Arquivo de janeiro de 2009

Salve Bento XVI! Salve Mons. Lefèbvre!

Postado por Admin.Capela em 27/jan/2009 - Sem Comentários

Pe. João Batista de Almeida Prado Ferraz Costa

A caridade não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. (I Cor, 13, 6)

Como se sabe, os modernistas têm um conceito falso de caridade. Separam o amor da verdade, a vontade da inteligência. São voluntaristas. Fanáticos. Caprichosos. Obstinados. Guiados apenas por suas paixões e preconceitos, sem a luz da razão e da fé, os modernistas costumam emitir juízos disparatados com a pretensão de justificar qualquer comportamento à margem da lei moral. Em nome da caridade defendem todos os vícios e pecados. Distorcem aquelas palavras do Apóstolo: “a caridade cobre a multidão dos pecados.”

Além de um falso conceito de caridade, os modernistas, como disse São Pio X, são hipócritas. E agora, com a anulação da excomunhão de Mons. Lefèbvre por decisão do Papa Bento XVI, temos mais uma prova disso.

Contradizendo suas próprias idéias teológicas que alargam indefinidamente as fronteiras da Igreja, quase que identificando-a com a humanidade, os modernistas hipocritamente taxavam a Fraternidade Sacerdotal São Pio X de cismática, fascista e não sei quantos epítetos mais.

Pois bem. Ao interpretar o decreto do papa de anulação das excomunhões dos chamados bispos tradicionalistas, os modernistas querem aplicar ao papa Bento XVI o conceito herético e liberal de caridade. Quer dizer, o papa teria agido por uma misericórdia acima de toda justiça,  por um puro gesto de perdão, ao retirar a pena sem que houvesse uma manifestação de arrependimento da parte dos “cismáticos”. A ação de Bento XVI seria inexplicável logicamente.

Ora, isto constitui uma injúria ao papa. Equivale a atribuir-lhe um procedimento irresponsável no governo da Igreja. O papa jamais poderia revogar uma excomunhão justa. A excomunhão é uma pena medicinal  para emenda do autor do delito e preservação do bem comum da Igreja. Enquanto subsiste a culpa do delito ou o requer o bem da Igreja, a pena deve subsistir.

Bento XVI revogou as excomunhões declaradas em 1988 porque tem consciência de que eram injustas. Isto está patente em sua carta de apresentação do motu proprio Summorum Pontificum em que ele diz aos bispos que houve omissão da Igreja no zelo pela sua unidade. E em outras ocasiões criticou aqueles que pretendem fazer do Vaticano II um “super concílio” acima de todos os outros.

Se a posição crítica de Mons. Lefebvre  às reformas emanadas do Vaticano II fosse um pecado, se o Vaticano II fosse um concílio dogmático que obrigasse os católicos a acatá-lo em sua inteireza, se não fosse lícita uma objeção de consciência às passagens ambíguas e contraditórias do Vaticano II comprovadas por teólogos e estudiosos das mais diferentes tendências, a autoridade suprema da Igreja não poderia levantar as excomunhões dos quatro bispos reabilitando assim a memória de Mons. Lefèbvre e de D. Castro Mayer.

Em suma, Bento XVI agiu, sim, com caridade. Mas com  caridade católica, verdadeira, tradicional, aquela que se rejubila com a verdade. Ele sofria com a injustiça cometida contra Mons. Lefèbvre e os tradicionalistas e quis repará-la. Ao contrário, os modernistas hipócritas tinham prazer em apodar os tradicionalistas como seita excomungada, alegravam-se com a injustiça, porque a excomunhão atendia aos seus interesses diabólicos de afastar os católicos da tradição da Igreja.

