Art. 2 ─ Se o voto solene anula o casamento já contraído.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que o voto solene não anula o matrimônio já contraído.

1 Pois, como diz uma decretal, perante Deus não obriga menos o voto simples que o solene. Ora, o matrimônio tem a sua validade e a sua nulidade dependente da aceitação divina. Logo, como o voto simples não dirime o matrimônio, também o voto solene não poderá dirimi-lo.

2. Demais. ─ O voto solene não acrescenta maior força ao voto simples que o juramento. Ora, o voto simples, mesmo acompanhado de juramento, não dirime o matrimônio já contraído. Logo, nem o voto solene.

3. Demais. ─ O voto solene nada tem que não possa ter o voto simples. Porque o voto simples poderia implicar escândalo, por ser, como o voto solene, público. Semelhantemente, a Igreja podia e devia estatuir que o voto simples dirime o matrimônio já contraído, e muitos pecados se evitariam. Logo, pela razão por que o voto simples não dirime o matrimônio, por essa mesma não no deve dirimir o voto solene.

Mas, em contrário, quem emite um voto solene contrai matrimônio espiritual com Deus, muito mais solene que o matrimônio material. Ora, o matrimônio material já contraído dirime o contratado depois. Logo, também o voto solene.

2. Demais ─ O mesmo também pode ser provado pelas muitas autoridades citadas pelo Mestre.

SOLUÇÃO. ─ Todos opinam que assim como o voto solene impede o matrimônio de ser contraído, assim dirime o já contraído.

Mas certos assinalam como causa o escândalo ─ Não há porém tal. Pois, também um simples voto pode às vezes causar escândalo, por ser de certo modo público. Além disso, a indissolubilidade do matrimônio é de direito divino, que não pode ser transgredido para evitar escândalo.

Por isso outros dizem que tal se dá por determinação da Igreja. ─ Mas essa opinião também é insuficiente. Porque de acordo com ela a Igreja poderia também determinar o contrário. O que não é verdadeiro.

Por onde, devemos opinar, com outros, que o voto solene por natureza dirime o matrimônio já contraído. Pois, por ele, o homem perde o poder sobre o seu corpo, pelo consagrar a Deus por continência perpétua, como do sobredito resulta. Portanto, não pode submetê-la ao poder de uma mulher, contraindo matrimônio. E como o matrimônio subsequente a esse voto é nulo, dizemos que o voto solene anula o matrimônio já contraído.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O voto simples é considerado como implicando a mesma obrigação, perante Deus, que o voto solene, enquanto se trata do que tem com Deus relações, como no caso da separação de Deus causada pelo pecado mortal. Pois, peca mortalmente tanto quem quebra o voto simples como quem quebra o voto solene, embora seja pecado mais grave quebrar o primeiro que o segundo. Mas esta comparação só vale para o gênero de reato, e não para o grau de gravidade dele. No matrimônio porém, que liga um esposo ao outro, os dois votos não produzem a mesma obrigação, mesmo genericamente falando. Pois, certas obrigações resultam do voto solene, que não resultam do simples.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O juramento, considerada a obrigação dele oriunda, liga mais que o voto. Ora, o voto solene impõe maior liame pelo modo por que obriga, porque consiste em darmos imediatamente o que prometemos ─ o que não sucede com o juramento. Logo, a objeção não colhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O voto solene implica a entrega imediata do corpo próprio, o que não implica o voto simples, como do sobredito resulta. Logo, a objeção tem um fundamento suficiente.