Art. 3 — Se ninguém, a não ser o justo, pode receber sacramentalmente a Cristo.

O terceiro discute-se assim. — Parece que ninguém a não ser o justo, pode receber sacra­mentalmente a Cristo.

1. — Pois, diz Agostinho: Para que preparas dentes e ventre? Crê e já comeste. Pois, crer nele é comer o pão da vida. Ora, o pecador não crê em Deus por não ter fé formada, que nos faz crer em Deus, como estabelecemos na Segunda Parte. Logo, o pecador não pode receber este sacramen­to, que é o pão dos vivos.

2. Demais. — Este sacramento é chamado o sacramento da caridade, por excelência. Ora, assim como os infiéis estão privados da fé, assim todos os pecadores o estão da caridade. Ora, os infiéis não podem receber sacramentalmente este sacramento; pois, a sua fórmula reza — mistério da fé. Logo, pela mesma razão, também nenhum pecador pode receber sacramentalmente o corpo de Cristo.

3. Demais. — O pecador é mais abominável a Deus que uma criatura irracional. Assim, diz a Escritura, do homem pecador: O homem que vive na opulência e não reflete, assemelha-se aos animais que perecem. Ora, o animal bruto, por exemplo, um rato ou um cão, não pode rece­ber este sacramento; como também não pode re­ceber o sacramento do batismo. Logo, parece que, pela mesma razão, os pecadores não podem rece­ber este sacramento.

Mas, em contrário, àquilo do Evangelho — Os vossos pais comeram o maná no deserto e morreram, diz Agostinho: Muitos que recebem do altar recebem a morte: donde dizer o apóstolo, que comem e bebem o próprio juízo. Ora, por terem recebido o corpo de Cristo, não morrem senão os pecadores. Logo também os pecadores, e não só os justos, podem receber sacramentalmente o corpo de Cristo.

SOLUÇÃO. — Nesta matéria certo antigo erram, dizendo que o Corpo de Cristo não o podem sacramentalmente receber os pecadores; mas, logo que lhes toca os lábios, imediatamente deixa o cor­po de Cristo de estar sob as espécies sacramentais. — Mas isto é errôneo. Pois, encontra a verdade deste sacramento, no qual, como dissemos, o corpo de Cristo não deixa de estar enquanto permane­cem as espécies. Ora, as espécies permanecem, en­quanto permaneceria a espécie do pão, se aí esti­vesse, como dissemos. Mas, é manifesto que a substância do pão, recebida pelo pecador, não deixa por isso imediatamente de existir, mas permanece, até ser digerida pelo calor natural. Por onde, durante esse mesmo tempo o corpo de Cristo existe sob as espécies sacramentais recebi­das pelos pecadores. Donde devemos concluir, que o pecador pode receber sacramentalmente o corpo de Cristo, e não só o justo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­As palavras citadas e outras semelhantes devem entender-se da recepção espiritual do sacramen­to, que não cabe aos pecadores. Por onde, foi de uma errada interpretação dessas palavras, que nasceu o erro referido, por não saberem distin­guir entre a manducação corporal e a espiritual.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Mesmo que um infiel receba as espécies sacramentais, recebe o corpo de Cristo sob o sacramento. E portanto, recebe a Cristo sacramentalmente, se o advérbio — sacra­mentalmente — determina o verbo por parte do sacramento recebido. Se o for porém da parte de quem o recebe, então este, propriamente falando, não o recebe sacramentalmente, por não usar do que recebe como sacramento, mas como simples comida. Salvo se o infiel tiver a intenção de re­ceber o que a Igreja confere, embora não profes­se a verdadeira fé relativamente aos outros arti­gos do mesmo sobre este sacramento.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Mesmo que um rato ou um cão coma a hóstia consagrada a substân­cia do corpo de Cristo não deixa de estar sob as espécies, enquanto essas espécies permanecerem, isto é, enquanto permanecer a espécie do pão. Assim também, se fosse atirada no lodo. Nem isso re­dunda em detrimento da dignidade do corpo de Cristo, que, quis ser crucificado pelos pecadores, sem diminuição da sua dignidade. Sobretudo que o rato nem o cão tocam o corpo de Cristo na sua espécie própria, mas só nas espécies sacramen­tais. — Certos porém (Guilmundo, Abelardo, Pedro Lombardo) disseram que logo que o sacra­mento é tocado pelo rato ou pelo cão, deixa nele estar o corpo de Cristo. O que encontra a verdade do sacramento como dissemos. — Nem contudo, devemos dizer que o animal bruto coma sacramentalmente o corpo de Cristo, por não ser de natureza a poder usar deste sacramento. Por onde, come o corpo de Cristo, não sacramental, mas acidentalmente; assim como o comeria quem recebesse a hóstia consagrada, sem saber que es­tava consagrada. E como o acidental não entra na divisão de nenhum gênero, por isso, este modo de comer o corpo de Cristo não é considerado como um terceiro, além do sacramental e do es­piritual.