Para remate dessas considerações,  acode-me à memória o comentário de Santo Agostinho ao Salmo 128: Saepe expugnaverunt me a iuventute mea. Explica Santo Agostinho que essas palavras se referem à Igreja sempre combatida pelos maus elementos que nela vivem, tentando seduzir e enredar os bons em seus maus caminhos. Assim os modernistas infiltrados na Igreja. Mais adiante diz o salmo: Etenim non potuerunt mihi. Supra dorsum meum fabricaverunt peccatores, prolongaverunt iniquitatem suam. Explana o Santo Doutor: “Quantos males suportamos, quantos escândalos suportamos por parte dos maus dentro da Igreja (…) Mas não conseguiram que os bons consentissem com eles no mal.” Assim também hoje os modernistas enfurecidos com o papa o difamam, ameaçam, dizem que é nazista etc, ma não o dobram (potuerunt mihi).[1] Em seguida diz o Salmo: Fiant sicut faenum tectorum quod priusquam evellatur exaruit. Assim são os modernistas na Igreja: como erva que nasceu sobre o telhado de uma casa e secou antes de arrancada. Os modernistas no alto de sua insolência  secaram, murcharam sem necessidade de ser arrancados do telhado da Igreja. Embora excomungados por São Pio X, conseguiram permanecer no interior da Igreja fazendo o mal, mas por fim secaram porque não tinham raízes. Basta agora um vento mais forte soprado por Deus para caírem  como erva seca a ser queimada.

Portanto, salve  o Papa! Salve  Mons. Lefèbvre! Parabéns aos bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X!

 Anápolis, 27 de janeiro de 2009

Festa de São João Crisóstomo, Bispo e Doutor da Igreja.


[1] Veja-se a caridade do papa ao suportar a maldade desses hereges, cumprindo as palavras do Apostolo: a caridade tudo sofre.

A inteligência e o coração do homem em São João Crisóstomo

Postado por Admin.Capela em 23/jan/2009 - Sem Comentários

Pe. João Batista de Almeida Prado Ferraz Costa

 Tive a felicidade de ganhar de presente de Natal dois livros que foram as delícias de minhas férias: Da incompreensibilidade de Deus, da providência de Deus e Cartas a Olímpia, de São João Crisóstomo (coleção Patrística, Paulus) e La Tradition, do Cardeal Jean-Baptiste Franzelin. De La Tradition falarei em outra oportunidade. Hoje quero assinalar alguns aspectos dos textos de São João Crisóstomo que me chamaram a atenção por sua beleza e atualidade.

Muita coisa haveria que dizer a respeito dessa coletânea de São João Crisóstomo. Uma idéia que logo me ocorreu é que as pessoas que consideram muito árdua a leitura da Suma Teológica de São Tomás de Aquino por causa de sua estrutura de puro silogismo, sem uma roupagem literária que torne mais agradável a leitura e facilite a compreensão do texto pelo recurso às imagens, às alegorias e comparações diversas, essas pessoas obteriam grande vantagem  lendo primeiro os textos de São João Crisóstomo sobre a incompreensibilidade de Deus ou a providência divina em que o santo doutor, em forma de sermões, desenvolve esses temas com grande simplicidade e profundidade. De maneira que uma leitura posterior da Suma de Santo Tomás se torna mais fácil porque as mesmas idéias  são aí  encontradas e às vezes citadas literalmente, mas tratadas em um estilo mais rigoroso e difícil.

Quem lê a Suma Teológica sem um preparo pode não só “boiar” mas também ficar desconcertado diante do esforço de Santo Tomás de tentar expor e explicar racionalmente os mais altos mistérios da nossa fé. Ainda mais hoje quando reina um fideísmo pentecostal entre os católicos. Ao contrário, São João Crisóstomo, sempre armado da Sagrada Escritura e com grande dose de bom humor, desanca os hereges amoneus e faz brilhar a fé católica. Por exemplo, falando da incredulidade de Zacarias na promessa do nascimento do precursor, diz: “O que fazes, ó homem? Deus promete e procuras defender-te sob o pretexto de idade, contestas com a velhice! A velhice seria mais forte do que a promessa de Deus? A natureza teria maior poder do que o autor da natureza?” (cf. segundo sermão sobre a incompreensibilidade de Deus).

