Art. 5 ─ Se todos os que praticam as obras de misericórdia serão punidos eternamente, ou se só aqueles que descuraram de praticar essas obras.

O quinto discute-se assim. ─ Parece que todos os que praticam as obras de misericórdia não serão punidos eternamente, mas só aqueles que descuraram de praticar essas obras.

1. ─ Pois, diz a Escritura: Porque se fará juízo sem misericórdia aquele que não usou misericórdia. E noutro lugar: Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.

2. Demais. ─ O Evangelho refere uma discussão do Senhor com os réprobos e os eleitos. Ora, essa discussão não versou senão sobre as obras de misericórdia. Logo, só os que tiverem omitido as obras de misericórdia é que serão punidos eternamente. Donde a mesma conclusão anterior.

3. Demais. ─ O Evangelho diz: Perdoai-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores. E continua: Se vós perdoardes aos homens as ofensas que tendes deles, também vosso Pai celestial vos perdoará os vossos pecados. Logo, parece que os misericordiosos, que perdoam os pecados aos outros, também alcançarão o perdão dos seus pecados. Portanto, não serão punidos eternamente.

4. Demais. ─ Aquilo do Apóstolo ─ A piedade para tudo é útil, diz a Glosa de Ambrósio: A súmula de toda a doutrina cristã é a misericórdia e a piedade; quem a praticar, embora venha a cair nos laços da carne, será sem dúvida punido, mas nem por isso perecerá; mas quem tiver vivido só a vida do corpo, sofrerá penas eternas. Logo, os que praticam as obras de misericórdia, mas vivem escravos dos pecados da carne, não serão punidos eternamente. Donde, a mesma conclusão anterior.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Nem os fornicários nem os adúlteros hão de possuir o reino de Deus. Ora, tais são muitos dos que praticam obras de misericórdia. Logo, nem todos os misericordiosos alcançarão o reino dos céus. Portanto, certos deles serão punidos eternamente.

2. Demais. – Diz a Escritura: Qualquer que tiver guardado toda a lei e faltar em um só ponto fez─se réu de ter violado todos. Logo, quem quer que observe a lei, no concernente às obras de misericórdia, e descure as demais obras, incorrerá na transgressão da lei. E assim, será punido eternamente.

SOLUÇÃO. ─ Como diz Agostinho, na obra citada, certos ensinaram que nem todos os que professam a fé católica hão de livrar-se da pena eterna, mas só os que praticam as obras de misericórdia, embora andem enredados em outros pecados. ─ Mas isto é inadmissível. Porque sem a caridade ninguém pode agradar a Deus, nem sem ela nada aproveita à vida eterna. Ora, podem-se praticar as obras de misericórdia sem contudo ter-se caridade. Por onde, os que assim procederem, elas em nada lhes aproveitam para merecerem à vida eterna nem para se livrarem das eternas penas, conforme ao Apóstolo. O absurdo de se admitir o contrário se vê no caso de ladrões que tivessem exercido largamente o roubo e, contudo, feito obras de misericórdia. ─ Donde devemos concluir que todos os mortos em estado de pecado mortal, nem a fé nem as obras de misericórdia os livrarão da pena eterna, seja depois de que espaço de tempo for.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Aqueles conseguirão misericórdia que a praticaram ordenadamente. Ora, não praticam a misericórdia ordenadamente os que, esquecendo-se de a praticar para consigo mesmos, antes, fazem-se a si mesmo mal com as suas obras. Por isso esses tais não conseguirão uma misericórdia que lhes absolverá totalmente os pecados, mas que apenas a que lhes minorará as penas que deveriam sofrer.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A discussão referida não versa sobre as obras de misericórdia só porque o descurar delas seja a causa única de certos serem punidos eternamente. Mas porque aqueles serão liberados da pena eterna, depois do pecado, que, pelas obras de misericórdia, alcançaram o perdão granjeando para si amigos com as riquezas da iniquidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essas palavras o Senhor as dirige aos que pedem o perdão das suas dividas; mas não aos que perseveram no pecado. Por onde, só os penitentes, pelas obras de misericórdia, alcançarão um perdão plenamente liberatório.

RESPOSTA À QUARTA. ─ A Glosa de Ambrósio se refere ao lapso no pecado venial da carne, do qual o pecador será absolvido, pelas obras de misericórdia, depois das penas purificadoras, a que chama expiação. ─ Ou, se se refere à queda no pecado mortal, deve se entender o lugar citado como significando que aqueles que, nesta vida, caem por fraqueza nos pecados da carne, as obras de misericórdia os disporão à penitência. E esses tais não perecerão, i. é, essas obras os disporão para que não pereçam.