Art. 3 ─ Se os humores ressurgirão com o corpo.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os humores não ressurgirão com o corpo.

1 ─ Pois, o Apóstolo diz: A carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus. Ora, o sangue é o humor mais principal. Logo, não ressurgirá com o corpo dos bem-aventurados, que possuirão o reino de Deus. Logo e com maior razão, não hão de ressurgir os outros humores.

2. Demais. ─ Os humores servem para reparar as perdas do corpo. Ora, depois da ressurreição o corpo nenhuma perda sofrerá. Logo, o corpo não ressurgirá com os humores.

3. Demais. ─ O que está no corpo humano, em via de ser gerado, ainda não recebeu da alma racional a sua perfeição. Ora, os humores, sendo carne e ossos em potência, estão ainda em via de ser gerados. Logo, ainda não receberam a sua perfeição da alma racional. Ora, o corpo humano não é destinado à ressurreição senão enquanto aperfeiçoado pela alma racional. Logo, os humores não ressurgirão com ele.

Mas, em contrário. ─ O que pertence à constituição do corpo humano ressurgirá com ele. Ora, tais são os humores, conforme Agostinho, que diz: O corpo consta de órgãos, os órgãos de partes similares, e estas de humores. Logo, os humores ressurgirão com o corpo.

2. Demais. ─ A nossa ressurreição será conforme à de Cristo. Ora, Cristo ressurgiu com o sangue; aliás no sacramento do Altar o vinho não se lhe transubstanciaria no sangue. Logo, também o nosso corpo ressurgirá com sangue. E pela mesma razão, com os outros humores.

SOLUÇÃO. ─ Pela razão já dada, tudo o pertencente à integridade da natureza humana, no ressurrecto, ressurgirá. Logo, há de ressurgir com o corpo aquele líquido pertencente à integridade da natureza humana.

Ora, no corpo há três espécies de líquidos.

Uns, não contribuem para a perfeição do Indivíduo. Ou por estarem, como a urina, o suor, o puz e outros, em via de corrupção e serem por isso expulsos; ou pelos ordenar a natureza para a conservação da espécie em outro indivíduo, quer pelo ato da geração, como o sêmen. quer pela função nutritiva, como o leite. E nenhum desses líquidos ressurgirá, por não pertencerem a perfeição do indivíduo ressurrecto.

A segunda espécie de líquidos é a dos que ainda não chegaram à última perfeição que a natureza produz no indivíduo, mas é ordenada a ela pela natureza. ─ E esta espécie é dupla. Porque certos líquidos tem uma forma determinada inclusa entre as partes do corpo; assim o sangue e os outros três humores, que a natureza ordenou a formar os órgãos, pela geração; mas tem certas formas determinadas, como também as outras partes do corpo. E por isso com essas outras ressurgirão. ─ Outros líquidos porém estão em via de passar de uma forma para outra, i. é, da forma de humor para a de órgão. E esses não ressurgirão. Porque depois da ressurreição cada parte do corpo terá a sua forma fixada, de modo que não poderá transformar-se em outra. Por isso não ressurgirá aquele líquido que está no ato mesmo de passar de uma forma para outra. E esses podemos considerá-los num duplo estado. Ou enquanto estão no princípio da transformação; e então se chama ros, que é o líquido existente nos orifícios das pequenas veias, ou enquanto já numa transformação adiantada e começando a mudar de forma, e então se chamam cambium. Ora, em nenhum desses estados ressurgirão.

A terceira espécie de líquido é o que já chegou à perfeição última visada pela natureza, no corpo do indivíduo; já transformado e incorporado nos membros. E essa se chama gluten. E fazendo parte da substância dos membros, ressurgirá, como ressurgirão os demais órgãos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Carne e sangue, nas palavras citadas do Apóstolo, não se devem tomar pela substância da carne e do sangue, mas pelas obras da carne e do sangue, que são as obras do pecado ou da vida animal. ─ Ou, segundo interpreta Agostinho, carne e sangue aí se tomam pela corrupção agora dominante na carne e no sangue. Por isso o Apóstolo acrescenta as palavras: Nem a corrupção possuirá a incorruptibilidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os membros que servem à geração concorrerão, depois da ressurreição, para a integridade da natureza humana e não exercerão mais os atos que exercem nesta vida. Assim também os humores existirão no corpo, não para restaurar as perdas, mas para contribuírem à integridade da natureza humana e à manifestação da virtude dela.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Assim como os elementos estão em via para a geração em relação aos corpos mistos, por serem a matéria destes e não por estarem sempre se transformando para os produzir, o mesmo se dá com os humores em relação aos membros. Por isso, assim como os elementos tem nas partes do universo as suas formas determinadas, razão por que lhe constituem a perfeição, bem como os corpos mistos, assim também os humores, como as outras partes, fazem parte da perfeição do corpo humano, embora não alcancem, como as outras partes, a perfeição total; nem tenham os elementos formas assim perfeitas como os mistos. Ora, assim como todas as partes do universo recebem de Deus a sua perfeição, mas não igualmente, senão cada qual a seu modo, assim também os humores são de certa maneira aperfeiçoados pela alma racional, mas não do mesmo modo por que o são as partes mais perfeitas.