Desenvolvendo o problema da incompreensibilidade de Deus (tema rico em conseqüências teológicas se pensarmos na heresia universalista e neo-pelagiana daqueles que pretendem hoje que todos os mortos estão salvos e já gozam da visão beatífica), diz São João Crisóstomo: “Ao ouvires o profeta declarar: “Vi o Senhor”, não calcules que viu a essência; não captou senão algo de sua condescendência, e isso ainda sob a forma mais imperceptível do que vêem as virtudes do alto (…). Comprovemos que as Virtudes superiores não podem contemplar a Deus, mesmo quando há condescendência. Com efeito, por que razão, dize-me, os Serafins utilizam as asas para voar? Por nenhuma outra, a não ser para anunciar por atos a palavra do Apostolo: “Ele habita uma luz inacessível” (cf. segundo sermão)

Tendo provado que não se pode conhecer a essência divina, São João Crisóstomo responde à objeção daqueles que dizem ser impossível adorar aquele que não se conhece. Para tanto vale-se de uma bela comparação: “Suponhamos dois homens a ponto de brigar por causa da extensão do céu, que ambos pretendem conhecer; o primeiro declara que olhos humanos não podem abrangê-la, enquanto o segundo objeta ser possível medi-la toda inteira com a palma da mão. Qual dos dois, em nossa opinião, conhecerá o tamanho do céu? O que pretende saber quantos palmos possui, ou quem confessa ignorá-lo? Se, quando se trata do céu, quem recua diante de sua imensidade é q  uem melhor a conhece, não teremos, com referencia a Deus, a mesma prudência? Como não seria o cúmulo da demência ? (cf. quinto sermão).[1]

Essas palavras de São João Crisóstomo nos recordam a realidade assombrosa da teologia negativa: de Deus sabemos mais o que não é do que aquilo que é.

Tudo isto nos auxilia a ler com mais proveito e com outros olhos toda a teologia especulativa. O desejado renascimento da teologia católica produzirá, a meu ver, uma ciência  temperada por muita arte e por uma  linguagem poético-mística em que a razão humana reconheça francamente seus limites na explicação do mistério.

Tendo falado dos limites da inteligência humana, passo a ressaltar a grande qualidade da obra de São João Crisóstomo em sua capacidade de analisar e curar as feridas do coração do homem. É admirável sua acuidade em examinar as raízes da tristeza que arruína a vida do homem neste vale de lágrimas. Este é um problema eterno que adquire contornos assustadores em nossa sociedade que pretende comprar a felicidade a qualquer preço.

Equivoca-se quem pensa que o grande problema do homem contemporâneo é a tentação da sensualidade que o conduz a todo tipo de torpeza e ignomínia. Não. O grande problema dos nossos dias é a negação do quarto mandamento. Sem pai, o homem não é capaz de gozar a alegria de ter irmão. Sem a alegria do irmão, não há o consolo da amizade. Sem o consolo da amizade, cresce a tentação da sensualidade e esta deságua inevitavelmente no rio da tristeza, que por sua vez conduz ao suicídio.

Neste ponto, São João Crisóstomo e Santo Agostinho se complementam e nos permitem examinar o problema da felicidade humana, tão mal entendida pela religião antropocêntrica da Igreja pos-conciliar. Para Santo Agostinho, a felicidade cristã exige o desprezo do mundo. A felicidade cristã fundamenta-se na esperança sobrenatural do céu e não nos bens terrenos. Estes não podem ser buscados e desejados como fundamentos da felicidade. Estes podem ser vistos apenas consolações passageiras que a bondade divina nos dispensa em uma vida que é permanente luta contra os inimigos da salvação. Estas idéias são recorrentes em Santo Agostinho e explanadas sobretudo  em seus comentários aos salmos a partir do salmo 124: “Não invejeis aqueles que não andam pelos caminhos de Deus quando os virdes infelizmente felizes. Os homens mundanos são infelizmente felizes; ao contrario, os mártires eram felizmente infelizes, pois eram temporalmente infelizes, mas eternamente felizes, e por isso mesmo que eram temporalmente infelizes julgavam-nos mais infelizes que eram.” (Super Psalmos, Ps. 127).

