Art. 3 ─ Se as almas, que estão no céu ou no inferno, podem sair de lá.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que as almas, que estão no céu ou no inferno, de lá, não podem sair.

1. ─ Pois, Agostinho diz: Se as almas dos mortos cuidassem das cousas desta vida, minha piedosa mãe, para só dar este exemplo, nenhuma noite me abandonaria, ela que transpunha terras e mares para estar a meu lado. Donde conclui que as almas dos defuntos não se intrometem na vida humana. Ora, podiam fazê-la se pudessem sair das suas moradas. Logo, não podem delas sair.

2. Demais. ─ A Escritura diz: Que habite eu na casa do Senhor todos os dias da minha vida. E noutro lugar: Aquele que descer aos infernos não subirá. Logo, tanto os bons como os maus não sairão das suas moradas.

3. Demais. ─ Os lugares atribuídos às almas, depois da morte, o foram como prêmio ou castigo. Ora, depois da morte, não diminuirão nem o prêmio dos santos nem a pena dos condenados. Logo, não podem sair dos lugares que lhes foram atribuídos.

Mas, em contrário. ─ Diz Jerônimo a Vigilância: Pois, dizes que as almas dos Apóstolos e dos mártires, que tiveram como destino o seio de Abraão, o lugar de refrigério ou os que estão sob o olhar de Deus, não podem, mesmo querendo, vir ter aos seus túmulos, na terra. E assim impões leis a Deus, atas com vínculos os Apóstolos, que os prenderão até ao dia do juízo, sem poderem entrar no gozo do seu Senhor, a eles dos quais foi escrito ─ Seguem ao Cordeiro seja para onde for que vão. ─ Mas, se o Cordeiro está em toda parte, podemos crer que também os santos estarão com ele, achem-se onde se acharem. É portanto falso dizer que as almas dos mortos não podem sair das suas moradas.

2. Demais. ─ Jerônimo, no mesmo lugar, assim argumenta: Se o diabo e os demônios vagam por toda a terra, presentes em toda parte com incrível rapidez, os mártires não poderão, eles que derramaram o seu sangue, sair da arca do altar celeste? Donde se pode concluir que não só os bons, mas também os maus, lhes é possível sair dos lugares onde estão; pois, não sofrem maior condenação que os demônios que vagam por toda parte.

3. Demais. ─ O mesmo podemos provar com Gregório, quando narra de muitos mortos, que apareceram aos vivos.

SOLUÇÃO. ─ De dois modos podemos entender que uma alma saiu do inferno ou do paraíso. ─ Primeiro, absolutamente falando, de modo que saíam de um ou outro desses lugares, que deixará portanto de lhes ser a morada. Ora, assim, ninguém que tenha sido definitivamente destinado ao inferno ou ao céu, poderá dele sair, como mais adiante diremos. ─ Noutro sentido podemos entender a saída como temporária. E então devemos distinguir entre o que convém aos espíritos pela lei da sua natureza, e o que lhes convém pela ordem da divina providência. Pois, como diz Agostinho, uns são os limites das causas humanas, e outros os sinais do poder divino; uns são os fenômenos naturais e outros, os miraculosos.

Ora, segundo o curso natural das cousas, as almas separadas, uma vez nos lugares que lhes foram destinados, ficam completamente segregadas da convivência humana. Pois, pelo curso da natureza, os que ainda vivemos unidos ao corpo mortal não temos nenhum comércio imediato com as substâncias separadas, porque todos os nossos conhecimentos tem a sua origem nos sentidos. Ora, as almas dos mortos não poderiam sair das suas moradas senão para intervir nas cousas humanas.

Mas por disposição da divina providência, por vezes as almas separadas, saindo das suas moradas, apareceram à vista dos homens. Assim Agostinho conta, no livro referido, que o mártir Felix apareceu visivelmente aos cidadãos de Nola, quando esta cidade foi atacada pelos bárbaros. E também podemos crer tenha sido às vezes permitido aos condenados, para advertirem e aterrarem os homens, aparecerem aos vivos. Ou também para pedirem sufrágios, se se trata de almas do purgatório; ou por muitas outras razões aduzídas. Mas há entre os santos e os condenados a diferença, que os santos podem aparecer aos vivos quando quiserem, mas não os condenados. Pois, aqueles, enquanto ainda vivem neste mundo, recebem, pelos dons da graça gratuita, o poder de obrar curas e prodígios, maravilhas de que só o poder divino é capaz, e que não podem ser feitos por quem não recebeu os dons referidos. Assim também nenhum inconveniente há em, por virtude da glória, ser dada uma faculdade às almas dos santos, de modo a poderem, quando quiserem, aparecer aos vivos milagrosamente. O que os condenados não podem senão quando lhos for permitido.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Agostinho, como se vê pela continuação do texto, fala segundo o curso comum da natureza. ─ Mas nem daí se segue, mesmo admitindo que os mortos possam aparecer aos vivos quando quiserem, que o façam tantas vezes quantas apareciam enquanto ainda viviam unidos ao corpo. Porque, uma vez separados do corpo, ou se conformam absolutamente com a vontade divina, de modo que aparecer aos vivos não lhes será possível senão enquanto pareça conveniente por disposição divina; ou ficarão de tal modo oprimidos pela pena, que, muito mais abismados estarão na sua miséria, que pressurosos de aparecer aos vivos.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As autoridades citadas querem dizer que ninguém pode, absolutamente falando, sair do paraíso nem do inferno; não porém que não o possam temporariamente.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Como do sobredito se colhe, o lugar atribuído a uma alma lhe redunda em pena ou em prêmio, por ficar ela cheia de alegria ou de tristeza, pelo fato de estar em tal lugar. E essa alegria ou essa dor, pelo fato de lhe serem atribuídos esses lugares, acompanham a alma, mesmo quando saia deles. Assim, o pontífice a quem foi dada a honra de sentar-se na cátedra da sua Igreja, não se lhe diminui a glória, quando da cátedra se levanta, pois, embora deixe então de estar sentado nela, nem por isso deixará esse lugar de lhe ser destinado.

Mas devemos também responder às OBJEÇÕES contrárias.

RESPOSTA À PRIMEIRA DELAS. ─ Jerônimo se refere aos Apóstolos e aos mártires, pensando no acréscimo de poder que lhes dá a glória, e não no que lhes convém como resultante da sua natureza mesma. E quando diz que estão em toda parte, não quer significar que estejam simultaneamente em vários lugares ou em toda parte, mas que podem estar onde quiserem.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não há símil entre os demônios e os anjos, e as almas dos santos e dos condenados. Os anjos bons ou maus tem como função presidir ao destino dos homens, guardando-os ou tentando-os. O que não se pode dizer das almas humanas. Contudo, pelo poder que lhes resulta da glória, podem as almas dos santos estar onde quiserem. Tal o que quer dizer Jerônimo.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora possam as almas dos santos ou dos condenados estar presentes onde aparecem, não devemos contudo crer que isso sempre se dê. Pois, às vezes essas aparições se realizam; quer durante o sono ou durante a vigília, por obra dos bons ou maus espíritos, para instrução ou ilusão dos vivos. Assim como também às vezes os vivos aparecem a nos dizerem muitas cousas em sonho, embora se saiba que não estão presentes, do que Agostinho apresenta muitos exemplos.