Trecho retirado do Catecismo Romano, o “pai” de todos os Catecismos (Catecismo do Concílio de Trento)

Postado em 28-03-2012

CREIO NA SANTA IGREJA CATÓLICA

Nono Artigo do Símbolo

 

I.   Importância

 

Duas considerações nos mostram, principalmente,com quanta atenção devem os pastores explicar aos fiéis as verdades deste nono artigo. A primeira é a seguinte: Na opinião de Santo Agostinho, os Profetas insistiam mais falar da Igreja que do próprio Cristo. Previam que muito maior podia ser o número de pessoas a errarem e iludirem-se neste ponto, do que a respeito do mistério da Encarnação.

Realmente, à guisa do mono que se figura o homem,não deixaria de haver ímpios com a pretensão de que só eles são católicos, e com a maldosa e soberba afirmação de que só entre eles existe a verdadeira Igreja Católica.

A segunda consideração é que facilmente escapa esta verdade, com plena convicção. Com efeito, a pessoa não se torna herege só por pecar contra a fé, mas antes por menosprezar a autoridade da Igreja e defender obstinadamente suas ímpias afirmações.

Por conseguinte, não é possível que alguém contraia a peste da heresia, enquanto aceita o que este Artigo lhe propõe a crer. Os pastores devem,pois, empenhar-se por que os fiéis conheçam a fundo este Mistério, e possam assim perseverar na verdade da fé, e defender-se contra as astúcias do inimigo.

Entre este artigo e o anterior [Creio no Espírito Santo] existe uma correlação. Já foi demonstrado que o Espírito Santo é fonte e causa de toda santidade. Ora,no artigo atual,confessamos que do mesmo Espírito Santo se deriva a santidade de que a Igreja foi dotada.

 

II.   Designações de “Ecclesia”

 

Agora é preciso dar a significação do termo Igreja. Os latinos tomaram-na dos gregos e só depois da divulgação do Evangelho é que entrou no vocabulário especificamente religioso.

Igreja quer dizer “convocação”. Mais tarde, porém, os escritores empregavam o termo no sentido de “assembléia” e “comício”. Não vem ao caso distinguir aqui se o povo reunido adorava o Deus verdadeiro, ou se abraçava alguma falsa religião. Com referência ao povo de Éfeso, está escrito nos Atos do Apóstolos que, depois de apaziguar as turbas, o escriba lhes dissera: “Se tendes mais algum escravo,poderá isto resolver-se em legítima assembléia do povo”. Chama, pois, de “assembléia legítima” ao povo de Éfeso, que se consagrava ao culto de Diana.

Dava-se, às vezes, o nome de assembléia não só às nações que não conheciam a Deus, mas até aos ajuntamentos de homens maus e ímpios. “Detesto a assembléia dos maus, diz o Profeta, e com os ímpios não andarei”.

Depois, pelo uso comum da Sagrada Escritura,passou o termo a designar unicamente a comunidade cristã, as reuniões dos fiéis,isto é, daqueles que foram “convocados” à luz da verdade e ao conhecimento de Deus, que renunciaram, enfim, às trevas da ignorância e do erro, para adorarem pia e santamente o Deus vivo e verdadeiro, e servi-l’O de todo o coração.

Resumindo tudo numa só palavra: “A Igreja, como diz Santo Agostinho, é o povo fiel disseminado pelo mundo inteiro”.

Não são de pouca monta os mistérios encerrados nesta palavra. Já na idéia de convocação, como significado da Igreja, fulgura a bondade e o resplendor da graça divina, e nisso reconhecemos que a Igreja difere, radicalmente, de todas as outras instituições de direito público.

Estas se baseiam na razão e na prudência humana; aquela,porém, foi organizada pela sabedoria e providência divina. Deus nos “convocou”, interiormente, pela inspiração do Espírito Santo; exteriormente, por obra e empenho dos pastores e pregadores.

Para nós,o fim desta “convocação” não pode ser outro senão o conhecimento e a posse das coisas eternas.

Disso ficaremos plenamente convencidos se atentarmos ao motivo por que o povo fiel, sujeito à lei de Moisés, tinha outrora o nome de “sinagoga”, ou aglomeração. No sentir de Santo Agostinho, foi-lhe dado este nome, porque só se concentravam nos bens terrenos e passageiros, à maneira dos animais, cujo instinto é viver em rebanho. Com muito acerto, o povo cristão não se chama sinagoga, mas “igreja”, porque despreza as coisas terrenas e passageiras, e só procura as celestiais e eternas.

