Art. 6 — Se Cristo livrou alguns condenados do inferno.

O sexto discute-se assim. — Parece que Cristo livrou certos condenados do inferno.

1. — Pois, diz a Escritura: Serão atados todos juntos num feixe para serem lançados no lago e ficarão ali encerrados no cárcere e depois de muitos dias serão visitados. E esse lugar se refere aos condenados que adoraram a milícia do céu. Logo, parece que também os condenados Cristo os visitou na sua descida dos infernos. O que portanto lhes dizia respeito àliberação.

2. Demais. — Ao lugar da Escritura: Tu também pelo sangue do teu testamento fizeste sair os teus presos do lago em que não há água — diz a Glosa: Tu livraste os que estavam retidos presos nos cárceres, onde não os refrigerava em nada aquela misericórdia pedida pelo rico do Evangelho. Ora, só os condenados são os encerrados em cárceres, sem misericórdia. Logo, Cristo libertou certos condenados do inferno.

3. Demais. — O poder de Cristo não foi menor no inferno que neste mundo; pois, em ambos esses lugares ele agiu pelo poder da sua divindade. Ora, neste mundo libertou muitos, de todos os estados. Logo, também livrou certos dos condenados do inferno.

Mas, em contrário, a Escritura: Òmorte, eu serei a tua morte; ó inferno, eu serei a tua mordedura! E comenta a Glosa: Tirando do inferno os eleitos, mas lá deixando os réprobos. Ora, só os réprobos estão no inferno dos condenados. Logo, pela descida de Cristo aos infernos não foi livrado nenhum dos condenados.

SOLUÇÃO. — Como dissemos Cristo, descendo aos infernos, obrou em virtude da sua Paixão. Por onde, a sua descida aos infernos só produziu o fruto da libertação aos que estavam unidos à Paixão de Cristo pela féinformada pela caridade, que tira os pecados. Quanto aos condenados ao inferno, ou de todo não tinham fé na Paixão de Cristo, como os infiéis; ou se a tinham, nenhuma conformidade tinham com a caridade de Cristo padecente. Por isso também não foram purificados dos seus pecados. Por onde, a descida de Cristo aos infernos não lhes causou a liberação do reato da pena infernal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Pela sua descida aos infernos Cristo de certo modo visitou todos os que estavam em qualquer parte deles. Mas certos, para consolação e libertação; e certos outros, os condenados, para vergonha e confusão. Por isso, no mesmo lugar se acrescenta: E a lua se envergonhará e se confundirá o sol, etc. — Mas a passagem pode ainda referir-se à visitação que hão de receber os condenados no dia de juízo, não para serem livrados, mas para serem mais confirmados na sua condenação, segundo aquilo da Escritura: Virei com a minha visita sobre os homens que estão encravados nas suas fezes.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O dito da Glosa — nenhuma misericórdia os refrigerava, entende-se do refrigério da perfeita liberação. Porque os santos Patriarcas não podiam ser livrados dos cárceres do inferno, antes do advento de Cristo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não foi por falta de poder que Cristo não livrou a certos de cada um dos estados do inferno, como livrou a muitos dos vários estados da terra; mas por causa das condições diversas destes e daqueles. Pois, os homens, enquanto vivem podem converter-se àfé e àcaridade; porque nesta vida não estão confirmados no bem nem no mal, como o estarão depois de saírem dela.