Art. 4 ─ Se a Igreja podia fixar no quarto grau os laços de parentesco impedientes de matrimônio.

O quarto discute-se assim. ─ Parece que a Igreja não podia fixar no quarto grau os laços de parentesco impedientes do matrimônio.

1. Pois, diz o Evangelho: Não separe o homem o que Deus ajuntou. Ora, Deus ajuntou os casados, dentro do quarto grau de parentesco; pois, nenhuma lei divina lhes proíbe a união. Logo, também nenhuma lei positiva deve separá-los.

2. Demais. ─ O matrimônio é um sacramento, como o batismo. Ora, nenhuma lei da Igreja pode fazer com que não receba o caráter batismal, sendo dele capaz por direito divino, quem recebe o batismo. Logo, nenhuma lei da Igreja pode proibir o matrimônio entre os não proibidos de casar por direito divino.

3. O direito positivo não pode ampliar nem remover o que é de direito natural. Ora, a consangüinidade é um vínculo natural impeditivo do matrimônio. Logo, a Igreja não pode fazer nenhuma lei determinando quem pode ou não pode contrair matrimônio, assim como não pode fazer com que deixem de ser parentes os que realmente o são.

4. Demais. ─ Toda lei positiva deve ter uma causa racional; pois por essa causa racional, que tem, é que procede da lei natural. Ora, o número de graus, aceito como causa, é absolutamente irracional, por não terem nenhuma relação com o cansado. Assim, se o parentesco é causa de proibição até ao quarto grau é em virtude dos quatro elementos; até ao sexto, em virtude das seis idades do mundo; até ao sétimo, em virtude dos sete dias, que são o abreviado do tempo total. Logo, parece que essa proibição nenhum valor tem.

5. Demais. ─ Onde há a mesma causa deve haver o mesmo efeito. Ora, a causa por que a consangüinidade impede o matrimônio, é o bem de prole, a repressão da concupiscência e a multiplicação da amizade, como resulta do sobredito; e essas causas valem para todas as épocas. Logo, deveriam também, em todos, os graus de parentesco impedir o matrimônio. O que não é verdade, pois, atualmente, só até o quarto grau, ao passo que outrora até ao sétimo, o parentesco impedia o matrimônio.

6. Demais. ─ Uma mesma união não pode ser genericamente um sacramento e uma união ilegítima. Ora, tal se daria se a Igreja tivesse o poder de determinar um número diverso de graus impedi entes do matrimônio. Assim o casamento entre parentes em quinto grau, quando esse parentesco era impediente, foi ilegítimo; veio a ser porém legítimo se depois a Igreja revogou a sua proibição. O contrário também poderia dar-se ─ se a Igreja depois de ter permitido contrair casamento dentro de certos grau de parentesco, viesse a proibi-lo. Logo, parece que a Igreja nenhum poder tem nessa matéria.

7. Demais. ─ O direito humano deve imitar o divino. Ora, segundo o direito divino, contido na Lei Antiga, não corre igual proibição na linha ascendente e descendente dos graus. Assim, ao passo que a Lei Velha proibia o casamento com a tia, não o proibia como a sobrinha. Logo, também agora não deve haver nenhuma proibição entre sobrinhos e tios.

Mas, em contrário, o Senhor disse aos discípulos: Quem vos ouve me ouve. Logo, o preceito da Igreja tem a mesma vigência que o de Deus. Mas, a Igreja ora proibiu e ora permitiu o casamento dentro de certos graus, em que a lei antiga não proibia. Logo, esses graus impedem o matrimônio,

2. Demais. ─ Assim como outrora os casamentos entre gentios era regulado pelas leis civis, assim também os casamentos entre cristãos agora os regula a Igreja. Ora, antigamente a lei civil determinava os graus de parentesco impedientes ou não do matrimônio. Logo, também atualmente a Igreja pode determiná-los.

SOLUÇÃO. ─ O impedimento ao matrimônio resultante dos graus de parentesco, não atuou de mesmo modo no decurso dos tempos.

Assim, no princípio do gênero humano, só o pai e a mãe estavam proibidos de casar com a filha ou o filho; porque então era o gênero humano pouco numeroso e havia grande necessidade de o aumentar . Por isso não ficavam impedidas de casar senão as pessoas incapazes de realizar o fim principal do matrimônio, que é o bem da prole, como dissemos. Mas, depois, multiplicando-se o gênero humano, a lei de Moisés, que já começava a reprimir as paixões dá carne, impôs impedimento a um maior número de pessoas. Por isso, como diz Rabbi Moisés, ficavam proibidos de contrair matrimônio todos os membros de uma mesma família, habitando sob o mesmo teto. Porque seria grande incentivo à concupiscência o permitir-lhes-a conjunção carnal entre si. Mas a Lei Velha permitia o casamento entre os parentes em outros graus e até mesmo os ordenava, de certo modo. Assim, cada um devia casar com uma mulher da sua parentela, a fim de evitar confusão nas heranças, porque nesse tempo o culto divino se propagou pela sucessão hereditária.

