Art. 1 ─ Se a beatitude dos santos será maior depois do juízo que antes.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a beatitude dos santos não será maior depois do juízo que antes.

1. ─ Pois, quanto mais um ser é semelhante a Deus tanto mais perfeitamente participará da felicidade. Ora, a alma separada do corpo, é mais semelhante a Deus que quando unida com o corpo. Logo, maior será a sua beatitude antes de reassumir o corpo, que depois.

2. Demais. ─ A virtude unificada é mais potente que uma multiplicada. Ora, a alma separada do corpo tem maior unidade que quando unida a ele. Logo, a sua virtude é capaz de uma operação mais intensa. E portanto, participa mais perfeitamente da beatitude, que consiste numa atividade.

3. Demais. ─ A beatitude consiste num ato do intelecto especulativo. Ora, o intelecto não necessita, para exercer o seu ato, da cooperação de nenhum órgão corpóreo; e assim, o corpo reassumido em nada contribuirá para a alma conhecer mais perfeitamente. Logo, a beatitude da alma não será perfeitamente. Logo, a beatitude da alma não será maior depois da ressurreição que antes.

4. Demais. ─ Nada pode ser maior que o infinito; e assim o infinito acrescentado de uma quantidade finita nem por isso se torna mais infinito. Ora, a alma bem- aventurada, antes de reassumir o corpo, a beatitude lhe consiste no gozo de Deus, bem infinito; mas depois da ressurreição do corpo não terá outra felicidade senão talvez a proveniente da glória do corpo, que é um bem finito. Logo, a felicidade dos ressuscitados, depois de terem reassumido o corpo, não será maior que antes.

Mas, em contrário, aquilo da Escritura ─ Vi debaixo do olhar as almas dos que tinham sido mortos, etc., diz a Glosa: Atualmente as almas dos santos desfrutam uma dignidade inferior, i. é, menor, que a que hão de alcançar. Logo, também a felicidade dos santos será maior depois da ressurreição dos corpos, que antes.

2. Demais. ─ Assim como para os bons a felicidade lhe é a paga de um prêmio, assim para os maus a sua miséria. Ora, depois da ressurreição dos corpos, a miséria dos maus será maior que antes, pois hão de ser punidos, não só na alma, mas também no corpo. Logo, também a felicidade dos santos será maior depois, que antes da ressurreição dos corpos.

SOLUÇÃO. ─ Que a beatitude dos santos há de aumentar extensivamente, depois da ressurreição, é manifesto, porque a gozarão eles então não só no corpo mas também na alma. E mesmo a felicidade da alma será extensivamente maior, porque há de comprazer-se não só com o bem próprio, mas também com o do corpo. E podemos ainda dizer que a felicidade da alma crescerá também intensivamente. Pois, o nosso corpo pode ser considerado a dupla luz: enquanto perfectível pela alma, e enquanto contrário, de certo modo a ela, nas suas operações, quando ainda não de todo por ela aperfeiçoado. Ora, à primeira luz, a união da alma com o corpo acrescenta-lhe a ela uma perfeição, porque toda parte é imperfeita e se completa pelo seu todo, por isso o todo está para a parte como a forma para a matéria. Portanto, também a alma será mais perfeita no seu ser natural, quando integrada no todo, i. é, no homem composto de alma e de corpo, do que quando existe separada. Mas, à segunda luz, a união do corpo com a alma é um obstáculo à perfeição desta; por isso diz a Escritura – o corpo que se corrompe faz pesada a alma. Por onde, removido do corpo tudo quanto nele resiste à ação da alma, será esta, absolutamente falando, mais perfeita unida a um tal corpo, que dele separada. Pois, quanto mais perfeito um ser tanto mais perfeita a sua operação; por isso, a operação da alma unida a esse corpo será mais perfeita que separada dele. Ora, corpo dessa natureza será o glorioso, completamente submisso ao espírito. Portanto, como a beatitude consiste numa operação, mais perfeita será a felicidade da alma depois de reassumido o corpo, que antes. Pois, assim como a alma separada do corpo corruptível pode obrar mais perfeitamente que unida a ele, assim, depois de unida ao corpo glorioso, mais perfeita será a sua operação que quando dele separada. Pois, todo ser imperfeito busca a sua perfeição. Por isso a alma separada naturalmente deseja unir-se ao corpo. E por causa dessa tendência, derivada de uma imperfeição, menos intenso é o ato que a leva para Deus. E tal é o que diz Agostinho: O seu desejo de unir-se ao corpo impede a alma de tender para o sumo bem, com todas as suas forças.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A alma unida ao corpo glorioso é mais semelhante a Deus, que dela separada, porque, unida, tem o ser mais perfeito; e quanto mais perfeito é um ser tanto mais é semelhante a Deus. Assim o coração, cuja vida perfeita consiste no movimento, é mais semelhante a Deus quando se move que quando em repouso, embora Deus nunca se mova.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A potência que por natureza deve estar unida à matéria, melhor exerce a sua atividade unida à matéria, que dela separada; embora, absolutamente falando, separada da matéria, tenha maior poder de ação.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora para o ato de inteligir a alma não precise da cooperação do corpo, contudo a perfeição do corpo de certo modo cooperará para a perfeição da operação intelectual, porque pela sua união com o corpo glorioso a alma será mais perfeita na sua natureza e por consequência de atividade mais eficaz. E a esta luz, o próprio bem do corpo cooperará, quase instrumentalmente, para a atividade na qual consiste a beatitude; e assim o Filósofo também diz, que os bens externos cooperam como instrumentos para a felicidade da vida.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora o finito acrescentado ao infinito não no torne maior, contudo faz algo de mais; porque finito e infinito são dois, ao passo que o infinito, em si mesmo considerado, é uma só realidade. Ora, a extensão da felicidade não se refere ao que nela fosse maior, senão só ao que é mais. Por onde, aumenta extensivamente a felicidade que a alma goza com a visão de Deus e com a glória do corpo, relativamente a que antes da ressurreição lhe advinha de Deus. Quanto à glória do corpo, ela cooperará para a intensidade da beatitude derivada, para a alma, de Deus, cooperando para maior perfeição do ato que transporta a alma para Deus. Pois, quanto mais perfeita for a operação própria a um ser, tanto maior será o prazer, como se concluí de um lugar do Filósofo.