Art. 1 — Se o poder judiciário deve ser especialmente atribuído a Cristo.

Parece que o poder judiciário não deve ser especialmente atribuído a Cristo.

1. — Pois, julgar é um poder próprio de quem é senhor, em relação aos seus súditos. Por isso pergunta o Apóstolo: Quem és tu que julgas o servo alheio. Ora, ter o domínio das criaturas é comum a toda a Trindade. Logo, o poder judiciário não deve ser atribuído especialmente a Cristo.

2. Demais. — Daniel diz: O antigo dos dias se assentou. E acrescenta: Assentou-se o juízo e abriram-se os livros. Ora, pelo Antigo dos dias entende-se o Padre; porque, como diz Hilárío, o Padre é eterno. Logo, o poder judiciário deve ser atribuído antes ao Pai que a Cristo.

3. Demais. — Compete julgar a quem compete arguir. Ora, arguir compete ao Espírito Santo, conforme o diz o Senhor: Ele quando vier, isto é, o Espírito Santo, arguirá o mundo do pecado e da justiça e do juízo. Logo, o poder judiciário deve ser atribuído antes ao Espírito Santo que a Cristo.

Mas, em contrário, a Escritura, referindo-se a Cristo: Ele é o que por Deus foi constituído juiz de vivos e mortos.

SOLUÇÃO. — A emissão de um juízo exige três condições. Primeiro, o poder de governar súditos, donde o dizer a Escritura: Não pretendas ser juiz se não tens valor para romperes com esforço por entre as iniquidades. Em segundo lugar é necessário a retidão do zelo, isto é, não devemos proferir o juízo por ódio ou inveja, mas por amor da justiça, segundo aquilo da Escritura: Porque o Senhor castiga aquele a quem ama e acha nele a sua complacência como um pai a seu filho. Terceiro, é necessária a sabedoria, fundada na qual formamos o juízo, donde o dizer a Escritura: O juiz sábio fará justiça ao seu povo. Ora, as duas primeiras condições o juízo as preexige; mas na terceira é que propriamente se funda a forma dele, pois, a razão mesma do juízo é a lei da sabedoria ou da verdade, segundo a qual julgamos. — E como o Filho é a Sabedoria gerada e a Verdade procedente do Pai, que perfeitamente o representa, por isso o poder judiciário é atribuído como próprio ao Filho de Deus. Por isso diz Agostinho: Esta é aquela Verdade incomutável, acertadamente chamada a lei de todas as artes e a arte do Artífice onipotente. Pois, assim como nós e todas as almas racionais julgamos com retidão os nossos inferiores, fundados na Verdade, assim só a Verdade é quem nos julga, quando estamos a ela unidos. Mas julgá-la a ela nem o Pai o pode, pois não é menor que ele. Por isso, o que o Pai julga, por meio dela é que julga. E depois conclui: Portanto o Pai não julga a ninguém, mas deu ao Filho todo poder de julgar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A razão aduzida prova que o poder judiciário é comum a toda a Trindade; o que é verdade. Contudo e por uma certa apropriação, o poder judiciário é atribuído ao Filho, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, ao Pai é atribuída à eternidade para pôr em evidência o princípio, implicado na idéia de eternidade. Assim, no mesmo lugar diz ainda, que o Filho é a arte do Pai. Por onde, a autoridade de julgar é atribuída ao Pai enquanto princípio do Filho; mas a função mesma de julgar é atribuída ao Filho, que é a arte e a sabedoria do Pai. De modo que, assim como o Pai faz tudo pelo Filho, como a arte sua que é, assim também tudo julga pelo Filho, por ser este a sua sabedoria e ·a sua verdade. Tal é o significado das palavras de Daniel, quando diz que o Antigo dos dias se assentou, acrescentando depois, que o Filho do homem chegou até o Antigo dos dias e lhe deu o poder e a honra e o reino. Dando assim a entender, que a autoridade de julgar é própria do Pai, de quem o Filho recebe o poder de julgar.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como explica Agostinho, quando Cristo disse que o Espírito Santo arguirá o mundo do pecado, é como se tivesse dito: Ele difundirá nos nossos corações a caridade. E é assim que, livres do temor, tereis a liberdade de arguir. Por onde, ao Espírito Santo é atribuído o juízo, não quanto à essência dele, mas quanto ao desejo de julgar, que os homens têm.