Art. 4 — Se a fé informe pode vir a ser informada e inversamente.

(III Sent., dist. XXIII, q. 3, a. 4, qa 1, 3; De Verit., q. 14, a. 7; Ad Rom., cap. I, lect VI)

O quarto discute-se assim. — Parece que a fé informe não pode vir a ser informada e inversamente.

1. — Pois, como diz a Escritura (1 Cor 13, 10), quando vier o que é perfeito, abolido será o que é em parte. Ora, fé informe é imperfeita em relação à informada. Logo, sobrevindo a esta, fica excluída a informe, por não terem um hábito numeradamente o mesmo.

2. Demais. — O morto não pode vir a ser vivo. Ora, a fé informe é morta, conforme àquilo da Escritura (Tg 2, 20): A fé sem obras é morta. Logo, a fé informe não pode vir a ser informada.

3. Demais. — A graça de Deus sobreveniente não tem menos efeito, no fiel, que no infiel. Ora, sobrevindo ao infiel produz-lhe o hábito da fé. Logo, quando sobrevém ao fiel, que antes tinha o hábito da fé informe, também causa nele outro hábito de fé.

4. Demais. — Como diz Boécio1, os acidentes não podem alterar-se. Ora, é a fé um acidente, Logo, não pode a mesma fé ser, ora, informada e, ora, informe.

Mas, em contrário, àquilo da Escritura (Tg 2, 20): A fé sem obras é morta — diz a Glosa — pelas quais revivesse. Logo, a fé, antes morta e informe torna-se informada e viva.

SOLUÇÃO. — Várias opiniões houve sobre este assunto. – Uns disseram que o hábito da fé informada é diferente do da informe; mas, sobrevindo a fé informada, desaparece a informe. E, semelhantemente, ao homem que peca mortalmente, depois de ter a fé informada, sucede outro hábito, o da fé informe, infundido por Deus. Mas não é admissível, que a graça sobreveniente exclua qualquer dom de Deus; nem, por outro lado, que qualquer dom divino seja infundido no homem pelo pecado mortal. — Por isso outros disseram, que a fé informada e a informe têm certo hábitos diversos; contudo, sobrevindo a fé informada, não fica eliminado o hábito da fé informe, mas continua coexistindo no mesmo sujeito, com o da fé informada. Mas também é inadmissível, que o hábito da fé informe venha a ser vão, no que tem a fé informada. — E, portanto, devemos dizer, de outro modo, que a fé informada e a informe têm o mesmo hábito. E a razão é que os hábitos se diversificam pelo que essencialmente lhes pertence. Ora, sendo a fé uma perfeição do intelecto, pertence-lhe a ela essencialmente o que pertence ao intelecto. O que, porém, pertence à vontade não pertence essencialmente à fé, de modo a poder diversificar o hábito desta. Ora, a distinção entre fé informada e informe funda-se no pertencente à vontade, i. é, na caridade, e não no pertencente ao intelecto. Logo, a fé informada e a informe não pertencem a hábitos diversos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As palavras do Apóstolo devem aplicar-se ao caso de ser a imperfeição da essência do ser imperfeito. Pois então e necessariamente, a sobreveniência do perfeito exclui o imperfeito; assim, quando tivermos a visão clara ficará excluída a fé, que essencialmente se refere às coisas que não parecem. Quando, porém, não é a imperfeição da essência do ser imperfeito, então, o ser numericamente o mesmo, que era imperfeito, torna-se perfeito. Assim, a puerícia não é essencialmente o homem, e por isso o ser numericamente o mesmo, que era criança, se torna homem. Ora, a informidade não é da essência da fé, pois existe acidentalmente, como dissemos. Por onde, é a própria fé informe que se torna informada.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O que constitui a vida do animal, i. é, a alma, forma essencial dele, pertence-lhe por isso à essência. Por onde o morto não pode tornar-se vivo, porque diferem entre si especificamente. Ao contrário, o que torna a fé informada ou viva não é da essência dela. Logo, não há símile, no caso aduzido.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça produz a fé, não somente quando esta começa, inicialmente, a existir no homem, mas também enquanto durar. Pois, como dissemos2, Deus sempre opera a justificação do homem assim como o sol sempre opera a iluminação do ar. Por onde a graça não obra menos, sobrevindo ao fiel, que ao infiel. Pois, em um e outro produz a fé: naquele, confirmando-a e aperfeiçoando-a; neste, causando-a inicialmente. — Ou pode-se dizer que por acidente, i. é, por causa da disposição do sujeito, é que a graça não causa a fé aquele que a perdeu por um pecado mortal precedente.

RESPOSTA À QUARTA. — A fé, em si mesma, não se muda, por tornar-se de informada, informe; mas se muda o sujeito dela, que é a alma. Pois esta as vezes tem a fé sem a caridade e outras, com a caridade.
1. Lib. I In categor. Arist.
2. I, q. 104, a. 1; Ia-IIae, q. 109, a. 9.