Art. 3 ─ Se todos os méritos ou deméritos, próprios e alheios, serão conhecidos num rápido olhar.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que nem todos os méritos ou deméritos, próprios e alheios, serão conhecidos num rápido olhar.

1. Pois, o que consideramos separadamente não podemos ver de um só olhar. Ora, os condenados considerarão os seus pecados cada um em separado e os deplorarão. Por isso exclamarão: De que nos aproveitou a nós a soberba? etc. Logo, nem tudo verão de um só olhar.

2. Demais. ─ O Filósofo ensina, que não podemos inteligir muitas cousas ao mesmo tempo. Ora, os méritos e os deméritos, próprios e alheios, não poderão ser vistos sem serem compreendidos. Logo, não poderão todos ser vistos ao mesmo tempo.

3. Demais. ─ O intelecto dos condenados, depois da ressurreição, não será mais penetrante do que o dos bons anjos, quanto ao conhecimento natural com que conhecem as cousas por meio de idéias inatas. Ora, com esse conhecimento os anjos não podem ver várias cousas simultaneamente. Logo, nem no juízo poderão os condenados ver simultaneamente todas as obras.

Mas, em contrário. ─ Aquilo de Job ─ Serão cobertos de confusão ─ diz a Glosa: A vista do juiz, todos os males surgirão aos olhos da alma. Ora, verão o juiz subitamente. Logo, também assim os males que cometeram. E pela mesma razão todos os outros.

2. Demais. ─ Agostinho rejeita a hipótese de ser lido no juízo um livro material, onde estarão escritas as ações de cada um, porque ninguém poderia avaliar o tamanho desse livro nem o tempo necessário para o ler. Mas semelhantemente, também ninguém poderia avaliar o tempo necessário para alguém pesar todos os méritos e deméritos, próprios e alheios, se os visse a todos simultaneamente. Logo, devemos admitir que cada um verá tudo ao mesmo tempo.

SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria duas são as opiniões.

Uns dizem que cada um verá num instante todos os méritos e deméritos, próprios e alheios. ─ O que dos bem-aventurados poderemos facilmente crê-lo, porque verão tudo no Verbo e assim não é impossível verem muitas coisas simultaneamente. Mas é difícil admitir essa explicação para os condenados cujo intelecto não foi elevado a ponto de poderem ver a Deus e nele todas as cousas.

Por isso outros pretendem que os maus verão simultaneamente todos os gêneros dos pecados que cometeram, e isso basta para a acusação ou absolvição que deve resultar do juízo, Mas não verão tudo simultaneamente, considerada cada cousa em particular. ─ Mas também esta explicação não concorda com as palavras de Agostinho, quando diz que enumerarão todas as cousas num só ato da inteligência; pois, o que se conhece genericamente não se enumera.

Podemos por isso escolher uma via média: conhecerão cada cousa em particular, mas não num instante, senão num tempo brevíssimo, com a coadjuvação do poder divino. E tal o diz Agostinho, no mesmo lugar, quando afirma que as cousas eles as enumerarão com espantosa celeridade. Nem há nisso impossível, porque em qualquer tempo, por pequeno que seja, há infinitos instantes em potência.

Donde se deduzem claras as respostas às objeções de ambas as partes.