Art. 2 — Se a Igreja deve excomungar alguém.

O segundo discute-se assim. — Parece que a Igreja não deve excomungar ninguém.

1. — Pois, a excomunhão é uma maldição. Ora, segundo o Apóstolo, somos proibidos de maldizer. Logo, a Igreja não deve excomungar.

2. Demais. — A Igreja militante deve imitar a triunfante. Ora, na Epístola de S. Judas se lê: Quando o arcanjo Miguel, disputando com o diabo, altercava sobre o corpo de Moisés, não se atreveu a fulminar-lhe sentença de blasfemo, mas disse — mande-te o Senhor. Logo, também a Igreja militante não deve proferir contra ninguém um juízo de maldição e excomunhão.

3. Demais. — Ninguém deve ser entregue às mãos de seu inimigo, salvo quem estiver de todo desesperado. Ora, pela excomunhão o ex-comungado comungado é entregue às mãos de Satanás, como o diz o Apóstolo. Logo, como de ninguém devemos desesperar nesta vida, a Igreja não deve excomungar a ninguém.

Mas, em contrário, O Apóstolo manda que um certo seja excomungado.

2. Demais. — No Evangelho se diz daquele que despreza ouvir as palavras da Igreja: Tem-no por um gentio ou um publicano. Ora, os gentios estão fora da Igreja. Logo, os que desprezam ouvir as palavras da Igreja, devem ser excluídos pela excomunhão.

SOLUÇÃO. — O juízo da Igreja deve ser conforme ao juízo de Deus. Ora, Deus pune de muitos modos os pecadores, para trazê-las ao bem: ou castigando-os com flagelos; ou abandonando-os a si próprios de maneira que, subtraindo-lhes os seus auxílios, que os livram de cair no mal, reconheçam suas fraquezas e voltem humildes ao Deus de que se afastaram na sua soberba. Ora, de ambos esses modos a Igreja, na sentença de excomunhão, imita o juízo divino. Assim, quando exclui alguém da comunhão dos fiéis, para que disso se envergonhe, imita o juízo divino, que castiga com os seus flagelos. E quando exclui dos sufrágios e dos outros bens espirituais, imita o juízo divino pelo qual o homem é abandonado a si próprio, a fim de que conhecendo-se a si mesmo com humildade, volte para Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — De dois modos pode se dar a maldição. — Primeiro, tendo como intenção o mal mesmo que irrogamos ou dizemos, e tal maldição é absolutamente proibida. — Ou com a intenção de que redunde em bem de outrem o mal que lhe desejamos com a nossa maldição. E assim, a maldição é às vezes lícita e salutar, do mesmo modo que um médico pratica sobre um doente o mal da incisão, para livrá-lo da doença.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O diabo é incorrigível. Por isso não é susceptível de nenhum bem, pela pena de excomunhão.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O fato mesmo de ser um privado dos sufrágios da Igreja causa-lhe tríplice dano, oposto ao tríplice bem que recebemos dos sufrágios da Igreja. — Pois, esses sufrágios valem para o aumento da graça nos que já a tem, ou para merecê-la nos que não a tem. Por isso, o Mestre das Sentenças diz: Da graça de Deus ficamos privados pela excomunhão. — Também valem para guarda da virtude. Por isso diz que ficamos privados da proteção; não que o excomungado seja absolutamente excluído da providência divina, senão só daquela proteção com que Deus guarda de modo mais especial os filhos da Igreja. — Servem também para nos defender do inimigo. Por isso diz, que ao diabo é dado maior poder, espiritual e corporal, de agir sobre o excomungado. Por isso, na Igreja primitiva quando era necessário trazer os homens à fé por meio de sinais, assim como os dons do Espírito Santo se manifestavam visivelmente, assim também a excomunhão era conhecida pelas vexações corporais causadas do diabo. Nem há mal em entregar ao inimigo quem não desesperou; pois, não lhe é entregue como danando, mas como corrigindo, porque a Igreja tem o poder de lh’o arrancar das mãos quando quiser.