Art. 3 ─ Se com a renovação do mundo aumentará a claridade dos corpos celestes.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que com a renovação do mundo não aumentará a claridade dos corpos celestes.

1. ─ Pois, essa renovação se dará, nos corpos terrestres, pela purificação do fogo. Ora, o fogo purificador não atingirá os corpos celestes. Logo, estes não serão renovados pela suscepção de uma claridade maior.

2. Demais. ─ Assim como os corpos celestes, pelo seu movimento, são a causa da geração dos corpos terrestres, assim também pela sua luz. Ora, cessada a geração, cessará o movimento, como se disse. Logo e semelhantemente, longe de aumentar, a luz dos corpos celestes se extinguirá.

3. Demais ─ Se a renovação do homem acarreta a dos corpos celestes, por força corrompendo-se aquele também se corromperão estes. Ora, isto não é provável, por ser invariável a substância de tais corpos. Logo, também a renovação do homem não acarretará a deles.

4. Demais. ─ Se se corrompessem eles, então, necessariamente havia de sê-lo na mesma medida em que se aperfeiçoariam com a renovação do homem. Ora, a Escritura diz, que no mundo renovado, a luz da lua será como a do sol. Logo, também no seu estado primitivo, antes do pecado, a lua luzia quanto o sol atualmente. Logo, sempre que a lua estava acima do horizonte terrestre, produzia o dia, como o faz agora o sol. O que é manifestamente falso, pelo dito da Escrita, quando refere que a lua foi feita para presidir à noite. Logo, o pecado do homem não acarretou nenhuma diminuição da luz dos corpos celestes. Portanto, nem, segundo parece, lh’as aumentará a glorificação do homem.

5. Demais. – A claridade dos corpos celestes, como a outras criaturas, se ordena ao uso do homem. Ora, depois da ressurreição a claridade do sol não será mais para uso dele, conforme aquilo da Escritura: Tu não terás mais o sol para luzir de dia nem o resplendor da lua te alumiará. E o Apocalipse: E esta cidade não há de mister sol nem lua que alumiem nela. Logo, a claridade não lhes aumentará.

6. Demais. ─ Não seria um artífice experimentado o que fizesse instrumentos enormes para executar uma pequena obra. Ora, o homem é um corpo mínimo em relação aos corpos celestes, cuja grandeza lhe excedem o tamanho quase incomparavelmente. Ainda mais, o volume total da terra esta para o céu como o ponto para a esfera, como dizem os astrólogos. Ora, sendo Deus sapientíssimo, parece que não podia constituir o homem em fim da criação. Portanto, parece que o pecado do homem em nada fez degenerar o céu; como também este nada aproveita com a glorificação do homem.

Mas, em contrário, a Escritura: A luz da lua será como a luz do sol, e a luz do sol será sete vezes maior.

2. Demais. ─ Todo o mundo será renovado para melhor. Ora, o céu é a parte mais nobre do mundo dos corpos. Logo, será renovado para melhor. Mas, isto não pode ser senão resplandecendo com maior claridade. Logo, será mais perfeito e a claridade lhe aumentará.

3. Demais. ─ Toda criatura, que geme e está com, dores de parto, espera a revelação da glória dos filhos de Deus, na linguagem do Apóstolo. Ora, tais são os corpos celestes, como o explica a Glosa a esse lugar. Logo, esperam a glória dos santos. Ora, não na esperariam se daí não lhes adviesse nenhuma vantagem. Portanto, terão a sua clareza, aumentada, que lhes é a principal beleza.