 

Há outros nomes ainda, cheio de mistérios, que servem para designar a instituição cristã. O apóstolo chama-lhe casa e edifício de Deus. “Se eu tardar,escreve a Timóteo, saberás como deve proceder na casa de Deus, pois é a Igreja de Deus vivo, coluna e firmeza da verdade”. A Igreja chama-se “casa”, porque constitui por assim dizer uma única família governada por um só pai de família, e na qual existe comunhão de todos os bens espirituais.

Chama-se também “rebanho das ovelhas de Cristo”, das quais Ele é “porta e pastor”.

Dá-se-lhe o nome de “Esposa de Cristo”: “Prometi apresentar-vos,como Virgem pura, ao único Esposo Jesus Cristo”. Assim escreve o Apóstolo aos Coríntios. O mesmo disse aos Efésios: “Maridos, amais as vossas esposas. Como cristo amou a Igreja.A respeito do Matrimônio declarou: “Este Mistério é grande, mas eu o digo em relação com Cristo e a Igreja”.

Afinal, a Igreja é chamada “Corpo de Cristo”,como se pode averiguar nas Epístolas aos Efésios e aos Colossenses.

Todas estas designações são muito eficazes para excitar nos fiéis o desejo de se mostrarem dignos da infinita clemência e bondade de Deus, que os escolheu para serem o Seu povo.

 

III.   Partes da Igreja

 

Concluídas estas explicações, sertã necessário enumerar as partes componentes da Igreja, e mostrar suas diferenças,para que o povo veja melhor a natureza, as propriedades,os dons e as graças desta Igreja tão amada de Deus,e por tal razão não deixe jamais de louvar a Santíssima Majestade Divina.

Na Igreja há duas partes principais. Uma delas se chama Igreja triunfante e outra Militante. A Igreja Triunfante é a mais luzida e ditosa comunhão dos espíritos bem-aventurados e de todos os homens que triunfaram do mundo, da carne, e da malícia do demônio, e que, livres e salvos das provações desta vida, já estão no gozo da eterna felicidade.

A Igreja militante é o conjunto de todos os fiéis que ainda vivem na terra. Chama-se mlitante porque move uma guerra sem trégua aos mais assanhados inimigos: o mundo a carne e o demônio.

Há,porém,na Igreja Militante, duas categorias de homens: bons e maus. Certo é que os maus participam, assim como os bons, dos mesmos Sacramentos, professam a mesma fé,mas não lhes são semelhantes nem na vida, nem nos costumes.

Os bons, na Igreja, são aqueles que estão unidos e ligados entre si, não só pela profissão de fé e a participação nos Sacramentos,mas também pelo espírito da graça e pelo elo da caridade. Deles é que se declarou: “O Senhor sabe quem são os Seus”. Nós homens podemos conjecturar, mas nunca saber com certeza quais são os que pertencem ao número dos justos.

Por isso não se deve julgar que Cristo Nosso Senhor se referia a esta parte da Igreja, quando nos remeteu à Igreja, e ordenou que lhe obedecêssemos. Pois, não sendo conhecida esta parte dos justos, quem poderia saber com certeza a que instância apelar e a que autoridade recorrer?

Por conseguinte, a Igreja como tal abrange os homens bons e maus, conforme o atestam a Sagrada Escritura e as obras de santos varões. Nesse sentido, escreve o Apóstolo: “Sois um só corpo e um só espírito”.

Esta Igreja militante é fácil de conhecer. Compara-se a uma cidade situada na montanha, e que pode ser vista de todos os lados. É preciso que seja reconhecível, porque todos lhe devem obedecer.

A Igreja comporta não só os bons, senão também os maus. Assim o demonstra o Evangelho por muitas parábolas, quando diz, por exemplo, que o Reino dos Céus, isto é, a Igreja militante, se compara a uma “rede lançada ao mar”; a um “campo semeado que brotou o joio”; a uma “eira, na qual o trigo se acha misturado com a palha”; a “dez virgens”, umas loucas, outras prudentes.

Muito antes de tais parábolas, a Arca de Noé, que continha animais puros e impuros, era também uma imagem e semelhança desta Igreja.

