, assim como devia morrer para nos livrar da morte, conveniente foi que descesse aos infernos para nos livrar dessa descida. Por isso diz a Escritura: ómorte, eu serei a tua morte; óinferno, eu serei a tua mordedura. – Segundo, porque devia, uma vez vencido o diabo pela Paixão, arrebatar-lhe os que tinha encarcerados no inferno, segundo a Escritura: Tu também pelo sangue do teu testamento fizeste sair os teus presos do lago. E o Apóstolo: Despojando os principados e potestades, os trouxe confiadamente. – Terceiro, a fim de, como mostrou o seu poder na terra, nela vivendo e morrendo, assim também mostrasse o seu poder sobre o inferno, visitando-o e iluminando-o. Donde o dizer a Escritura: Levantai, ópríncipes, as vossas portas; isto é, comenta a Glosa, ópríncipes do inferno; deponde o vosso poder, com que até agora detínheis as almas no inferno; e assim, segundo diz o Apóstolo, ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, não só dos que estão nos céus, mas também nos infernos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O nome de infernos exprime o mal da pena e não o da culpa. Por isso devia Cristo descer ao inferno: não que fosse devedor da pena, mas para livrar os que a ela tinham sido entregues.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A Paixão de Cristo foi a como causa universal da salvação humana, tanto dos vivos como dos mortos. Ora, uma causa universal se aplica a efeitos particulares por algum meio especial. Por onde, assim como a virtude da Paixão de Cristo se aplica aos vivos pelos sacramentos, que nos assemelham a Cristo padecente, assim também se aplicou aos mortos pela descida de Cristo aos infernos. Por isso a Escritura diz sinaladamente: Pelo sangue do teu testamento fizeste sair os teus presos do lago, isto é, pela virtude da tua paixão.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A alma de Cristo não desceu aos infernos por aquele gênero de movimentos com que se movem os corpos; mas pelo gênero de movimento com que se movem os anjos, como estabelecemos na Primeira Parte.