Art. 3 — Se a ingratidão do pecado subseqüente à penitência faz ressurgir um tão grande reato quanto o fora o dos pecados antes perdoados.

O terceiro discute-se assim. — Parece que a ingratidão do pecado subseqüente à penitência faz ressurgir um tão grande reato quanto o fora o dos pecados antes perdoados.

1. — Pois, tal a grandeza do pecado e tal a grandeza do benefício pelo qual ele é perdoado. E por conseqüência, a grandeza da ingratidão, pela qual esse benefício é desprezado. Ora, a quantidade de ingratidão depende da quantidade do reato subseqüente. Logo, a ingratidão do pe­cado subseqüente à penitência faz ressurgir um tão grande reato quanto o fora o reato de todos os pecados procedentes.

2. Demais. — Mais peca quem ofende a Deus que quem nos ofende. Ora, o servo manumisso e culpado é reduzido pelo Senhor à mes­ma escravidão que antes, e talvez pior. Logo e com maior razão, quem peca contra Deus depois de liberto pelo pecado recai no mesmo reato da pena em que estava antes.

3. Demais. — Refere o Evangelho que o Senhor, cheio de cólera, mandou Que o entregas­sem, aquele a quem os pecados perdoados tinham sido reimputados por causa da sua ingratidão, aos algozes até pagar toda a dívida. Ora, tal não se daria se a ingratidão causasse um tão grande reato como o foi o de todos os pecados passados. Logo, a ingratidão faz ressurgir um reato igual.

Mas, em contrário, diz a Escritura: O núme­ro dos golpes regular-se-á pela qualidade do pecado. Por onde, é claro, que um pequeno pecado não causa um grande reato, Mas às vezes o pe­cado mortal subseqüente à penitência é muito menor que qualquer dos pecados antes perdoados. Logo, o pecado subseqüente à penitência não faz surgir um tão grande reato quanto o fora o dos pecados já perdoados.

SOLUÇÃO. — Certos disseram, que o pecado subseqüente produz, por causa da sua ingratidão, um tão grande reato quanto o fora o dos pecados já perdoados, além do reato próprio a esse pe­cado. — Mas não é necessário que assim seja. Porque, como vimos o reato dos pecados prece­dentes não volta por causa do pecado subsequen­te, enquanto resultava dos atos pecaminosos passados, mas enquanto procedente do ato des­se pecado consecutivo à penitência. Por onde e necessariamente, a intensidade do reato, que res­surge, há de depender da gravidade do pecado subsequente. Mas isto nem sempre se dá neces­sariamente, quer nos referimos à sua gravidade especifica, como, por exemplo, no caso de ser o pecado subsequente uma fornicação simples, e os pe­cados terem sido adultérios, homicídios ou sacri­légios; quer consideremos a sua gravidade resul­tante da ingratidão anexa. Pois não é necessá­rio seja a extensão da ingratidão absolutamente igual à quantidade do benefício recebido cuja quantidade depende da quantidade dos pecados anteriormente perdoados. Pode dar-se porém que, em relação ao mesmo benefício, um seja muito ingrato ou pela importância do benefício desprezado, ou pela gravidade da culpa cometida contra o benfeitor; ao passo que outro o se a pouco, ou por ter desprezado menos, ou por ter agido menos contra o benfeitor. Mas, proporcio­nalmente, a quantidade da ingratidão se mude pela quantidade do beneficio; suposto, pois um desprezo igual do benefício, ou igual a ofensa ao benfeitor, tanto mais grave será a ingratidão quanto maior for o benefício. — Por onde é ma­nifesto, que não é de necessidade que, por causa da ingratidão, sempre o pecado subseqüente cause um tão grande reato da pena quanto o era o dos pecados procedentes. Mas o é, que proporcionalmente, quanto mais e maiores foram os pecados perdoados, tanto maior volta o reato causado por qualquer pecado mortal subseqüente à penitência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­O benefício da remissão da culpa tira a sua quan­tidade absoluta da quantidade dos pecados antes perdoados. Mas a extensão da ingratidão não recebe a sua quantidade absoluta da quantidade do benefício, senão da grandeza do desprezo ou da ofensa, como se disse. Por isso a objeção não colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O escravo manumisso não volta à anterior servidão por causa de qual­quer ingratidão, mas por uma ingratidão grave.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Aquele a quem os pecados remitidos são reimputados por uma in­gratidão subsequente, responde por toda a sua divida, enquanto que o grau de culpabilidade in­corrida pelos pecados precedentes reaparece pro­porcionalmente, e não absolutamente, na ingra­tidão subseqüente, como dissemos.