Art. 4 — Se Cristo, enquanto homem, é filho adotivo de Deus.

O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo, enquanto homem, é filho adotivo de Deus.

1. — Pois, diz Hilário, referindo-se a Cristo: Não perde a dignidade do poder quando adapta a humildade da carne. Logo, Cristo, enquanto homem, é filho adotivo.

2. Demais. — Agostinho diz, que Cristo é homem pela mesma graça pela qual alguém se torna Cristão em virtude da fé inicial. Ora, os outros homens são Cristãos pela graça da adoção. Logo, também Cristo é homem por adoção E portanto, é filho adotivo.

3. Demais. — Cristo, enquanto homem, é servo. Ora, é mais digno ser filho adotivo, que servo. Logo, com maior razão, Cristo, enquanto homem é filho adotivo.

Mas, em contrário, diz Ambrósio: Não consideramos o filho adotivo como filho por natureza; mas dizemos filho por natureza o que verdadeiramente o é. Ora, Cristo é verdadeiro e natural Filho de Deus, segundo o Evangelho: Para que estejamos em seu verdadeiro Filho, Jesus Cristo. Logo, Cristo, enquanto homem, não é filho adotivo.

SOLUÇÃO. — A filiação propriamente convém à hipóstase ou à pessoa, mas não à natureza; por isso na Primeira Parte dissemos, que a filiação é uma propriedade pessoal. Ora, em Cristo não há outra pessoa ou hipóstase além da incriada, o que convém ser Filho por natureza. Pois, como dissemos, a filiação da adoção é uma semelhança participada da filiação natural. Ora, não dizemos que existe participativamente o que por si mesmo existe. E por isso, Cristo. que é por natureza Filho de Deus, de nenhum modo pode ser chamado filho adotivo. — Quanto aos que atribuem a Deus duas pessoas ou duas hipóstases ou dois supostos, nada racionalmente os impediria dizer que Cristo, enquanto homem, é filho adotivo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como a filiação propriamente não convém à natureza, assim também não, a adoção. E por isso, é expressão imprópria dizer que foi adotada a humildade da carne; entendendo-se aí por adoção a união da natureza humana com a pessoa do Filho.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa semelhança de Agostinho devemos entendê-la quanto ao princípio; isto é, porque, assim como não é por méritos de sua parte que qualquer homem é Cristão, assim não foi por nenhum mérito que o homem Cristo foi Cristo. Mas esses dois casos diferem pelo termo, porque Cristo, pela graça da união, é Filho por natureza; ao passo que qualquer homem é filho adotivo pela graça habitual. Mas, a graça habitual, em Cristo, não o fez passar, de não filho, a filho adotivo; é apenas uma consequência da filiação natural, na alma de Cristo, segundo aquilo do Evangelho: Nós vimos a sua glória, como de Filho unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O ser criatura e também a servidão ou a sujeição a Deus não respeitam só à pessoa mas ainda à natureza; o que não pode dizer-se da filiação. Por isso não colhe a comparação.