SOLUÇÃO. ─ A renovação do mundo tem por fim tornar Deus como que sensível à vista do homem, pela prova palpável de um mundo novo. Ora, a criatura conduz a Deus sobretudo pelo seu brilho e esplendor, que manifestam a sabedoria do seu autor e governador. Donde o dizer a Escritura: Pela grandeza da formosura e da criatura se poderá visivelmente chegar ao conhecimento do Criador dela. Mas, a beleza dos corpos celestes está principalmente na sua luz, donde ainda o dito da Escritura: A refulgência das estrelas é a formosura do céu; o Senhor é que esclarece o mundo desde as alturas. Por onde, sobretudo na sua claridade é que os corpos celestes serão aperfeiçoados. Ora, o modo e a extensão da perfeição serão conhecidos só pelo Autor da perfeição.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O fogo purificador não causará a forma da renovação, mas apenas disporá para ela, purgando-a da mácula do pecado e da impureza da mescla, que não podem contaminar os corpos celestes. Logo, embora estes não devam ser purificados pelo fogo, há de lhes subsistir o esplendor, mas não o movimento.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O movimento não implica qualquer perfeição no que é movido, se considerado em si mesmo, pois é ato do imperfeito; mas pode pertencer à perfeição do corpo, enquanto é causa de algo. Mas a luz pertence à perfeição do corpo luminoso, mesmo considerado em sua substância. Por isso, depois que o corpo celeste deixa de ser causa de geração, permanece sua claridade, mas não seu movimento.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Aquilo da Escritura ─ será a luz da lua como a luz do sol ─ diz a Glosa: Todas as cousas feitas para o homem sofreram detrimento com a queda do mesmo, ficando o sol e a lua diminuídos na sua luz. Diminuição essa que certos entendem como uma diminuição real de luz. Nem obsta que os corpos celestes sejam por natureza imutáveis, porque essa alteração lhes foi feita pelo poder divino. ─ Outros porém, e com maior probabilidade, entendem que essa diminuição não foi realmente um decréscimo de luz, senão só quanto ao uso do homem, que, depois do pecado, já não colhia da luz dos corpos celestes o mesmo benefício de antes. Pelo que diz também a Escritura: A terra será maldita na tua obra, ela te produzirá espinhos e abrolhos. É verdade que já antes germinava espinhos e abrolhos, mas não redundavam em pena do homem. ─ Mas do fato de a luz dos corpos celestes não terem diminuído na sua essência depois do pecado do homem não se deduz que não poderão aumentar com a glorificação dele. Pois, o pecado do homem não alterou a constituição do universo, porque, tanto antes como depois do pecado, vivia uma vida animal, que precisa para se manter do movimento e da geração das criaturas corpóreas. Mas a glorificação dele mudará o estado de todas estas criaturas, como dissemos. Logo, não há símil.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Essa diminuição, segundo é mais provável, não foi na substância, mas só no efeito. Donde não se segue que a lua, estando acima do horizonte, iluminasse a terra com a luz do dia, mas sim, que então o homem tiraria tanta vantagem da luz da lua como agora tira da do sol. Mas depois da ressurreição, quando a luz da lua realmente aumentar, não haverá mais trevas na superfície da terra, mas só no centro dela, onde será o inferno. Porque então, como dissemos, a lua luzirá quanto luz atualmente o sol, e este sete vezes mais que agora; e os corpos dos bem-aventurados sete vezes mais que o sol, embora nada disto esteja provado por nenhuma autoridade ou razão.

RESPOSTA À QUINTA. ─ De dois modos pode uma cousa servir ao uso do homem. ─ Ou para lhe obviar a uma necessidade. E então nenhuma criatura servirá mais ao uso do homem porque de Deus terá ele então satisfeitos todos os seus desejos. Tal é o sentido do lugar citado do Apocalipse, quando diz que essa cidade não há de mister sol nem lua. ─ Outro uso é o que serve para se atingir uma perfeição maior. E então o homem usará das outras criaturas; não porém como de meio necessário para conseguir o seu fim, como nesta vida usa delas.

RESPOSTA À SEXTA. ─ Esse é um raciocínio de Rabbi Moisés, visando refutar, como absolutamente errônea, a opinião de que o mundo foi feito para o homem. E assim, o que lemos no Velho Testamento sobre a renovação do mundo, como na autoridade citada de Isaías, isso, diz ele, tem sentido puramente metafórico. Pois, assim como dizemos que o sol se obscureceu para um indivíduo acabrunhado de veemente tristeza, a ponto de não saber o que faz ─ modo de exprimir-se habitual na Escritura ─, assim também ao inverso, dizemos que lhe luz o sol e todo o mundo se lhe renova, quando o seu estado de tristeza se lhe converte em intensa exultação. ─ Mas isto colide com as autoridades e as exposições dos Santos Padres. ─ Por isso ao raciocínio aduzido devemos responder o seguinte. Embora os corpos celestes sobrepujem incomparavelmente o corpo humano, contudo muito mais os sobrepuja a alma racional, do que eles a ela. Não há pois, nenhum inconveniente em afirmar que os corpos celestes foram feitos para o homem; não porém como se fosse o fim principal deles esse; porque o fim principal de todas as causas é Deus.