Art. 2 ─ Se os condenados podem arrepender-se do mal que fizeram.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que os condenados nunca poderão arrepender-se do mal que fizeram.

1. ─ Pois, como diz Bernardo, o condenado sempre quer a iniquidade que cometeu. Logo, nunca se arrependerá do pecado cometido.

2. Demais. ─ Querer não ter pecado é ter uma vontade boa. Ora, os condenados não terão nunca boa vontade. Logo, não quererão nunca ter pecado. Donde a mesma conclusão que antes.

3. Demais. ─ Segundo Damasceno, o que foi para os homens a morte foi para os anjos a queda. Ora, a vontade do anjo depois da queda ficou de tal modo inconvertível, que nunca mais poderá voltar da eleição com que pecou. Logo, nem os condenados poderão arrepender-se dos pecados cometidos.

4. Demais. ─ Maior será a maldade dos condenados no inferno que a dos pecadores neste mundo. Ora, certos pecadores neste mundo não se arrependem dos pecados cometidos ─ ou por cegueira da mente, como os heréticos; ou por obstinação, como os que se alegram depois de terem feito o mal e triunfam de prazer nas piores causas, no dizer da Escritura. Logo, também os condenados no inferno não se arrependerão dos pecados cometidos.

Mas, em contrário, a Escritura diz dos condenados: Dentro de si tocados de arrependimento.

2. Demais. ─ Conforme o Filósofo, os maus é que têm o coração cheio de arrependimento; pois, com o que se deleitam logo depois se contristam. Logo, os condenados, maus em sumo grau, serão os mais arrependidos.

SOLUÇÃO. ─ Podemos nos arrepender do pecado, considerado este em si mesmo; ou por acidente. Do pecado em si mesmo nos arrependemos quando como tal o abominamos. Acidentalmente porém quando o detestamos em razão de alguma circunstância que o acompanha, como a pena ou cousa semelhante. Ora, os maus não se arrependerão dos pecados em si mesmo considerado, porque têm a vontade fixada na malícia deles. Mas, se arrependerão acidentalmente, por sofrerem a pena que pelos pecados cometidos expiam.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os condenados querem a iniquidade, mas tem-lhe aversão à pena, E assim, se arrependem, por acidente, da iniquidade cometida.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Querer alguém não ter pecado, por causa da turpitude do pecado, é ter uma vontade boa. Mas essa não na terão os condenados.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Sem nenhuma aversão da vontade, podem os condenados se arrepender dos seus pecados; pois, o que lhes causa essa aversão não é o que neles antes desejaram, mas cousa diferente ─ a pena.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Os homens neste mundo, por mais obstinados que sejam, acidentalmente se arrependem dos seus pecados, quando por eles punidos. Pois, como diz Agostinho, vemos até mesmos os ferocíssimos dos animais se absterem, pelo temor das penas, dos mais intensos prazeres.