Art. 6 — Se as verdades da fé devem distinguir-se em certos artigos.

(III Sent., dist. XXV, q. 1, a. 1, qa 1; a. 2, ad 6; I Cor., cap. XV, lect. 1)

O sexto discute-se assim. — Parece que as verdades da fé não devem distinguir-se em certos artigos.

1. — Pois, todo o conteúdo da Sagrada Escritura deve ser admitido pela fé. Mas, esse conteúdo, pela sua extensão, não pode ser reduzido a um número certo. Logo, é supérfluo distinguir artigos na fé.

2. Demais. — A distinção material, podendo ser levada ao infinito, não na deve levar em conta a arte. Ora, a razão formal do objeto da credibilidade, sendo a verdade primeira, é uma e indivisível, como já se disse1. Por onde, as verdades da fé não as podem distinguir a razão formal. Logo, deve se deixar de lado a distinção material, em artigos, das verdades da fé.

3. Demais. — Como certos dizem, um artigo é uma verdade indivisível, a respeito de Deus, que nos coage a crer. Ora, crer é um ato voluntário, pois, no dizer de Agostinho2 só crê quem quer. Logo, parece inconveniente distinguir as verdades da fé em artigos.

Mas, em contrário, diz Isidoro: Um artigo é a percepção da verdade divina, que tende para a mesma. Ora, por certas distinções é que podemos perceber a verdade divina; pois, o que em Deus tem unidade multiplica-se em nosso intelecto. Logo, as verdades da fé devem distinguir-se em artigos.

SOLUÇÃO. — Parece que a denominação latina de articulus (artigo) deriva do grego; pois, arthron, em grego, correspondente ao latim articulus (artigo), significa uma certa adaptação de partes distintas. Por isso, as partes do corpo, adaptadas umas às outras, chamam-se articulações dos membros. Semelhantemente, a gramática grega chama artigos a certas partes da oração adaptadas às demais palavras para exprimir-lhes o gênero, o número ou o caso. E do mesmo modo, em retórica chamam-se artigos a certas adaptações de partes. Assim, diz Túlio3: chama-se artigo à distinção das palavras, umas das outras, por intervalos, que cortam a oração, do modo seguinte — pela acrimônia, pela voz, pelo semblante, encheste de espanto os adversários.

Por isso se diz que as verdades da fé cristã se distinguem em artigos, por se dividirem em determinadas partes com certa harmonia de umas às outras. Ora, são objeto da fé as realidades, divinas invisíveis, como já dissemos4. Portanto, sempre que trate do invisível, por uma razão especial, isso constitui um artigo especial; quando porém forem muitas as realidades desconhecidas, mas fundadas na mesma razão, não haverá distinção de artigos. Assim, há uma dificuldade em entender que Deus sofreu; outra, em que, depois de morto, ressurgiu; logo, o artigo da ressurreição deve ser distinto do da paixão. Mas, que sofresse, morresse e fosse sepultado, tudo encerra a mesma dificuldade, de modo que, aceitando-se um desses fatos, não é difícil aceitar os outros; portanto, todas essas verdades constituem um mesmo artigo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Certas verdades da fé são por si mesmas objeto da credibilidade; outras, porém, em dependência de terceiras; assim como também as demais ciências propõem determinadas verdades como buscadas por si mesmas e outras, como manifestativas de terceiras. Ora, versa a fé, principalmente, sobre as realidades que esperamos ver na pátria, conforme a Escritura (Heb 11, 1): A fé é a substância das coisas que se devem esperar. Portanto, pertence por si mesmo à fé tudo o que nos ordena diretamente à vida eterna, como, a existência das três Pessoas de Deus Onipotente, o mistério da encarnação de Cristo e verdades semelhantes. E, por elas se distinguem os artigos da fé. Outras verdades, porém, a Sagrada Escritura nos propõe à crença, não como principalmente visadas, mas para a manifestação das supra-referidas. Assim, que Abraão teve dois filhos, que um morto ressuscitou ao contacto dos ossos de Eliseu, e fatos semelhantes, narrados pela Sagrada Escritura, a fim de manifestarem a majestade divina ou a encarnação de Cristo. E, em reação a ela, não há necessidade de se fazer distinção de artigos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A razão formal do objeto da fé pode ser considerada em dupla acepção. — Primeiro, em relação aquilo mesmo em que se acredita. E então, a razão formal de todas as verdades da fé é mesma, a saber, a verdade primeira. E por aí, não á distinção de artigos. — Noutra acepção, a razão formal das verdades da fé pode ser considerada em relação a nós. E então, essa razão formal da credibilidade está em ter esta por objeto a inevidência. E por aí há distinção entre os artigos da fé, como se viu.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A definição citada do artigo se funda mais na etimologia do nome, enquanto de derivação latina, do que na sua verdadeira significação, enquanto derivada do grego. Por isso, não é tal definição de grande peso. — Pode-se contudo dizer que, sendo a crença voluntária, ninguém é coarctado a crer por necessidade de coação; somos coarctados, contudo, pela necessidade do fim, pois, como diz o Apóstolo, é necessário que o que se chega a Deus creia, e sem fé é impossível agradar a Deus (Heb 11, 6).
1. Q. 1, a. 1.
2.Tract. XXVI in Ioan.
3. IV Rhetoricae, ad Heren. (cap. XIX)
4. Q. 1, a. 4.