A fé católica sempre ensinou, expressamente, que à Igreja pertencem bons e maus; não obstante, devemos explicar aos fiéis cristãos, em virtude das mesmas normas de fé, que entre ambas as partes há diferença de condição. Os maus assistem na Igreja, à semelhança da palha que na eira se mistura com o trigo, ou como os membros quase mortos, às vezes continuam ligadas ao corpo.

Daqui se infere que só três classes de homens são excluídos da comunhão com a Igreja. Em primeiro lugar, os infiéis; em segundo lugar, os hereges e cismáticos; por último, os excomungados.

Os pagãos, realmente, porque nunca estiveram no seio da Igreja; não a conheceram, nem se tornaram participantes de nenhum Sacramento, na comunidade do povo cristão.

Os hereges e cismáticos, porque apostataram da Igreja. Pertencem tampouco à Igreja, como desertores fazem parte do exército, que abandonaram. É certo, todavia, que continuam sob o poder coercitivo da Igreja, que os pode punir e excomungar.

Afinal, os excomungados, que são excluídos judicialmente da Igreja e já não pertencem à sua comunidade, enquanto não se reconsiderarem.

Quanto aos demais, não há dúvida que continuam ainda no grêmio da Igreja, apesar de maus e perversos. Sejamos fiéis bem instruídos neste ponto, para que tenham firme convicção de que os prelados da Igreja continuam no grêmio da mesma, não obstante qualquer deslize moral; e que nem por isso lhes fica diminuída a jurisdição eclesiástica.

Com o nome de “igrejas”,é costume designar-se também as comunidades parciais da Igreja universal. O Apóstolo fala da”igreja” que se acha em Corinto, Galácia, Laodicéia e Tessalônica.

Chama ele “igrejas” as famílias particulares de fiéis; envia, pois, saudações à igreja que se acha em casa de Prisca e Áquilas. Noutro lugar escreve: “Muitos vos saúdam, em o Senhor, Áquilas e Priscila com a cristandade que assisteem sua casa”. Na epístola a Filêmon emprega a mesma expressão.

Muitas vezes,o termo “igreja” indica também seus próprios chefes e pastores: “Se não te ouvir,declarou o Cristo, dize-o à Igreja. A expressão refere-se aqui aos chefes eclesiásticos.

Chama-se também “igreja” o lugar em que o povo se reúne, quer para o sermão, quer para outra função sacra. No Artigo que ora tratamos,por igreja se entende principalmente a reunião de bons fiéis junto com os maus, a qual abrange não só os chefes,mas também os subordinados.

 

IV.   Caracteres da Igreja

Os fiéis devem ainda conhecer as propriedades da Igreja, para melhor se compenetrarem do imenso benefício que Deus outorgou a todos os que tiveram a sorte de nascer e educar-se no grêmio da mesma Igreja.

O primeiro caráter que se propõe no Símbolo dos Padres, é a unidade. “Uma só é a minha pomba, diz a Escritura, uma só é a minha formosa”.

Essa enorme multidão de homens dispersos em todas as direções é uma e uma, em virtude das mesmas razões que São Paulo alegava aos Efésios para provar que há “um só Senhor, uma só fé, um só Batismo”. Nela há também um só que dirige e governa. Invisivelmente, é Cristo a quem o eterno Pai constituiu “cabeça de toda a Igreja, que é Seu corpo”; visivelmente, porém, é aquele que ocupa a cátedra de Roma, como legítimo sucessor de São Pedro, o Príncipe dos Apóstolos.

Todos os Padres são unânimes em afirmar que era preciso uma cabeça visível, para assentar e manter a unidade da Igreja.

Esta necessidade, São Jerônimo a reconhece e defende,de modo formal, em seus arrazoados contra Joviniano: “Um só é eleito, para que a instituição de um chefe remova toda ocasião de cisma. E ao Papa Dâmaso escreve: “Fuja a inveja, desapareça a pretensão de aspirar alguém à suprema dignidade romana. Estou a falar com quem sucedeu ao Pescador, com o Discípulo da Cruz. Nenhum chefe supremo reconheço senão o Cristo; por isso me ponho em comunhão com vossa Santidade, isto é, com a cátedra de Pedro. Sei que sobre esta pedra está edificada a Igreja. Quem comer o Cordeiro fora desta casa, não pertence ao povo eleito. Quem se não recolher na Arca de Noé, há de perecer por ocasião do Dilúvio.