Mais tarde porém, no regime da Lei Nova, que é a lei do Espírito e do amor, os impedimentos abrangeram mais graus de parentesco. Porque então o culto de Deus se propagava e multiplicava pela graça espiritual e não pela geração carnal. E os homens tiveram o dever de coibir os prazeres carnais, para vacar às coisas espirituais e difundir com maior amplitude a caridade.

Por isso, nos tempos primitivos, o impedimento se estendia até os graus mais afastados do parentesco, a fim de dar maior desenvolvimento à amizade pela mais ampla consangüinidade e afinidade. E, com razão, o impedimento ia até ao sétimo grau. Quer porque, além dele, facilmente podia perder-se a memória de uma origem comum; quer porque concordava esse contrito com a graça septiforme do Espírito Santo.

Mais tarde, porém, nestes últimos tempos, a Igreja restringiu a interdição até ao quarto grau, por ser inútil e perigoso proibir até graus mais remotos. Inútil, porque ninguém dava mostras de maior amizade para com os parentes, que para com os estranhos, devido ao resfriar-se da caridade nos corações de muitos. Perigoso porque, prevalecendo a concupiscência e a negligência, os homens já não respeitavam suficientemente um tão grande número de parentes. E assim, estender a proibição até graus mais remotos seria armar um laço para a condenação de muitos.

Por isso, suficiente e convenientemente a proibição ficou restrita ao quarto grau. Quer porque os homens, continuando a viver até a quarta geração, não perdem a lembrança do seu parentesco, sendo por isso que Deus ameaça punir os pecados, dos pais, nos filhos, até a terceira e a quarta geração. Quer porque, em qualquer geração, uma nova mistura de sangue, cuja identidade forma o parentesco, se faz com o sangue estranho, e quanto mais se mistura com o alheio tanto mais deixa de ser o que a princípio era. E como os elementos são quatro, e cada um deles mais facilmente se mistura, quanto mais sutil é, por isso, na primeira mixtão evanece a identidade do sangue, quanto ao primeiro elemento, que é subtilíssimo. Na segunda, quanto ao segundo; na terceira, quanto ao terceiro; e na quarta, quanto ao quarto. E assim, convenientemente, depois da quarta geração, pode reiterar-se a conjunção carnal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Assim como Deus não retifica uma união contrária aos seu preceitos, assim também não ratifica as uniões contrárias ao preceito da Igreja, que tem a mesma eficácia obrigatória que o preceito divino.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O matrimônio não é só um sacramento, mas também uma função social. Por isso depende mais do poder dos ministros da Igreja, que o batismo, que é unicamente sacramento. Pois, assim como os contratos e as funções humanas por leis humanas se determinam, assim os contratos e as funções espirituais, pela lei da Igreja.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora o vínculo de consangüinidade seja natural, natural contudo não é que ela impida a cópula carnal, senão dentro de um certo grau, como se disse. Por isso, a igreja não determina por lei que certas pessoas sejam ou não parentes, pois, se o são, assim o permanecem sempre no mesmo grau. Mas, determina a liceidade da conjunção carnal, conforme os tempos e os graus de parentesco.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Essas razões alegadas são antes indicadas a modo de adaptação ou de conveniência, que a modo de causa e de necessidade.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Com a diversidade dos tempos variam as causas de se proibir o casamento, conforme os graus de parentesco. Por isso, o que num tempo se permite com utilidade, noutro salutarmente se proíbe.

RESPOSTA À SEXTA. ─ Uma determinação legal não dispõe para o passado, mas para o futuro. Por isso, se atualmente não podem casar os parentes em quinto grau, que outrora podiam, nem por isso devem ser separados os parentes em quinto grau casados. Pois, nenhum impedimento sobreveniente ao matrimônio pode dirimi-lo. E assim, uma união matrimonial legítima não pode, por determinações da Igreja, tornar-se ilegítima. O mesmo se daria se fosse permitido o casamento em grau atualmente proibido: esse matrimônio não se tornaria legítimo, por disposição da Igreja, em virtude do contrato anterior; pois, poderiam os casados separar-se, se assim o quisessem. Mas poderiam de novo contrair matrimônio, o que constituiria nova união.

RESPOSTA À SÉTIMA. ─ Quando a Igreja proíbe o casamento por causa dos graus de parentesco, leva em conta sobretudo a razão do amor. Ora, tanta razão há de amor ao sobrinho, como ao tio; há até mais, porque mais chegado é o filho ao pai que ao filho o pai, como diz Aristóteles. Por isso a Igreja proibiu por igual o casamento entre sobrinhos e tios. ─ Mas a Lei Velha, nas suas proibições, atende sobretudo à convivência. Proíbe por isso o casamento dos que vivendo sobre o mesmo teto, mais facilmente poderiam dar largas à concupiscência. Ora, mais frequentemente convivia uma sobrinha com o tio, do que uma tia com o sobrinho. Por que uma filha quase se identifica com o pai, por ser uma como parte dele; ao passo que uma irmã não é assim chegada ao irmão, porque não é parte deste, mas com ele nascida do mesmo pai. Por isso não havia a mesma razão de proibir o casamento em relação à sobrinha, como em relação à tia.