Art. 2 ─ Se pode ser lícito em virtude de uma dispensa, repudiar a esposa.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que não pode ser lícito, em virtude de nenhuma dispensa, repudiar a esposa.

1. Pois, o que no matrimônio é contrário ao bem da prole vai contra os preceitos primeiros da lei da natureza, que não são susceptíveis de dispensa. Ora, tal é o que se dá no fato de o marido repudiar a esposa. Logo, etc.

2. Demais. ─ Uma concubina difere da esposa sobretudo por não viver uma vida conjugal indissolúvel. Ora, ter uma concubina não era possível em virtude de nenhuma dispensa. Logo, nem repudiar a esposa.

3. Demais. ─ As mesmas dispensas podem conceder-se hoje, que se podiam outrora, Ora, hoje ninguém pode obter dispensa para repudiar a esposa. Logo, nem outrora.

Mas, em contrário. ─ Agar conviveu com Abraão com afeto uxório, como se disse. Ora, por preceito divino ele a deitou fora e não pecou. Logo, uma dispensa podia tornar lícito ao marido repudiar a mulher.

SOLUÇÃO. ─ Dispensar em preceitos, sobretudo quando de algum modo pertencem à lei da natureza, é como alterar o censo natural das coisas. O qual de dois modos pode ser mudado. ─ Ou por lima causa natural que impede o censo natural de outra, como se dá nos casos pouco frequente de fenômenos naturais casuais. Mas deste modo o curso natural das coisas não varia, quando elas se sucedem sempre, senão só quando se sucedem com frequência. ─ Ou por uma causa totalmente sobrenatural, como no caso dos milagres. E deste modo pode mudar-se o curso natural dos fenômenos naturais, não somente o ordenado a se realizar frequentemente, mas também o ordenado a se realizar sempre. Como no caso do sol, que parou, no tempo de Josué, e retrogradou, no de Ezequias; e do eclipse miraculoso, no tempo da paixão de Cristo.

Ora, a razão de haver dispensa nos preceitos da lei natural às vezes a descobrimos nas causas inferiores. E assim os preceitos secundários da lei natural são susceptíveis de dispensa, não porém os primários, por serem como de existência necessária, conforme dissemos a propósito da pluralidade de mulheres e de casos semelhantes. Outras vezes porém a razão da dispensa está só nas causas superiores. E então Deus pode dispensar, mesmo contrariando os preceitos primários da lei da natureza, em razão de algum mistério divino a ser significado ou revelado. Tal a dispensa feita a Abraão no preceito que lhe proibia imolar o filho inocente. E tais dispensas não se concedem comum ente a todos, mas só a certas pessoas em particular, como se dá no caso do milagre. Se, pois, a indissolubilidade do matrimônio está contida nos preceitos primários da lei da natureza, só podia ser susceptível de dispensa, do segundo modo. Se porém entre os preceitos secundários dessa lei, então era susceptível de dispensa, mesmo do primeiro modo. Ora, está contido, antes, entre os preceitos secundários da lei natural. Pois, a indissolubilidade do matrimônio não se ordena ao bem da prole, fim principal dele, senão enquanto os pais devem ser a providência dos filhos, durante toda a vida deles, fornecendo-lhes tudo o necessário à vida. Ora, esse fornecimento não está na intenção primeira da natureza, pela qual todas as coisas são comuns a todos. Por onde, não está na intenção primeira da natureza o poder o marido repudiar a mulher; por consequência esse procedimento não colide com os preceitos primários, mas contra os secundários, da lei natural. Por onde, pode ser susceptível de dispensa também ao primeiro modo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ No bem da prole se compreende, enquanto pertencente à intenção primeira da natureza, tanto a procriação como a criação e a instrução, até que os filhos atinjam à idade perfeita. Mas o fato de os filhos poderem entrar mais tarde na posse da herança e de outros bens que lhes venham ser deferidos, pertencem a intenção secundária de lei natural.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Ter uma concubina vai contra o bem da prole, quanto ao fim visado pela intenção primeira da natureza, que é a educação e a criação que exige uma diuturna colaboração dos pais, de que não é capaz uma concubina, tomada temporariamente. Por onde o símile não colhe. Contudo, quanto ao segundo modo de dispensar, também pode haver dispensa para um homem ter uma concubina, como está claro na Escritura.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A indissolubilidade, embora corresponda ao fim secundário do matrimônio, como função da natureza, pertence-lhe porém ao fim primário dele, como sacramento da Igreja. Por isso, desde que foi instituído como sacramento da Igreja e enquanto permanecer assim instituído, não pode ser objeto de dispensa, senão talvez ao segundo modo de dispensar.