 

Muito antes de São Jerônimo, a mesma doutrina dói exposta por Santo Irineu, e também por São Cipriano, que nestes termos discorreu sobre a unidade da Igreja: “Diz o Senhor a Pedro: Eu te digo, Pedro, que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Sobre um só é que edifica a Igreja, não obstante haver conferido, após a Ressurreição, o mesmo poder a todos os Apóstolos, com as palavras: “Assim como o Pai me enviou,assim também eu vos envio a vós. Recebei o Espírito Santo. No entanto para estabelecer claramente uma unidade, quis pelo Seu poder que a mesma unidade se derivasse de um só chefe”.

Optato de Mileve também declara: “A ti não se pode atribuir ignorância, pois sabes que, na cidade de Roma, a cadeira episcopal foi conferida a Pedro em primeiro lugar, e foi Pedro que a ocupou na qualidade de chefe dos Apóstolos. E neste chefe único deviam todos guardar a unidade,a fim de que os Apóstolos não tivessem pretensões exclusivas a favor de suas próprias cadeiras. Seria, portanto, cismático e insubmisso quem quisesse opor outra cadeira a esta, que é a única”.

Mais tarde, escrevia São Basílio: “Pedro foi posto como fundamento. Quando dissera: Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo, ouviu também a resposta que ele era a pedra, se bem que não fosse pedra,como o era Cristo.Pois, Cristo é pedra verdadeiramente inabalável, ao passo que Pedro é pedra [só] em virtude desta pedra. Como Deus,Cristo, comunica a outros Suas próprias excelências: É sacerdote, e institui sacerdotes,é rocha, e faz com que outros seja rocha;o que Lhe é próprio,dá também a Seus servidores.

Finalmente, diz SantoAmbrósio…

Se alguém objetar que a Igreja deve contentar-se em ter Jesus Cristo como único chefe e esposo, sem pretender nenhum outro, a resposta não oferece dificuldade.

Assim como Cristo Nosso Senhor não é só autor, mas até ministro interior de todos os Sacramentos, pois Ele é quem batiza e absolve, apesar de haver destinado homens para ministros externos dos Sacramentos; – assim também pôs um homem, como ministro e detentor de Seu poder, à testa da Igreja, que Ele mesmo dirige com a assistência interna do Espírito Santo.

A Igreja visível precisa de um chefe visível. Por isso é que Nosso Salvador estabeleceu a Pedro como Chefe e Pastor de todo o rebanho dos fiéis, quando em termos graves o incumbia de apascentar as Suas ovelhas; e, por sinal, quis que os sucessores de Pedro tivessem, incontestavelmente, os mesmos poderes para reger e governar toda a Igreja.

Além destas razões, é “um só e o mesmo Espírito” que, no dizer do Apóstolo aos Coríntios, confere a graça aos fiéis, assim como a alma dá vida aos membros do corpo. Quando exortou os Efésios a conservarem esta unidade, dizia-Ihes: “Sede solícitos em guardar a unidade do espírito, pelo vínculo da paz, porque sois um só corpo e um só espírito”.

Assim como o corpo humano consta de muitos membros, e uma só alma os sustenta, dando vista aos olhos, audição aos ouvidos, e aos demais sentidos as faculdades que lhes são próprias: assim também o Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja, se compõe de muitos fiéis.

No mesmo lugar, atesta o mesmo Apóstolo que “uma só é também a esperança a que fomos chamados”, porquanto todos nós aguardamos o mesmo objetivo, que é a bem-aventurança eterna.

Afinal, uma só é a fé que todos devemos seguir e professar. “Não haja divisões entre vós”, admoesta o Apóstolo. E não há senão um só Batismo, que é o selo da vida cristã.

Santidade é o segundo caráter da Igreja, con¬forme no-lo ensina o Príncipe dos Apóstolos: “Vós sois agora uma raça eleita, um povo santo”. 548

Ora, dizemos que [a Igreja] é santa, por ser consagrada e dedicada a Deus. Há, pois, o costume de chamar-se santas as coisas, embora materiais, uma vez que sejam destinadas e consagradas ao culto divino, como o eram na Antiga Lei os vasos, as vestiduras, os altares. Os primogênitos que eram consagrados ao Altíssimo, [a Lei] também os considerava santos.

No entanto, não é de estranhar que a Igreja tenha o nome de santa, sem embargo de haver nela muitos pecadores. Pois são chamados santos os fiéis que se fizeram povo de Deus, e que pela fé e a recepção do Batismo se consagraram a Cristo, embora sejam fracos em muitos pontos, e não cumpram o que prometeram.