Se Santo Agostinho é o doutor genial da análise da questão da possibilidade, da natureza e dos limites da felicidade neste mundo, São João Crisóstomo é o diretor espiritual seguro que, iluminado pelas grandes verdades da Sagrada Escritura, ajuda o cristão a evitar a tristeza ou dela libertar-se. Diz ele: “A tristeza, na realidade, é para as almas um local horrível de tortura, uma espécie de dor inexplicável, castigo mais amargo do que todos os tormentos e penalidades. Assemelha-se a um verme venenoso que corrói não somente a carne, como a própria alma, e não só tritura os ossos mas também a mente; um carrasco perpétuo que não rasga as costas, e sim arruína o vigor espiritual; uma noite contínua e trevas sem luar; é tempestade, agitação, fogo secreto mais ardente que qualquer chama, guerra sem tréguas, doença que sombreia a maioria das coisas visíveis. O sol, porém, e a limpidez da atmosfera para os assim mal-dispostos parecem importunação e o pleno meio-dia compara-se à noite profunda.” (o.c. carta 10)

Que descrição precisa do mal da depressão! Desafio qualquer profissional da área, com todos os recursos da psiquiatria e da psicologia moderna, a dizer algo melhor! Mas não é só isto. Feito o diagnóstico, São João Crisóstomo aponta as causas e prescreve o remédio. “Com efeito, diz ele, alegria não depende de leis imutáveis da natureza, que não se podem domar e alterar, mas das livres decisões da vontade, fácil de ter nas mãos. (…) A felicidade não se origina tanto da natureza das coisas, como da concepção que têm os homens. (…). Não vos deixeis abater, minha irmã. Reerguei-vos, estendei a mão com gosto a nossas palavras e colaborai com vossa valiosa ajuda, para que possamos arrebatar-vos completamente da escravidão amarga de vossas cogitações. Se, portanto, não quereis empregar zelo idêntico ao nosso, de nenhuma serventia será o tratamento. É de admirar que isso aconteça? Quando o próprio Deus onipotente exorta e aconselha, mas o ouvinte não atende às suas palavras, nada daí se origina a não ser a previsão de maior castigo para o desobediente.(o. c. p. 251-252)

Quantos abusos e erros na área da psiquiatria e da psicologia seriam evitados se essas verdades antropológicas não estivessem esquecidas ou negadas em nome de um cientificismo que reduz a vida espiritual do homem à química cerebral com a conseqüente eliminação do livre arbítrio. A psiquiatria chega hoje ao extremo de pretender domar e alterar as leis da natureza, como diz São João Crisóstomo. As conseqüências desse império da psiquiatria são as idéias que hoje devastam a nossa sociedade: o bem-estar a qualquer preço, as relações humanas e familiares deterioradas. O calor do coração humano cede lugar ao egoísmo calculado e medido pela psiquiatria.

Sem negar a existência de outros fatores e causas dos problemas de desequilíbrio psíquico, sem faltar ao máximo respeito devido às pessoas infelizes que sofrem esses males, é necessário examinar o nexo entre a responsabilidade moral e a saúde mental.

Que realidade patética vivemos! Uma sociedade que se pretende absolutamente livre é escrava dos psicotrópicos e incapaz de conhecer a causa real dos seus males mais graves.

Uma sociedade dopada! Uma sociedade que desconhece a graça do sorriso do homem sábio que admira a beleza da ordem criada e a gratuidade das coisas. Uma sociedade que só aprecia as gargalhadas do deboche e não sabe o valor das santas lágrimas.

Não encerro estas reflexões em tom pessimista nem otimista. Afinal, somos salvos pela esperança. A esperança está sempre acompanhada de alegria e paciência. A paciência é uma forma de fortaleza e melancolia ao mesmo tempo. Quem quiser provar esta verdade ouça a cantata 82 de Bach que celebra a festa da Apresentação do Menino Jesus no Templo. O canto do Velho Simeão (Nunc dimittis servum tuum, Domine), na música de Bach, é uma expressão artística maravilhosa dessa realidade da vida cristã: paciência (sofrimento), esperança, alegria. Ou melhor, ouça as antífonas maiores do tempo do Advento. Na melodia gregoriana dessas antífonas está expressa toda a angústia cristã pela espera da volta do Salvador.

 


[1] Essas palavras de São João Crisóstomo servem para explicar a utilidade da língua latina na liturgia e refutar aqueles que combatem o emprego de uma língua incompreensível para a maioria das pessoas. Quem será o demente que pretenda uma plena compreensão do mistério eucarístico? O latim expressa justamente a sublimidade de tal mistério.