Art. 7 ─ Se se devem distinguir os tantos receptáculos quantos os referidos.

O sétimo discute-se assim. ─ Parece que não se devem distinguir tantos receptáculos quantos os referidos.

1. ─ Pois, os receptáculos atribuídos às almas, devem ser tantos, por causa do pecado, quantos por causa do mérito. Ora, em razão do mérito, só um receptáculo lhes é atribuído o paraíso. Logo, também um só lhes deve ser atribuído, em razão dos pecados.

2. Demais. ─ Os receptáculos atribuídos à alma depois da morte o são em virtude do mérito ou do demérito. Ora, um só é o lugar onde merecem ou desmerecem. Logo, só um receptáculo lhes deve ser assinalado depois da morte.

3. Demais. ─ Os lugares onde se expiam as penas devem corresponder às culpas cometidas. Ora, só há três espécies de culpa ─ a original, a venial e a mortal. Logo, não deve haver mais de três receptáculos onde se sofram as penas.

Mas, em contrário. ─ Parece que os receptáculos devem ser muito mais que os assinalados. Pois, este ar caliginoso é o cárcere dos demônios, como lemos na Escritura. E contudo não é computado entre os cinco receptáculos, assinalados por certos. Logo, os receptáculos são mais de cinco.

2. Demais. ─ Um é o paraíso terrestre e outro, o celeste. Ora, certos, depois desta vida foram transferidos do paraíso terrestre, como narra a Escritura, de Enoch e de Elias. Logo, não estando o paraíso terrestre enumerado entre os cinco receptáculos, parece que eles são mais de cinco.

3. Demais. ─ A cada estado de pecadores deve corresponder um lugar onde expiem as penas. Ora, a quem morrer maculado só pelo pecado original e pelo venial, não lhe foi assinalado nenhum receptáculo próprio. Pois, no paraíso não poderia entrar, por estar privado da graça. Pela mesma razão, nem no limbo dos meninos, onde não sofrem nenhuma pena sensível, devida contudo a quem morre em pecado venial. Semelhantemente, nem no purgatório, onde não há senão pena temporal; ora, no caso vertente, é devida uma pena perpétua. Enfim, também não no inferno dos condenados, porque não morreu em estado de pecado mortal atual. Logo, um sexto receptáculo lhe deve ser atribuído.

4. Demais. ─ O grau dos prêmios e das penas varia conforme as diferenças das culpas e dos méritos. Ora, infinitos são os graus dos méritos e das culpas. Logo, devem-se distinguir infinitos receptáculos, onde as almas serão punidas ou premiadas depois da morte.

5. Demais. ─ As vezes as almas são punidas nos lugares onde pecaram, como o diz Gregório. Ora, pecaram no lugar onde habitamos. Logo, este lugar também deve ser computado entre os receptáculos, e tanto mais quanto certos são punidos neste mundo pelos seus pecados, como disse o Mestre.

6. Demais. ─ Certos, apesar de mortos em estado de graça, devem ainda sofrer uma pena, por terem alguns pecados veniais. Ao contrário, outros, apesar de mortos Em pecado mortal, merecem contudo um prêmio por boas ações que praticaram. Ora, aos mortos em graça, mas em estado de pecado venial, lhes é atribuído o purgatório, receptáculo onde são punidos, antes de alcançarem o prêmio. Logo e pela mesma razão, mas inversamente, o mesmo se deve dar com os mortos em pecado mortal, mas que praticaram certas boas obras.

7. Demais. – Assim como os Patriarcas tiveram diferida a plenitude da glória da alma até ao advento de Cristo, assim o mesmo se dá hoje com os que vão para o céu, quanto à glória do corpo. Logo, assim como se distingue o receptáculo dos santos Patriarcas, antes da vinda de Cristo, daquele onde atualmente habitam, assim deve este último ser distinto daquele onde devem ser recebidos depois da ressurreição.

