Art. 5 ─ Se pela sua subtileza um corpo glorioso não está mais adstrito a existir num lugar que lhe seja igual.

O quinto discute-se assim. ─ Parece que pela sua subtileza um corpo glorioso não está mais adstrito a existir num lugar que lhe seja igual.

1. ─ Pois, os corpos gloriosos serão conformes ao corpo de Cristo, como diz o Apóstolo. Ora, o corpo de Cristo não está adstrito num lugar que lhe seja igual, antes, está contido todo numa hóstia consagrada de pequena ou grande dimensão. Logo, o mesmo se dará com os corpos gloriosos.

2. Demais. ─ O Filósofo prova, que de dois corpos ocuparem o mesmo lugar resulta que o corpo maior ocupará menos espaço, porque as suas diversas partes poderiam ocupar ao mesmo tempo uma só e mesma parte do espaço. E se dois corpos podem ocupar um mesmo espaço, nada impede que multas também o possam. Ora, um corpo glorioso ocupará simultaneamente o mesmo lugar que outro, segundo a opinião comum. Logo, pode também ser encerrado num espaço mínimo.

3. Demais. ─ Assim como é a cor que toma os corpos visíveis, assim é pela quantidade que ocupam um lugar no espaço. Ora, um corpo glorioso está de tal modo sujeito ao espírito, que poderá ser visto ou não, conforme a sua vontade, sobretudo por olhos não glorificados; tal o caso de Cristo. Logo, de modo a sua quantidade está sujeita ao império do espírito, que poderá o corpo glorioso ocupar um grande ou pequeno espaço e ter pequena ou grande quantidade, conforme lh’o aprouver.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que tudo o que ocupa um lugar, ocupa-o de dimensões igual a si. Ora, o corpo glorioso ocupará um lugar. Logo, um lugar igual a si.

2. Demais. ─ As dimensões de um corpo são idênticas às do lugar que ele ocupa, como o prova Aristóteles. Logo, se um lugar fosse maior que o corpo nele encerrado, a mesma causa seria maior e menor que ela própria. O que é inadmissível.

SOLUÇÃO. ─ Um corpo não se relaciona com um lugar senão mediante as dimensões de um e de outro, pelas quais o corpo que ocupa um lugar é circunscrito pelo contato de outro corpo, que o localiza. Por onde, o ocupar um corpo um lugar menor que o exigido pela sua quantidade, não pode ser senão porque a sua quantidade própria assume tamanho menor.

O que não podemos conceber senão de dois modos.

De um modo, por variação da quantidade da mesma matéria; de maneira que a matéria tivesse, antes, uma quantidade maior, vindo a ser menor depois. E isto certos o atribuíram aos corpos gloriosos, dizendo que fazem variar a sua quantidade como lhes apraz, de modo que poderão, à vontade, ter uma quantidade grande ou pequena. ─ Mas isto é insustentável. Porque nenhum movimento, cujo objeto é o que é intrínseco a uma causa pode existir sem que a substância mesma dessa causa sofra uma alteração. Por isso os corpos incorruptíveis, i. é, os celestes, só podem se mover localmente, movimento que não atinge nada do que intrínsecamente os constitui. Por onde, é claro que a alteração da quantidade da matéria repugnaria à impassibilidade. Donde, além disso, se seguiria que um corpo glorioso seria ora mais rarefeito e ora mais denso. Porque, não podendo sofrer nenhuma divisão na sua matéria, esta teria umas vezes dimensões menores e outras vezes maiores, e assim seria ora mais rarefeito e ora mais denso. O que não é possível.

De outro modo, podemos conceber que a quantidade de um corpo glorioso venha a ser menor por variação do lugar; de modo que as partes desse corpo entrem umas nas outras, de sorte que possa reduzir-se a uma quantidade mínima. E isto certos o pretenderam, dizendo que, em razão da sua subtileza, poderá um corpo não glorioso existir simultaneamente com outro corpo não glorioso no mesmo lugar. Do mesmo modo, poderá uma parte ficar dentro da outra, a ponto de poder um corpo glorioso entrar na sua totalidade por um orifício mínimo do outro corpo. E afirmam que assim o corpo de Cristo nasceu do ventre virginal e entrou, pelas portas fechadas, até onde estavam os discípulos. ─ Mas isto não pode ser. Quer porque um corpo glorioso não será, em razão da sua subtileza, que poderá ocupar simultaneamente com outro o mesmo lugar. Quer também porque se pudesse ocupar o mesmo lugar já ocupado por outro corpo, não seria contudo este último um corpo glorioso como dizem muitos. Quer porque repugnaria à disposição do corpo humano, que exige um lugar determinado e uma determinada diferença de partes. Por isso nem por milagre tal poderia dar-se.

Donde pois devemos concluir que um corpo glorioso ocupará sempre um lugar que lhe seja igual.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O corpo de Cristo não está localmente no sacramento do Altar, como se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A prova do Filósofo se funda na hipótese de uma parte, pela mesma razão, entrasse em outra. Ora, não é possível as partes dos corpos gloriosos entrarem umas nas outras, como dissemos. Logo, a objeção não colhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Um corpo é visto por agir sobre a nossa vista. Mas que nos atinja ou não a vista, nenhuma alteração acarreta para o corpo. Não repugna, pois, que se deixe ver ou não, ao arbítrio da sua vontade. Mas ocupar um lugar não é ação procedente do corpo em razão da sua quantidade, como ver o é em razão da sua cor. Logo, não há símil.