De modo análogo, os que fazem profissão de uma arte, conservam o nome de artistas, ainda que não sigam os cânones de seu ofício. Assim é que São Paulo chama aos Coríntios de “santos e santificados”. Não obstante, sabemos que, em termos pesados, invectivou alguns deles por causa de seu espírito carnal.

A Igreja é ainda santa, porque está unida como corpo a uma cabeça santa, a Cristo Nosso Senhor, fonte de toda a santidade, e da qual dimanam os dons do Espírito Santo e as riquezas da bondade divina.

Na bela explicação que faz das palavras do Profeta: “Guardai a minha alma, porque sou santo”, diz Santo Agostinho: “Atreva-se também o Corpo de Cristo, atreva-se o último homem [cristão] que clama nos confins da terra, [atreva-se] a dizer em união com a sua Cabeça, e debaixo de sua dependência: Eu sou santo. Pois, de fato, recebeu a graça de santidade, a graça do batismo e da remissão dos pecados”. – E mais adiante prossegue: “Se todos os cristãos e fiéis que se batizaram em Cristo, de Cristo se revestiram, como diz o Apóstolo: “Todos vós que fostes batizados em Cristo, fostes revestidos de Cristo; se os que se tomaram membros de Seu Corpo [ainda] afirmam que não são santos – fazem agravo à própria Cabeça, cujos membros são santos”.

Uma razão a mais é que só a Igreja possui o culto legítimo do Sacrifício e o uso salutar dos Sacramentos. São estes os meios eficazes, pelos quais Deus opera a verdadeira santidade. Por conseguinte, é impossível haver verdadeiros santos fora desta Igreja.

 

Toma-se pois evidente, que a Igreja é santa, e realmente santa, porque é Corpo de Cristo, sendo por Ele santificada, e purificada pelo Seu Sangue.

O terceiro caráter da Igreja é ser católica, quer dizer, universal. Assenta-lhe bem a designação, porque “os fulgores de uma só fé, como diz Santo Agostinho, se vão dilatando desde o Oriente até ao Ocidente”.

[A Igreja] não se circunscreve aos limites de um só país, nem a uma só raça determinada, como acontece nas instituições políticas e nas agremiações heréticas. Abrange, pelo contrário, todos os homens no regaço de seu amor, sejam bárbaros ou citas, livres ou escravos, homens ou mulheres.

Por isso está escrito: “De todas as tribos e línguas, povos e nações, Vós nos remistes para Deus em Vosso Sangue, e de nós fizestes um Reino para Deus”. Refere-se a Igreja o que Davi dizia: “Pede-Me, e eu te darei os povos em tua herança, e por domínio a redondeza da terra”. Do mesmo sentido são as passagens: “Lembrar-Me-ei de Raab e Babilônia, que Me são afeiçoadas”. “Nela nasceu grande multidão de homens”.

De mais a mais, enquanto professa a fé verdadeira, todos os crentes que existiram desde Adão até hoje, ou que hão de existir até o fim do mundo, pertencem à mesma Igreja que “foi edificada sobre o fundamento dos Apóstolos e dos Profetas”. Todos foram postos e firmados naquela pedra angular, Cristo, que “congraçou numa só as duas partes”, e “anunciou a paz aos que estavam perto, e aos que estavam longe”.

A Igreja chama-se também universal, porquanto os que desejam a salvação eterna, devem todos professá-la, e prestar-lhe obediência, assim como os que deviam entrar na Arca, para não perecerem nas águas do Dilúvio.

Por conseguinte, esta é uma nota que devemos apresentar como muito segura, para se distinguir a Igreja verdadeira de [qualquer outra] igreja falsa.

4. Apostolicidade: A verdade da Igreja, também a conhecemos pela sua origem, que a graça da Revelação faz remontar até aos Apóstolos.

Com efeito, a doutrina da Igreja não é recente, nem aparece como novidade, mas é a [mesma] que os Apóstolos já pregavam outrora, e que se espalhou como um germe por toda a superfície da terra.

Portanto, ninguém pode duvidar que as ímpias opiniões dos hereges ficam muito longe da crença da verdadeira Igreja, por serem contrárias à doutrina que a Igreja sempre ensinou, desde os tempos dos Apóstolos até a presente data..