SOLUÇÃO. ─ O receptáculo das almas varia conforme o estado delas. Assim, a alma unida ao corpo mortal vive em estado de merecer; mas quando ela se separa do corpo, entra em estado de receber a recompensa ou o castigo, conforme o mereceu. Logo, depois da morte, ou está em estado de receber o prêmio final ou de ser privada dele. Se no de receber a retribuição final, de dois modos pode sê-la. Ou pelo bem, e então entra no paraíso; ou pelo mal e então cai no inferno, se a culpa é atual, ou no limbo dos meninos, se é original. Se porém o seu estado é tal que impede alcançar a retribuição final, ou será por culpa pessoal, e então irá para o purgatório, onde as almas ficam detidas sem poder alcançar logo o prêmio, por causa de pecados que cometeram; ou por defeito da natureza, e então irá para o limbo dos Patriarcas, onde estes estavam impedidos de alcançar a glória, por causa do reato da natureza humana, que ainda não podiam expiar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O bem só de um modo existe, ao passo que o mal é multifário, como diz Dionísio e o Filósofo. Por isso, não há inconveniente em ser um o lugar onde se frui a felicidade, e outro onde se cumprem as penas.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O estado de merecer e desmerecer são um só, pois, no mesmo estado podemos merecer e desmerecer. Por isso a todos os que se acham nesse estado devem ter o mesmo lugar. Mas as almas, que recebem o prêmio pelo que mereceram, estão em estados diversos. Logo, o símil não colhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Pela culpa original pode um ser punido duplamente, como do sobredito se colhe: em razão da pessoa, ou em razão só da natureza. Por isso a tal culpa corresponde um duplo limbo.

RESPOSTA À QUARTA. ─ O ar caliginoso que nos rodeia, não é atribuído aos demônios como lugar onde recebam a paga do que merecem, mas para o exercício da função a que são destinados, que é nos exercer na luta pelo bem. Por isso, esse lugar não é enumerado entre os receptáculos de que ora tratamos; pois, o lugar que propriamente lhes compete é o fogo do inferno, como o ensina o Evangelho.

RESPOSTA À QUINTA. ─ O paraíso terrestre pertence, antes, ao estado do homem viandante que ao estado terminal onde recebe a paga do merecido. Por isso não é contado entre os receptáculos de que agora tratamos.

RESPOSTA À SEXTA. ─ A hipótese do argumento é impossível. Mas se fosse possível, esses tais seriam punidos no inferno eternamente. Pois, se o pecado venial é punido temporalmente no purgatório, é por causa da graça que o acompanha. Mas se se acrescentasse à culpabilidade do pecado mortal, que não é acompanhado de nenhuma graça, seria punido no inferno com a pena eterna. Ora, aquele que supusermos culpado do pecado original e do pecado venial não teria a graça; seria portanto eternamente punido no inferno.

RESPOSTA À SÉTIMA. ─ A diversidade de graus nas penas ou nos prêmios não diversifica os estados, e é pela diversidade deles que se distinguem os receptáculos.

RESPOSTA À OITAVA. ─ Embora as almas separadas sejam às vezes punidas neste mundo que habitamos, não se pode daí concluir seja este o lugar próprio para aqui cumprirem as suas penas; o que só para nossa instrução se dá; a fim de, vendo-Ih’as, abstenhamo-nos das culpas. ─ Quanto às almas ainda unidas ao corpo, neste mundo punidas pelos seus pecados, não vêem ao caso; pois essa pena não as põe fora do estado de merecer ou desmerecer. Ora, agora tratamos dos receptáculos atribuídos à alma depois que já não estão mais no estado de merecer ou desmerecer.

RESPOSTA À NONA. ─ Não há mal que não vá de mistura com algum bem, mas o sumo bem exclui toda mistura de mal. Por onde, só podem entrar no gozo da felicidade, que é o sumo bem, os que foram purificados de todo mal. Por isso é necessário haver um lugar onde se purifiquem, se ainda não estavam perfeitamente puros ao sair da vida. Mas os que foram precipitados no inferno não são destituídos de todo bem. Portanto, não colhe o símil; porque os que estão no inferno podem receber o prêmio das suas boas obras, enquanto o bem que praticaram contribui para lhes mitigar as penas.

RESPOSTA À DÉCIMA. ─ Na glória da alma consiste o prêmio essencial; a glória do corpo porém, que lhe redunda da alma, consiste toda e quase originalmente, na da alma. Portanto, a privação da glória desta diversifica os estados, mas não a privação da glória do corpo. Por isso também o mesmo lugar ─ o céu empíreo ─ é atribuído às almas dos santos separadas do corpo e às unidas a corpos gloriosos. Mas as almas dos Patriarcas, antes de receberem a glória da alma, não deviam ter a mesma morada que tiveram depois.