Art. 1 ─ Se a condição servil impede o matrimônio.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a condição servil não impede o matrimônio.

1. Pois, nada impede o matrimônio senão o que tem com ele alguma contrariedade. Ora, a escravidão nada tem de contrário ao casamento, porque então os escravos não poderiam casar-se. Logo, a escravidão não impede o matrimônio.

2. Demais. ─ O contrário à natureza não pode impedir o natural. Ora, a escravidão é contra a natureza; pois, é contrário à natureza querer um homem dominar outro. E também vai contra o que lhe foi dito: o qual presida aos peixes do mar ─ e não aos homens. Logo, não pode impedir o matrimônio o que é natural.

3. Demais. ─ Se o impedisse sê-lo-ia por direito natural, ou por direito positivo. Ora, não por direito natural, porque por direito natural todos os homens são iguais, como diz Gregório. E no princípio do Digesto se diz, que a escravidão não é de direito natural. Ora, o direito positivo procede do natural, como diz Túlio. Logo, por nenhum direito a escravidão pode impedir o matrimônio.

4. Demais. ─ O impedimento ao matrimônio tanto o é sabido como ignorado, conforme o demonstra o parentesco. Ora, a escravidão conhecida, de uma das partes, não impede a outra de casar-se. Logo, não devia ser considerada como impedimento ao matrimônio, distinto dos outros.

5. Demais. ─ Assim como o objeto do erro pode ser a escravidão, de modo que se considere livre quem é escravo; assim pode recair sobre a liberdade, de modo a reputar-se escravo quem é livre. Ora, a liberdade não se considera como impedimento ao matrimônio. Logo, também não deve ser considerada tal a escravidão.

6. Demais. ─ Mais difícil torna a sociedade conjugal e mais impede o bem da prole a doença da lepra que a escravidão, Ora, a lepra não é considerada impedimento ao matrimônio. Logo, nem deve sê-lo a escravidão.

Mas, em contrário, dispõe uma decretal, que o erro sobre a condição impede contrair matrimônio e dirime o já contraído.

2. Demais. ─ O casamento, enquanto bem honesto, é dos que são dignos de ser buscados por si mesmos. Ora, a escravidão é um dos males que, em si mesmos, devemos evitar. Logo, casamento e escravidão são contrários. E assim, a escravidão impede o matrimônio.

SOLUÇÃO. ─ Pelo contrato do matrimônio fica um cônjuge obrigado a cumprir para com o outro o dever conjugal. Por onde, se quem assume essa obrigação é incapaz fisicamente de cumpri-la, a ignorância dessa incapacidade por parte do outro cônjuge anula para este o contrato. Ora, como a impotência física torna incapaz de cumprir a obrigação conjugal, absolutamente falando, assim também a escravidão impede o livre cumprimento desse dever. Por onde, assim como a impotência física ignorada impede o matrimônio, não porém quando conhecida, assim a condição de escravo ignorada também o impede, mas não quando conhecida.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO ─ A escravidão contraria o ato do matrimônio a que um se obriga para com o outro e que não pode livremente cumprir; e também o bem da prole, que se torna de pior condição pela escravidão dos pais. Mas, como podemos de nossa livre vontade sofrer detrimento em nosso direito, quando um cônjuge sabe da escravidão do outro, o matrimônio assim contraído é válido. ─ Semelhantemente, como no matrimônio ambas as partes têm a mesma obrigação de cumprir o dever matrimonial, não pode uma impor a outra maior obrigação que a própria. Por onde, se um escravo casar com escrava, que julgava livre, não fica por isso nulo o matrimônio. E assim, é claro que a escravidão não impede o matrimônio, a não ser quando ignorada pelo outro cônjuge, e se este for de condição livre. Portanto, nada impede ser válido o casamento contraído por escravos ou entre um escravo e uma livre.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Pode haver contrariedade com a natureza, na sua intenção primeira, sem haver com a sua intenção segunda. Assim, toda corrupção, todo defeito, a velhice são, conforme Aristóteles, contrárias à intenção primeira da natureza, porque a natureza visa o ser e a perfeição. Mas não lhe contrariam a intenção segunda. Pois, quando a natureza não pode manter a existência num serela a conserva em outro, gerado da corrupção do primeiro. E quando não pode levar a uma perfeição maior, conduz, a outra, menor; assim, não podendo criar um macho, cria uma fêmea, que é um macho degenerado, na expressão de Aristóteles, ─ Ora o mesmo dizemos da escravidão; é contra a primeira intenção da natureza, mas não contra a segunda. Porque a razão natural inclina e a natureza apete que cada um seja bom; mas quando alguém peca, a natureza também exige uma pena sofrida pelo pecado. Assim, a escravidão foi introduzida como tal pena. Nem há inconveniente em uma coisa natural ser impedida por uma outra contrária à natureza; assim, o matrimônio fica impedido pela impotência física, contrária à natureza, de modo referido.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O direito natural dita que a uma culpa se deve infligir uma pena e que ninguém deve ser punido sem culpa. Mas determinar a pena pela condição da pessoa e da culpa é de direito positivo. Por onde, a escravidão, que é uma pena, foi determinada pelo direito positivo e tem a sua origem em a natureza, como o determinado no indeterminado. E o mesmo direito positivo determinadamente estabeleceu, que a escravidão ignorada empidia o matrimônio, a fim de não ser ninguém punido sem culpa; pois, seria uma pena ‘para a mulher ter um marido escravo, e inversamente.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Certos impedimentos tornam o matrimônio ilícito. E como não é da nossa vontade que depende o lícito ou o ilícito, mas da lei, a que a vontade deve obedecer, por isso a referida ignorância, que destrói o voluntário ou a ciência em nada contribuem para o matrimônio valer ou não. Impedimento tal é a afinidade ou o voto e outros semelhantes. Outros impedimentos porém tornam o matrimônio ineficaz, para o cumprimento do dever conjugal. Mas como da nossa vontade depende desistir do que nos é devido, por isso tais impedimentos, sendo conhecidos, não anulam o casamento, senão só quando a ignorância exclui o voluntário. Ora, tal impedimento é a escravidão e a impotência física. Mas, além do erro, admitem-se certos impedimentos especiais, porque de certo modo o são. Não se considera porém a mudança de pessoa como um impedimento especial diferente do erro, porque a pessoa que veio substituir a primeira não constitui um impedimento senão na intenção do contraente.

RESPOSTA À QUINTA. ─ A liberdade não impede o ato do matrimônio, ainda mesmo quando ignorada.

RESPOSTA À SEXTA. ─ A lepra não impede o matrimônio no seu ato principal; pois, os leprosos podem cumprir livremente o dever conjugal, embora tragam um certo gravame para o casamento, quanto aos seus efeitos secundários. Por isso não impede o matrimônio, como o impede a escravidão.