Logo, para que todos pudessem saber qual era a Igreja Católica, foi por inspiração divina que os Padres acrescentaram ao Símbolo a palavra “apostólica”.

Em verdade, o Espírito Santo que preside a Igreja, só a governa por ministros que sejam de sucessão apostólica. Este Espírito foi dado primeiro aos Apóstolos, mas depois permaneceu sempre na Igreja, graças à infinita bondade de Deus.

5.Infalibilidade: Constituída sob a direção do Espírito Santo, esta Igreja é a única que não pode errar no ensino da fé e da moral. Todas as outras, porém, que se arrogam o nome de “igrejas”, caem fatalmente nos erros mais perigosos, quanto à fé e aos costumes, porque são guiadas pelo espírito do demônio.

V. Figuras da Igreja: Possuindo as figuras do Velho Testamento a grande virtude de comover os corações dos fiéis, e de [lhes] recordar os mais sublimes Mistérios, os Apóstolos as empregavam com particular predileção. Por sua vez, os párocos não deixarão de aproveitar esta parte da doutrina, que é tão rica de úteis aplicações.

1. A Arca de Noé: Ora, entre as figuras, existe uma de grande alcance: a arca de Noé. Foi Construída por ordem de Deus, só porque devia inegavelmente representar a própria Igreja. Deus instituiu esta de tal forma, que todos os homens que nela entram pelo Batismo, podem preservar-se de todo perigo da morte eterna. Mas, os que ficam fora dela, perecem afogados em seus próprios crimes, como sucedeu aos que se não abrigaram na Arca.

2. Jerusalém: Outra figura é aquela grandiosa cidade de Jerusalém, cujo nome as Escrituras empregam, não raras vezes, para designar a Santa Igreja. Só naquela [cidade] era lícito oferecer sacrifícios a Deus; assim também só na Igreja, e fora dela em parte alguma, se encontra o verdadeiro culto e o verdadeiro Sacrifício, que pode unicamente agradar a Deus.

VI. O mistério da Igreja: Rematando a instrução sobre a Igreja, os párocos devem explicar sob qual aspecto pertence aos artigos de fé a obrigação de crermos na Igreja. Tanto a razão, como os sentidos nos dão a conhecer que na terra existe uma Igreja, isto é, um conjunto de homens que se uniram e consagraram a Cristo Nosso Senhor. Nem se requer fé [propriamente], para admitirmos sua existência, pois que até judeus e turcos não a contestam.

Mas, quanto aos Mistérios que a Igreja de Deus encerra em si mesma, – alguns dos quais já foram explicados, e outros o serão no Sacramento da Ordem – só o espírito iluminado pela fé é que os pode compreender. Nesse ponto, não são convincentes os raciocínios humanos.

Logo, o presente Artigo excede, não menos que os demais, o alcance natural de nossa inteligência. Por isso, todos os motivos nos levam a confessar que não é pela força da razão, mas pelas luzes da fé, que se pode conhecer a origem [divina] da Igreja, e de todos os seus dons e ministérios.

2. Aspecto mais positivo: De certo, a Igreja não é obra dos homens. Seu autor é o próprio Deus imortal, que a edificou sobre uma rocha inabalável, como assegura o Profeta: “Ele mesmo, o Altíssimo, deitou os seus fundamentos”. Por isso, a Igreja se chama “herança de Deus” e “povo de Deus”.

Humano não é o poder que recebeu, mas foi-lhe outorgado por mercê divina. Tais poderes não resultam de forças naturais; portanto, unicamente pela fé é que chegamos a compreender que na Igreja estão as chaves do Reino dos céus, e que a ela foi dado o poder de remitir pecados, de lançar anátemas, e de consagrar o verdadeiro Corpo de Cristo; afinal, que “os cidadãos que nela habitam, cá em baixo não têm morada permanente, mas aguardam a vindoura”.

É, pois, necessário crermos que a Igreja é uma, santa e católica.

3. Modo de exprimi-lo: Cremos nas três Pessoas da Santíssima Trindade, de feição que n’Elas assentamos a base de nossa fé.

Quanto à Igreja, porém, usamos outra maneira de exprimir nossa fé, pois que professamos crer a santa Igreja, e não na santa [Igreja]. Pela diferença da fórmula, damos a entender a distinção entre Deus Criador e as coisas criadas, e nos admiráveis dons conferidos à Igreja não vemos senão benefícios da bondade divina.