Art. 3 ─ Se as diversas moradas se distinguem pelos diversos graus de caridade.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que as diversas moradas não se distinguem pelos diversos graus de caridade.

1. ─ Pois, diz o Evangelho: Deu a cada um segundo a sua capacidade. Ora, a capacidade de um ser se mede pela sua virtude natural. Logo, também os dons da graça e da glória se distribuem conforme os diversos graus de virtude natural.

2. Demais. ─ A Escritura diz: Tu retribuirás a cada um segundo as suas obras. Ora, o que é distribuído é a medida da felicidade. Logo, os graus de beatitude se distinguem pela diversidade das obras e não pela da caridade.

3. Demais. – O prêmio é devido ao ato e não ao hábito; por isso não são os mais fortes os coroados, mas os que melhor lutaram, diz Aristóteles; e o Apóstolo diz, que não será coroado senão quem combateu conforme à lei. Ora, a beatitude é um prêmio. Logo, os diversos graus de beatitude se distinguirão pelos diversos graus das obras e não da caridade.

Mas, em contrário, quanto mais unido estiver um a Deus tanto mais feliz será. Ora, tal o modo da caridade, tal o da união com Deus. Logo, conforme as diferenças da caridade assim as da beatitude.

2. Demais. ─ Como o simples resulta do simples, assim o mais, do mais. Ora, terá a beatitude quem praticou a caridade. Logo, fruir de uma beatitude maior depende de se ter tido maior caridade.

SOLUÇÃO. ─ O princípio distintivo das moradas ou dos graus de beatitude é duplo: um próximo e outro remoto. O princípio próximo é as disposições diversas que terão os bem-aventurados, donde lhes resultará a diversidade da perfeição do ato no qual consiste a felicidade. O princípio remoto é o mérito, pelo qual alcançaram a beatitude. Ora, de acordo com o primeiro princípio as moradas se distinguem pela caridade da pátria, que quanto mais um santo a tiver perfeita tanto mais capaz será da claridade divina, conforme cujo aumento também aumentará a perfeição da visão divina. De acordo com o segundo princípio, distinguem-se as moradas segundo a caridade desta vida. Ora, os nossos atos não são meritórios pela substância mesma deles, mas só pelo hábito virtuosa que os informa. Ora, o princípio do mérito em todas as virtudes é a caridade, que tem como objeto o próprio fim último. Por onde, todas as diversidades de mérito vêm a fundar-se nas de caridade. E assim pela caridade desta vida se distinguem as moradas, quanto ao mérito delas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A palavra virtude no lugar aduzido não significa só a capacidade natural, mas pela capacidade natural acompanhada do esforço para ter a graça. E então, assim concebida, a virtude será a como disposição material que medirá a graça e a glória que devem ser recebidas. Ora, a caridade é o complemento termal do mérito para a glória. Por onde, a distinção dos graus de glória se funda antes nos graus da caridade que nos da referida virtude.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As nossas obras em nada merecem a retribuição da glória senão quando informadas pela caridade. E assim, conforme os diversos graus de caridade serão os diversos graus de glória.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Embora o hábito da caridade ou de qualquer virtude não seja um mérito merecedor de prêmio, é contudo o princípio e a razão total de um ato ser meritório. Por isso conforme as diversidades deles assim lhes serão atribuídos os prêmios. ─ Embora também no gênero mesmo de um ato possamos fundar de certo modo o grau do mérito, isso será não em relação ao prêmio essencial, que é a felicidade consistente na posse de Deus; mas só em relação a algum prêmio acidental, que é a felicidade pela posse de algum bem criado.